domingo, 28 de setembro de 2025

A SOMBRA DO JENIPAPEIRO

A Sombra do Jenipapeiro.
(por Antonio Samarone)

Se queres ser universal, canta a tua Aldeia – Leon Tolstói.

Não sei quando e nem quem derrubou o chalé avarandado, casa paroquial do cônego Domingos de Melo Resende, ao lado da matriz de Santo Antonio e Almas.

Alcancei o terreno desocupado, onde o padre Everaldo, Bode Cheiroso, mandou iluminar, cercar de alambrado, e transformou numa quadra de areia, destinada à prática do Futebol de Salão.

O Futebol de Salão deixou a Praça da Feira.

A casa do Cônego era o principal centro de poder da Villa. Domingos de Melo Resende era um fidalgo da Capela, filho do Capitão-Mor Manuel de Melo Resende e Josefa Maria Resende. Em 1852, assumiu a Paróquia de Santo Antonio e Almas, por mais de 50 anos. Faleceu em 06 de janeiro de 1902, em Itabaiana. Deixou uma prole numerosa, todos registrados a paternidade.

A população adorava o velho Cônego. Bom de sermão, generoso, rico, família grande, a sua casa acolhia muita gente. Ele foi sepultado na igreja. Depois o Monsenhor Soares fez uma “reforma”, e apagou drasticamente a memória. Acho que a lápide do tumulo de Domingos de Melo Resende, se encontra na Capela de São Miguel. Vou conferir.

Defronte a casa paroquial, existia um frondoso e centenário Jenipapeiro. A sua sombra era um local de encontros e deliberações aldeãs. A vida de todos era passada a limpo.

José Crispim de Souza, empresário e alfaiate, em seu livro “Costumes de Minha Aldeia”, descreveu o jenipapeiro:

“Havia um jenipapeiro quase em frente a nossa igreja matriz, circundado de bancos de madeira, onde se juntavam os políticos e demais pessoas, fazendo dali um quartel-general, de onde ditavam leis e falavam dos adversários, da mulher casada ou solteira, da administração do Intendente A ou B, contanto que descarregasse o estilete em qualquer lugar e atingisse os seus inimigos.”

A profecia do Cônego se confirmava: Itabaiana gostava da vida simples da Vila.

Hoje, Itabaiana tornou-se uma metrópole. Cortaram o jenipapeiro, mas a resenha continua no belo calçadão de pedras portuguesa, entre os quiosques e um ponto de Taxi. No mesmo local do jenipapeiro.

Nunca soube de reações, por conta da derrubada desse jenipapeiro. Na mesma época, o corte de um tamarineiro, na Praça da Feira, terminou em rompimento político. Dorinha era o chefe político, o prefeito eleito, Antonio Dutra, era do seu grupo. Entretanto, apesar dos pedidos dele para não derrubarem a árvore, não houve jeito, passaram o machado. Antonio Dutra era tio de Oviedo Teixeira.

Hoje, a regra é plantar! Na calçada da Secretária de Cultura, florescem viçosos, dois belos Paus Brasil.

Antonio Samarone – Secretario de Cultura de Itabaiana.

O jenipapeiro era esse da foto.
 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

UM NOVO CURA.


Um Novo Cura.
(por Antonio Samarone)

O Arraial de Santo Antonio e Almas de Itabaiana vem de longe. Inicialmente, abrangia uma área de cerca de 200 léguas quadradas. Sua ocupação territorial começou logo após a fixação da colonização portuguesa em Sergipe, nos começos de 1590.

Comprovam essa afirmativa as sesmarias concedidas a diversos proprietários já datadas dos primeiros anos do século XVII.

Entretanto, a criação da Freguesia de Santo e Almas, em 30 de outubro 1675, a segunda em Sergipe, foi uma marca institucional. Itabaiana foi Freguesia antes de Villa. A Igreja chegou antes da Coroa.

