terça-feira, 16 de setembro de 2025
O CENTENÁRIO DO HOSPITAL DE CIRURGIA (1926 - 2026). parte 1.
O Centenário do Hospital de Cirurgia (1926 – 2026) Parte I.
(Por Antonio Samarone).
A 25 de junho de 1923, em um banquete da classe médica em homenagem ao ilustre médico e cientista, Dr. Parreira Horta, realizado no palácio do Governo, o Dr. Augusto Leite reclamou ao Governador do Estado, Dr. Graccho Cardoso, da inexistência em Sergipe de um hospital onde se pudesse exercer com segurança a cirurgia.
“Considere, se vos apraz o exemplo, o hospital Santa Isabel, o único de Aracaju, o maior de Sergipe, aquele para o qual convergem os doentes de todo o Estado... Nele só os sexos são separados. Abriga doentes de toda a sorte em uma mesma sala, numa promiscuidade que atenta em cheio contra os mais elementares preceitos de higiene.” Dr. Augusto Leite.
O Dr. Graccho Cardoso, impressionado com o que ouviu, prometeu construir um moderno hospital, dizendo taxativamente: “Não sou homem de promessas, não prometo para faltar”. E não faltou. Para completar a sua Reforma Sanitária, investiu, decisivamente, na mudança de qualidade da assistência hospitalar em Sergipe.
Às 16 horas, do dia 01/11/1923, dia de todos os Santos, era batida a pedra fundamental para a construção do Hospital de Cirurgia. Na festa de lançamento, o Dr. Augusto Leite, pronunciou um discurso, onde deixou explicitada a precariedade da rede hospitalar do Estado naquele momento:
“Sergipe, doe-me confessá-lo, Sergipe vigorosamente não possui um hospital, mesmo modesto. Uns há que são verdadeiros albergues. Pessimamente instalados, sem direção técnica, sem médico, o tratamento dos doentes entregues a curandeiros, tem de hospital tão somente o nome estampado, em letras gordas, no alto da fachada.”
Não que Graccho Cardoso tivesse construído muitos hospitais, naquele momento não era essa uma prioridade do Poder Público, mas pelo fato de ter viabilizado a criação de um hospital novo, diferente de tudo que existiu até aquele momento.
Um hospital como instrumento de cura, organizado dentro das exigências de uma nova medicina.
Um Hospital que será, ao mesmo tempo, unidade de assistência, espaço para pesquisa e desenvolvimento dos conhecimentos médicos e lócus privilegiado de formação e atualização dos profissionais da saúde que atuavam no Estado.
É a partir do Hospital de Cirurgia que a instituição hospitalar em Sergipe deixou de ser um local de assistência social, sobretudo em sua dimensão religiosa, local de assistência à morte dos desvalidos para se transformar em um local de cura.
Sergipe possuía uma pequena rede de hospitais de caridade, dentro do antigo modelo asilar.
Eram instituições voltadas para a assistência social ou, mais especificamente, assistência religiosa. A assistência médica era iatrogênica.
O hospital era o espaço onde se ia morrer, ou como se dizia antigamente, o espaço para “quem não tinha onde cair morto”, que lá, vai à procura de um último consolo. O capelão era mais importante que o médico.
“O hospital, quando emergiu da época feudal, era essencialmente um instrumento da sociedade para minorar o sofrimento, diminuir a pobreza, erradicar a mendicância e ajudar a manter a ordem pública.”
Ocorre que as mudanças no conhecimento médico tinham transformado o hospital num local de cura. A assepsia, o laboratório, a observação clínica e a incorporação de enfermeiras treinadas tinham redirecionado as funções e os objetivos dessa instituição milenar.
Essas mudanças, que ocorreram no mundo desenvolvido a partir da década de 1880, chegaram a Sergipe com a decisão tomada por Graccho Cardoso em construir o Hospital de Cirurgia.
É claro o papel dos médicos, com a sua entidade de classe, liderados pelo Dr. Augusto Leite. Entretanto, sem a visão transformadora de Graccho, tudo não teria passado de um sonho.
A situação da rede de hospitais de caridade em Sergipe era precária e mal afamada. Mesmo o Santa Isabel, o maior entre eles, ainda não tinha feito por onde ganhar a confiança da população.
É significativa a descrição do Hospital Santa Isabel feita no romance “Rua do Siriri”, de Amando Fontes, mesmo com a flexibilidade de ser uma ficção, se aproxima bastante da visão dos médicos e jornalistas da época:
“Muito custou, porém, às companheiras convencê-la de que, para o seu próprio bem, devia recolher-se ao Santa Isabel...
— Não vou! Pro Hospital eu não vou! Nem amarrada. Prefiro morrer de podre nesta cama.
Mariana não se pôde conter, e censurou-a, no tom duro que às vezes tinha para sua melhor amiga:
— Ô xente, gente! O que é isso? É soberba de sua parte minha nega? Pois saiba que Hospital foi feito pra gente e não pra bicho...
Não vai, por quê? Você é melhor do que as outras?
As lágrimas saltaram dos olhos da doente, E em voz de queixa, lastimou-se:
— Muito obrigada, Mariana! Nunca pensei que você fosse capaz de me ofender, no estado em que me acho... Dizer que não quero ir para o Hospital só por soberba!... Quem está como eu, tem lá soberba? Se digo que não vou, é porque sempre ouvi contar que quem entra pra Hospital não sai com vida...
Depois, dizem que lá obrigam a gente comer do que não gosta... a dormir e acordar a hora certa, tudo é feito com um rigor danado... que não há... quem possa aturar...”
O Hospital de Cirurgia fundou a medicina científica em Sergipe, comandado por Dr. Augusto Leite, o maior nome da medicina sergipana no século XX.
Antonio Samarone – Confrade da Academia Sergipana de Medicina.
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