sábado, 29 de junho de 2019

UMA BREVE HISTORIA DA EPILEPSIA




Uma Breve História da Epilepsia (por Antônio Samarone)

No cristianismo medieval, epilépticos eram rejeitados e temidos, sob a suspeita de estarem endemoniados. Na Grécia antiga a epilepsia era chamada de morbus sacer (doença sagrada). Na Idade Média virou o morbus demoniacus (doença do demônio). O epiléptico possuí três santos protetores: São Valentino, São Sebastião e São Vito. A leitura do evangelho era recomendada durante as crises da doença. Era vista como uma doença contagiosa.

Hipócrates rejeitava qualquer explicação sobrenatural das doenças. A epilepsia era um transtorno humoral, uma flutuação na produção de fleugma pela pituíta, que se encontra na base do cérebro. A epilepsia era um bloqueio fluídico dos ventrículos. A explicação de Hipócrates foi reforçada por Galeno e permaneceu aceita até o final da Idade Moderna.

Paracelso (1493 – 1541) foi o primeiro a contestar a explicação humoral.

Na Idade Média a epilepsia era vista como uma punição condigna de algum pecado ou falta terrível. O médico suíço Tissot afirmava que a epilepsia era consequência do vicio solitário, da masturbação.

A Bíblia relata a cura de dois epilépticos, vistos como exorcismo de um demônio. “Um espírito apoderou-se dele e ele incontinenti chorou; e foi rasgado pelo espírito que, espumando, abandonou o corpo infantil” (Lucas 9:39) e “Mestre, eu trouxe ante Ti meu filho, que tem um espírito ensandecido e que dele se apossou, o dilacerou e o fez espumar e ranger os dentes e o atormenta” (Marcos 9:14 – 29).

A epilepsia já foi associada a genialidade. Vários heróis foram epilépticos: Alexandre Magno, Petrarca, Maomé, Pedro, o grande, Napoleão Bonaparte e Júlio César. A mitologização dos gênios epilépticos foi intensa: Buffon, Flaubert, Dostoievski, Helmholtz e Van Gogh.

Dostoievski escreveu sobre a sua experiencia com a aura extática, um evento raro em epilépticos do lobo frontal, com momentos de êxtase antes das convulsões e atenção convergindo para temas transcendentais como Deus e a morte. Dostoievski atribuía a sua doença à sentença de prisão e ao exílio na Sibéria.

Cesare Lombroso (1836 – 1909) apontava a conexão da epilepsia com o crime. “Anormalidades atávicas nos crânios dos condenados e degenerados demonstravam a ligação do crime com a epilepsia, considerada uma doença atávica.”
    
No início do século XIX a epilepsia ainda estava sob os cuidados dos alienistas.”. Dizia Esquirol: “quatro quintos dos meus pacientes epilépticos são afetados por mania, demência, fúria, idiotia e desordem de caráter. A epilepsia quando associada a insanidade nunca melhora.”

Nos manicômios do século XIX os epilépticos eram agrupados com os insanos. Esquirol quis separá-los com receio do contágio.

Morel (1860) acreditava existir uma epilepsia mascarada, sem convulsões, chegou a definir um caráter epiléptico. O individuo seria pegajoso, obsequioso, imprevisível, super religioso, irritável e vingativo.

A obsessão da medicina era encontrar uma lesão anatômica que pudesse explicar as doenças. No final do século XIX, a epilepsia já tinha se tornado uma doença neurológica. A correlação entre lesões cerebrais e convulsões da epilepsia foi estabelecida. Eram alterações no cérebro produzindo descargas elétricas irregulares.

Jean Martin Charcot, em seu “Lês Démoniques dans l’ Art (1887), tentou demonstrar, aqueles que antigamente foram considerados místicos, profetas, possuídos pelo demônio, eram portadores de doenças neurológicas, como epilepsia e histeria.

A epilepsia continua uma doença grave. Entretanto, a medicina já sistematizou os sintomas clínicos, a natureza foi esclarecida, a medicação é efetiva e seus efeitos podem ser controlados. A maioria dos epilépticos participam normalmente da vida social. Os estigmas estão desaparecendo.

Por outro lado, não teremos mais Dostoievskis...

Antônio Samarone.
Fonte principal: Berrios & Porter

Nenhum comentário:

Postar um comentário