Em uma sessão do douto Conselho Estadual de Cultura, os 350 anos foram questionados: “350 anos do que mesmo”? Espero ter ajudado no esclarecimento.

No auge das comemorações dos 350 anos, a Paróquia trocou de padres. O competente e zeloso Padre Marcos Rogério Vieira, após profícua passagem, foi transferido para Nossa senhora das Dores.

Hoje, (23/09/2025) celebra-se a primeira missa do padre novo: Paulo Tadeu Lima de Melo. Um alagoano de Penedo. Um religioso arejado, membro da Academia de Letras de Penedo. Seja Bem Vindo! A Academia Itabaianense de Letras o receberá de braços abertos.

O mundo religioso e cultural de Itabaiana, a secretaria de cultura, a gestão municipal, a sociedade civil, empresários e trabalhadores, artistas, poetas e escritores, todos, de corpo e alma, sabemos da importância da Igreja em nosso desenvolvimento.

Segundo dados recentes do IBGE, mais de 80% da população itabaianense professa o catolicismo. Somos a "cidade dos milagres" (Santo Antonio e Santa Dulce). Os evangélicos são 10%, sem religião - 6%, espíritas - 0,8% e Candomblé e Umbanda – 0,3%. A média nacional de católicos é de 56,7%.

Entenderam o fenômeno católico em Itabaiana: mais de 80%. O padre Paulo Tadeu tem uma missão imensa. Em pouco tempo, ele conhecerá o perfil do itabaianense, a sua grandeza e a sua autoestima.

Ele descobrirá que a caridade, uma virtude em extinção, ainda é muito forte em Itabaiana.

Seja Bem Vindo, Paulo Tadeu! Vamos comemorar juntos, o jubileu dos 350 anos.

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).

PS: o título: "O Novo Cura", é uma lembrança poética de um romance de Balzac, “Le Curé de village”. Na foto: o padre Paulo Tadeu é o único que nasceu com tonsura. Com a camisa tricolor é Marcos Rogério. E o do meio, é o itabaianense Edivaldo, padre de Ribeirópolis.  

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

O PARAÍSO DAS SELFIES.


 O Paraíso das Selfies.
(por Antonio Samarone)

A Música, com Francisco da Silva Lobo (1745), e a fotografia, Com Miguel Teixeira da Cunha (final do século XIX), marcaram historicamente uma identidade cultural em Itabaiana.

A fotografia assombrou o mundo. E chegou cedo em Itabaiana. 

 
Em 25 de outubro de 2025, teremos o Sétimo Festival Itabaianense da Canção (FIC). Esse ano, teremos uma novidade, o primeiro concurso público de fotografias. Treze prêmios.

Como fixar a imagem na câmara escura, conhecida desde Leonardo D’Vince? Niépce e Daguerre conseguiram, simultaneamente. De imediato, o governo francês, 1839, comprou a patente da fotografia e tornou-a de domínio público.

Os clichês de Daguerre eram placas de prata iodada e expostas na câmara escura que precisavam ser manipuladas em vários sentidos para produzir uma imagem cinza pálida. Os daguerreótipos. 

 
Walter Benjamin, falando sobre a fotografia, afirmou:

“A natureza que fala a câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui um espaço preenchido pela ação consciente do homem, por um espaço que ele preenche agindo inconscientemente.”

“Percebemos, em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que de modo grosseiro, mas nada percebemos de sua postura na fração de segundo em que ele dá o passo.”

“A fotografia torna-a accessível, através de seus recursos auxiliares: câmara lenta, ampliação. Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional”.

A fotografia é uma linguagem, podendo revelar aspectos não alcançados nem pelo olho nu, nem pelo discurso. A fotografia é como a velhice, mostra à genética.

A fotografia desvenda o semblante como um reflexo da alma, do self, do indivíduo. A fotografia pode perceber por trás das máscaras, enxergar um ar, uma alma sem idade, mas não fora do tempo.

“A nossa Era prefere à imagem a coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.” Feuerbach.

