A Epidemia de Esquecidos.
(por Antonio Samarone)
Perguntei a um filho, pelo professor Alípio, em foi sucinto: “o velho não regula mais, perdeu a memória, está com Alzheimer avançado.”
Alípio foi o cirurgião mais talentoso de sua época, um professor adorado por sua didática, educação e bom humor. Fora da sala de aula, o Dr. Alípio não dava um bom-dia, sempre de cara amarrada. Na sala, era um homem show, um espetáculo. A sala de aula era o seu palco.
Não fiquei satisfeito com a resposta do filho e insisti: sim, além do Alzheimer, como anda a vida do velho? Ele foi grosseiro: “o meu pai não existe mais. Nem morreu, nem está vivo. Acabou!
A memória sobre o brilhante professor, acabou com o fim da sua memória biográfica. Nem o Dr. Alípio se reconhece, nem a sociedade o reconhece. Literalmente, um vivo/morto.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que provoca demência. Por razões óbvias, a perda da memória apressa a perda de autonomia. A sociedade é cruel com quem não produz.
A medicina reconhece outras patologias que levam a perda da função cognitiva e da memória. As demências Vascular; por Corpos de Lewy; pela Doença de Parkinson; a Fronto temporal; a de Huntington; a Alcoólica; de Creutzfeldt-Jakob e, mais recentemente, as sequelas da Covid-19.
Entretanto, o Alzheimer, por ser a mais frequente, virou a doença símbolo das demências.
Eu comecei com um esquecimento seletivo. Encontro com pessoas conhecidas, sei quem é, lembro-me dos detalhes do fulano, só não me lembro do nome. É um constrangimento. E quando se trata daqueles chatos que perguntam: “Tá lembrado de mim?” Aí o constrangimento aumenta.
A acho que a saída é as pessoas andarem com o seu “CR Code” à mostra, para que possamos identificá-los com o celular.
Voltando ao professor Alípio, hoje não se fala mais nele, foi esquecido ainda vivo.
Em minha infância, a caduquice não levava ao esquecimento, pelo contrário, era como se o velho voltasse a ser criança, para que o fardo da velhice se tornasse mais leve. E assim era visto.
O Seu Pepita de Dona Bobina, foi o caduco padrão de minha infância. A cidade o respeitava, com uma observação sagrada: “o seu Pepita está caducando, ninguém mexe com ele.”
Eu achava a caduquice a antessala do paraíso, uma preparação para a eternidade. Uma forma serena de desapego com vida.
O caduceu era uma insígnia de autoridade, o bastão dos deuses, o cajado dos pastores, a varinha das fadas e o condão de Asclépio.
A velhice chegava com o “arrastar os pés e o tremer das mãos”. Os velhos eram poucos, mas divinamente rabugentos, cheios de razões e de verdades. Os velhos metiam medo: “o velho pega!”, me advertia mamãe. Era um preconceito respeitoso. Só a caduquice as abrandava.
Hoje não se presta a atenção aos velhos. Eu passei a vida esperando a hora da rabugice, tenho contas a acertar! Mas estamos na Era do esquecimento. Os velhos não contam mais, foram transformados em idosos, uma forma domesticada de velhice.
Hoje todos tem razão e a verdade foi extinta.
Rabugice Já!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
terça-feira, 18 de outubro de 2022
A EPIDEMIA DOS ESQUECIDOS
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