É a sensibilidade poética da fotografia, que o certame de Itabaiana sonha estimular. É um concurso é sobre a arte fotográfica. Por onde anda a alma de Sebastião Salgado?

Um caga raiva me provocou: “vai ser uma disputa entre as inteligências artificiais. Com a imagem digital, a tecnologia pinta e borda, põe e tira, ascende e apaga.

Os aplicativos colocam um pôr do sol, onde só existem nuvens sombrias. A fotografia não é a realidade, nem a sua cópia fiel. Sempre se editou as fotos analógicas. As belas fotos de Joãozinho Retratista tinha as digitais do seu lápis.

O caga raiva contra atacou: a IA embeleza o feio! Deixa o fotógrafo impotente...

Não creio!

Vivemos na Era das imagens, do fim das narrativas. Dormimos e acordamos em frente a telinha. As imagens saturaram o mundo, sem nada a dizer. É o império das selfies.

O concurso de fotografia em Itabaiana é uma utopia, uma busca das raízes. A crença na beleza das imagens, o desejo de esmiuçar o que elas tem para nos contar e o que elas ainda podem preservar da memória.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

(A foto é da igreja matriz de Malhador - sem texto)

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A PESTE BUBÔNICA EM SERGIPE.

A Peste Bubônica em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

No jornal “O Estado de Sergipe”, edição de 28 de agosto de 1903, o Inspetor da Higiene Pública, Dr. Theodoreto Arcanjo do Nascimento, alertava para o exagero das notícias que circulavam na cidade de que estava acontecendo uma elevada mortandade dos ratos e o aparecimento dos primeiros casos de Peste Bubônica em Aracaju. Diz o Diretor:

“Não é tão fácil concluir da simples observação clínica de dois ou três casos, o diagnóstico da Peste”. Sergipe não possuía recursos laboratoriais para realizar a prova biológica desse diagnóstico.

Mesmo desmentindo a existência de Peste na Capital, a Inspetoria avisou ter recebido vacina antipestosa do Instituto Soroterápico Federal, e que a vacinação estava ocorrendo diariamente de uma as duas da tarde.

Os casos continuaram aparecendo e Inspetor de Higiene do Estado, Dr. Theodoreto Nascimento, cedeu as evidências e convocou uma reunião, em sua residência, dos médicos atuantes em Aracaju.

Compareceram os Drs. Manoel de Marsilac, José Moreira de Magalhães, Cândido Costa Pinto, José de Souza Ponde (Inspetor de Saúde dos Portos), Manoel Nobre (auxiliar da Inspetoria) e José Francisco da Silva Melo; deixaram de comparecer, mesmo tendo sido convidados, os Drs. João Telles de Menezes (médico militar), Álvaro Telles de Menezes e Daniel Campos.

Nessa conferência, foi decidido por unanimidade que estavam diante da suspeita da ocorrência da Peste Bubônica. Esse é o primeiro registro de Peste Bubônica em Sergipe.

As medidas sanitárias tomadas para se evitar a propagação da doença foras as seguintes: isolamento dos pacientes (em número de doze) no lazareto existente; imediatos expurgos de suas casas, que também foram interditadas e guardadas por agentes da Força Pública; tentativa de vacinação; desinfecção – com o pulverizador Geneste - de todas as casas onde ocorreu mortandade de ratos; asseio pessoal, domiciliar e das ruas; desinfecção do Palácio, Alfândega, Quartel, Tesouro, Justiça Federal, Cadeia e demais edifícios públicos; imediata limpeza do cais e das embarcações pequenas.

Os Delegados de Higiene do Interior foram todos colocados de “sobreaviso”, isto é, alertados para uma possível epidemia.

“O cais, as ruas, o interior das casas, os quintais, tem sido continuadamente limpos, procedendo-se por toda à parte a remoção e incineração do lixo, de maneira que se pode afirmar, jamais se viu tão limpa a nossa modesta Capital”. (Theodoreto Nascimento, no Jornal “O Estado de Sergipe”, edição de 13/09/1903).

Diante de mais uma ameaça de epidemia, assim se manifestou o Presidente do Estado, o Farmacêutico Josino Menezes, em mensagem a Assembleia Legislativa, no dia 07 de setembro de 1903:

“O nosso Estado acha-se na desagradável contingência de não poder resistir à invasão de qualquer epidemia, tão fácil de ser importada, quanto de se desenvolver entre nós, como prenunciam infecções gravíssimas já observadas em nossa Capital”.

Já em setembro de 1903, O Inspetor de Higiene solicitou ao Presidente do Estado que determinasse ao doutor Chefe de Polícia para que proibisse as pessoas de deixarem Aracaju sem serem devidamente examinados e emitidos os “Passaportes Sanitários”.

Solicitou-se também um auxílio em dinheiro para as pessoas removidas para o Lazareto, por não poderem prover seu sustento com trabalhos externos e que se proibisse os sepultamentos em nossos cemitérios sem o respectivo atestado de óbito. O Lazareto era dirigido pelo enfermeiro Canuto Severino de Araújo.

A Saúde Pública determinou também que se desinfectassem com enxofre todas as mercadorias e objetos que saíssem da Capital, mesmo sabendo do risco de danificá-las. Para atender a essa determinação foi construída na Inspetoria de Higiene uma estufa para funcionar com gás sulfuroso ou formol, mais dois salões no centro comercial e mais outro no Jardim Baiano, onde se podem proceder ao expurgo das mercadorias.

O Mercado, velho edifício, carcomida e ameaçadora habitação de ratos, fora completamente evacuado; o Beco do Açúcar (atual dos cocos), também sofreu evacuação e os proprietários ali instalados intimados a reformarem seus estabelecimentos.

O Beco era considerado um verdadeiro cortiço incrustado no centro da cidade, feio e imundo, a atentar contra a saúde pública e aos foros de civilização necessários a uma Capital.

O Mercado, que era propriedade da “Associação Aracajuana de Beneficência”, que administrava o Hospital de Santa Isabel - presidida na época pelo Major Serafim Moreira - somente foi reaberto após passar por uma ampla reforma higiênica, com pintura, mudança do teto, inclusive com a construção de oito latrinas para a serventia pública, até então inexistentes.

Diante do pavor decorrente da ameaça da Peste decretou-se um verdadeiro “estado de sítio” sanitário. A polícia se desdobrou para cumprir as determinações da Saúde Pública. Em menos de 30 dias, cerca 500 pessoas já tinham conseguido o tal “Passaporte Sanitário”, sem o qual o direito de ir e vir estava banido.

Não ficam claro quais os critérios usados para a emissão do citado “Passaporte”, quais os aspectos de sanidade deveriam ser observados, etc. Uma pista está no fato de que até o amanuense da Repartição Sanitária, senhor José Alencar Cardoso, estava autorizado a emitir e assinar tal documento.

É evidente que medidas tão duras, “justificadas” pelo medo da Peste, tiveram forte resistência por parte da sociedade.

Como os conhecimentos ainda eram muito precários, era mais prudente errar-se pelo exagero do que pela omissão, discursava os defensores das medidas.

Entretanto, com essas medidas, mesmo consideradas exageradas, a Peste foi rapidamente controlada, não causando mais os estragos de épocas passadas. A medicina já dispunha de alguns instrumentos eficazes no combate a algumas moléstias.

A Peste Bubônica começava a ser domada.

No dia 12 de setembro, Dr. Theodoreto enviou um curioso ofício ao Chefe de Polícia: “solicito uma patrulha, mesmo de pouco homens, destinada a evitar a defecação feita publicamente, na zona compreendida da frente do Hotel Brasil e a Alfândega”.

A Saúde Pública registrou também o recebimento de amostras de um “sabão de creolina”, fabricado especificamente para ajudar nas medidas profiláticas do combate a Peste. A fedida invenção não somente foi aprovada como bastante elogiada, pois era resultado da criatividade de uma saboaria local, de propriedade da senhora Arlinda A. Espinheira.

Quanto ao tratamento empregado nos casos de Peste Bubônica usou-se a aplicação, via hipodérmica, do soro antipestoso em altas doses, com excelentes resultados. O soro também foi usado, preventivamente, em pessoas expostas ao risco, que tiveram algum tipo de contato com áreas suspeitas.

A Peste Bubônica, também chamada de Febre do Caroço, Febre do Rato, Íngua de Frio, Peste Negra, Peste Levantina começava com febre intensa, calafrio, dores de cabeça, mal-estar, apatia, prostração e no segundo dia aparecia o “bulbão”, que era a reação dos gânglios satélites. O povo acreditava que enquanto o bulbão não fosse sarjado o risco era iminente.

Com a descoberta das sulfas e depois dos antibióticos, basicamente a estreptomicina, a cura da Peste Bubônica deixou de ser problema.

Antonio Samarone – Confrade da Academia Sergipana de Medicina.
 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

O CENTENÁRIO DO HOSPITAL DE CIRURGIA (1926 - 2026). parte 1.


 O Centenário do Hospital de Cirurgia (1926 – 2026) Parte I.
(Por Antonio Samarone).

A 25 de junho de 1923, em um banquete da classe médica em homenagem ao ilustre médico e cientista, Dr. Parreira Horta, realizado no palácio do Governo, o Dr. Augusto Leite reclamou ao Governador do Estado, Dr. Graccho Cardoso, da inexistência em Sergipe de um hospital onde se pudesse exercer com segurança a cirurgia.

“Considere, se vos apraz o exemplo, o hospital Santa Isabel, o único de Aracaju, o maior de Sergipe, aquele para o qual convergem os doentes de todo o Estado... Nele só os sexos são separados. Abriga doentes de toda a sorte em uma mesma sala, numa promiscuidade que atenta em cheio contra os mais elementares preceitos de higiene.” Dr. Augusto Leite.

O Dr. Graccho Cardoso, impressionado com o que ouviu, prometeu construir um moderno hospital, dizendo taxativamente: “Não sou homem de promessas, não prometo para faltar”. E não faltou. Para completar a sua Reforma Sanitária, investiu, decisivamente, na mudança de qualidade da assistência hospitalar em Sergipe.

Às 16 horas, do dia 01/11/1923, dia de todos os Santos, era batida a pedra fundamental para a construção do Hospital de Cirurgia. Na festa de lançamento, o Dr. Augusto Leite, pronunciou um discurso, onde deixou explicitada a precariedade da rede hospitalar do Estado naquele momento:

“Sergipe, doe-me confessá-lo, Sergipe vigorosamente não possui um hospital, mesmo modesto. Uns há que são verdadeiros albergues. Pessimamente instalados, sem direção técnica, sem médico, o tratamento dos doentes entregues a curandeiros, tem de hospital tão somente o nome estampado, em letras gordas, no alto da fachada.”

Não que Graccho Cardoso tivesse construído muitos hospitais, naquele momento não era essa uma prioridade do Poder Público, mas pelo fato de ter viabilizado a criação de um hospital novo, diferente de tudo que existiu até aquele momento.

Um hospital como instrumento de cura, organizado dentro das exigências de uma nova medicina.

Um Hospital que será, ao mesmo tempo, unidade de assistência, espaço para pesquisa e desenvolvimento dos conhecimentos médicos e lócus privilegiado de formação e atualização dos profissionais da saúde que atuavam no Estado.

É a partir do Hospital de Cirurgia que a instituição hospitalar em Sergipe deixou de ser um local de assistência social, sobretudo em sua dimensão religiosa, local de assistência à morte dos desvalidos para se transformar em um local de cura.

Sergipe possuía uma pequena rede de hospitais de caridade, dentro do antigo modelo asilar.

Eram instituições voltadas para a assistência social ou, mais especificamente, assistência religiosa. A assistência médica era iatrogênica.

O hospital era o espaço onde se ia morrer, ou como se dizia antigamente, o espaço para “quem não tinha onde cair morto”, que lá, vai à procura de um último consolo. O capelão era mais importante que o médico.

“O hospital, quando emergiu da época feudal, era essencialmente um instrumento da sociedade para minorar o sofrimento, diminuir a pobreza, erradicar a mendicância e ajudar a manter a ordem pública.”

Ocorre que as mudanças no conhecimento médico tinham transformado o hospital num local de cura. A assepsia, o laboratório, a observação clínica e a incorporação de enfermeiras treinadas tinham redirecionado as funções e os objetivos dessa instituição milenar.

Essas mudanças, que ocorreram no mundo desenvolvido a partir da década de 1880, chegaram a Sergipe com a decisão tomada por Graccho Cardoso em construir o Hospital de Cirurgia.

É claro o papel dos médicos, com a sua entidade de classe, liderados pelo Dr. Augusto Leite. Entretanto, sem a visão transformadora de Graccho, tudo não teria passado de um sonho.

A situação da rede de hospitais de caridade em Sergipe era precária e mal afamada. Mesmo o Santa Isabel, o maior entre eles, ainda não tinha feito por onde ganhar a confiança da população.

É significativa a descrição do Hospital Santa Isabel feita no romance “Rua do Siriri”, de Amando Fontes, mesmo com a flexibilidade de ser uma ficção, se aproxima bastante da visão dos médicos e jornalistas da época:

“Muito custou, porém, às companheiras convencê-la de que, para o seu próprio bem, devia recolher-se ao Santa Isabel...

— Não vou! Pro Hospital eu não vou! Nem amarrada. Prefiro morrer de podre nesta cama.

Mariana não se pôde conter, e censurou-a, no tom duro que às vezes tinha para sua melhor amiga:

— Ô xente, gente! O que é isso? É soberba de sua parte minha nega? Pois saiba que Hospital foi feito pra gente e não pra bicho...

Não vai, por quê? Você é melhor do que as outras?

As lágrimas saltaram dos olhos da doente, E em voz de queixa, lastimou-se:

— Muito obrigada, Mariana! Nunca pensei que você fosse capaz de me ofender, no estado em que me acho... Dizer que não quero ir para o Hospital só por soberba!... Quem está como eu, tem lá soberba? Se digo que não vou, é porque sempre ouvi contar que quem entra pra Hospital não sai com vida...

Depois, dizem que lá obrigam a gente comer do que não gosta... a dormir e acordar a hora certa, tudo é feito com um rigor danado... que não há... quem possa aturar...”

O Hospital de Cirurgia fundou a medicina científica em Sergipe, comandado por Dr. Augusto Leite, o maior nome da medicina sergipana no século XX.

Antonio Samarone – Confrade da Academia Sergipana de Medicina.

sábado, 13 de setembro de 2025

OS MISTÉRIOS DA CONSCIENCIA.

Os Mistérios da Consciência.
(por Antonio Samarone)

As neurociências simplificam: “a consciência é um produto das atividades cerebrais.” Emoções, talentos, pensamentos, memória, percepções, crenças, caráter, delírios, fé, resultam de fenômenos físico-químicos da matéria cerebral. Nessa concepção, a morte do corpo é o fim da consciência.

A insuficiência desse paradigma é exaustivamente demonstrado, embora, mantenha-se quase unanime entre os cientistas. O espaço aqui não me permite o aprofundamento das fragilidades dessa tese.

Já as religiões, apelam para as subjetividades metafísicas. Na cosmogonia cristã, a consciência foi um sopro divino, que criou a alma imortal, como imagem e semelhança de Deus. Não precisa de comprovação, sustenta-se pela fé.

Essa dualidade excludente possui lacunas, que tornam as duas principais doutrinas sobre a origem e o funcionamento da consciência misteriosas.

Hoje, aos setenta anos, após muitas leituras e reflexões, dúvidas e incertezas, cheguei pessoalmente a algumas evidências: a consciência é um fenômeno cósmico, de natureza quântica, e o nosso cérebro é um receptor. O que não é pouco.

A consciência não se extingue com a morte do corpo. O pó volta a ser pó. A consciência permanece. Continuo com a dúvida se ela se dilui ou não na energia cósmica.

Até onde entendi, não se trata de uma tentativa de “cientificizar” as visões das filosofias e das religiões orientais sobre a consciência, tão em moda em minha juventude. Sei que esse é o principal argumento dos que discordam e professam religiosamente a ciência.

Não, as pesquisas sobre a consciência quântica são buscas de outros paradigmas.

Entretanto, as fronteiras desse novo caminho, deixam brechas para a existência de um princípio organizador da vida. Aliás, a consolidada teoria Darwiniana está sendo revisada, para englobar em seu modelo de explicação, os fenômenos vitais de complexidades irredutíveis, sobretudo, ao nível molecular.

Eu desconfiava da natureza cósmica da consciência humana, por duas fontes: as leituras de um conto do argentino Jorge Luís Borges, sobre a imortalidade; e dos textos sobre o inconsciente coletivo, de Carl Gustav Jung.

Cheguei às teses da consciência quântica, pelas vias travessas das dúvidas.

Se você conseguiu chegar até aqui, vai entender agora as razões desses devaneios filosóficos.

Sinto que a sociedade no Brasil, forma um certo consenso contra os maus tratos animais. Nem sempre foi assim. A consciência se transforma coletivamente. Achar que essas mudanças decorrem da produção maior ou menor de “neurotransmissores”, ou da formação de novos circuitos neuronais, se aproxima do fanatismo científico. 

 Até onde vão às evidências da natureza cósmica da consciência?  
Essa semana, fui tomado por uma solidariedade estranha com o reino vegetal. Deparei-me com uma podagem predatória de um Nim indiano.

Um mal-assombrado resolveu depenar uma árvore, viçosa, carregada de brotos nascentes, para deixá-la na forma de uma casinha de péssimo-gosto. Parei, e tive a sensação que a planta estava me pedindo socorro:

“Peça a esse senhor que pare, eu estou me sentindo bem do meu jeito, com as minhas formas naturais. Não quero virar uma casa.”

Não queriam derrubar o Nim, não foi a popular causa contra o desmatamento, que me alertou.

A agressão era sútil, podendo ser até justificada como benéfica, ou até mesmo necessária. Nesse caso, o Nim pedia clemencia.

Logo o Nim, tão mal visto pelos ambientalistas de meia tigela, logo ele, que veio de longe, acusado de matar as abelhas, estava ali, imóvel, impotente, pedindo a minha solidariedade.

Eu passei direto, não fui solidário com o Nim. Confesso que fiquei com um peso na consciência. Estou passando cabisbaixo pelo Nim mutilado, um pouco envergonhado da omissão.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

ETERNAS LADIES

Eternas Ladies.
(por Antonio Samarone).

Numa manhã pueril, cruzando os corredores da feira de Itabaiana, entupida de gente, deparei-me com essas duas senhoras, esbanjando bom gosto, fidalguia e educação requintada. São referências históricas de distinção e nobreza.

Elas estavam prontas, arrumadas, como se vai para uma missa de domingo, um casamento, uma festa de Natal. Sempre nos trinques.
Quem é de Itabaiana as conhecem. Maria José (professora) e Inês, as filhas de Dona Adalula, irmãs de Ezequiel Noronha (Cochilo). Mas, para quem não as conhece, Eu vou contar.

O capitalismo acabou com as bancas de miudeza, nas feiras. Onde se vendiam todas as quinquilharias e bugigangas da terra: rouge, batom, pó de arroz, brilhantinas, água de colônia, bicos, entremeios, grip, fitas, arremates, colchete de linha, dedal, arranjos, cristais, brilhos, pedrarias, paetês, imagem de santo, arranjos de flores, louças finas, quadros...

A clientela das bancas de miudezas era o povão.

As grã-finas compravam nos armarinhos. Lembro-me dos dois primeiros, em Itabaiana, na praça da feira, vizinhos a Sapataria de Zeca Titia. Os armarinhos de Dona Adalula e Dona Maurília. Lojas recheadas de luxo e bom gosto.

Adalula é a mãe de Ezequiel, Maria José e Inês.

Dona Maurília é avó da escritora Maria do Carmo.

Depois o negócio dos armarinhos cresceu. Surgiram os armarinhos de Dona Deja, Zaíra e Seu Abdias. E, finalmente, o Armarinho Tem Tem, de Fefi e Dona Marlene. O Tem Tem, marcou época.

Em Aracaju, teve a famosa Huteba, um Armarinho grande, mais sortido, onde já se vendia de tudo.

Hoje, as lojas de departamento, vendem até alfinete. Na verdade, essas lojas vendem até pipoca. O capitalismo não suporta os pequenos comerciantes. Acabaram-se as bancas de miudezas.

O castigo é que essas lojas de departamento são sociedades anônimas, impessoais e desalmadas. Perderam-se os estilos, os modos e as originalidades dos pequenos comerciantes. As lojas de departamentos são do mercado financeiro.

A pôs modernidade não é o mundo das filhas de Dona Adalula. Nem o meu. Somos de outros tempos.

Em Itabaiana existe uma nobreza, gente de fino trato e modesta riqueza material. As filhas de Dona Adalula são bons exemplos.

Lembro-me de uma sentença, em minha infância: "mais arrumadas do que as filhas de Dona Adalula."

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

O CATOLCISMO EM ITABAIANA


 O Catolicismo em Itabaiana.
(por Antonio Samarone).

O IBGE acaba de divulgar as opções religiosas dos brasileiros. Itabaiana possui o menor índice de crentes (evangélicos) do Brasil. Desconheço as razões.

A fé, só não remove montanhas.

Tenho procurado as raízes religiosas de Itabaiana. (“Naquela pedra mora alguém, há uma aldeia com gente.” Ita (pedra),Taba (aldeia), oane (alguém).

Em minhas leituras avulsas e despretensiosas, cheguei a um discurso, pronunciado por Maria da Conceição Melo Costa, em sessão solene do Instituto Histórico de Sergipe, em 1º de agosto de 1946.

As lembranças de Conceição:

“Itabaiana das ladainhas pungentes, das trezenas de Santo Antonio, das tradicionais Semanas Santas, acompanhadas pelas vozes firmes de Balbino, de Boanerges e de Antonio Rodrigues.”

“Itabaiana das lentas procissões dos fogaréus, dos místicos penitentes a se flagelarem, às caladas da noite, em época quaresmal.” Eu ainda alcancei...

Depois, Djalma Lobo introduziu o fogaréu em campanhas políticas, aproveitando-se do arquétipo religioso dos Itabaianenses.

“Itabaiana do Cruzeiro do Século. Das peregrinações a Cruz dos Montes, onde a multidão, com a fé dos romeiros de Lourdes, acampava em barracas erguidas à orla da mata umbrosa, iluminada ao perene himeneu dos vaga-lumes.”

“Itabaiana das campônias alegres, rosas nas faces e laços vermelhos nas bastas cabeleiras, cores de baunilha. Sandálias brancas e vestidos de cassa, para as missas do dia.”

Lembrei-me de mamãe, linda mestiça de cabelos pretos e escorridos, que encharcava as faces e as mãos com tapioca, quando ia lavrar a terra. A pele precisava de proteção.

Mamãe fumava cachimbo de canudo e mascava fumo, como as Tupinambás.

Depois mamãe virou crente. Eu só me lembro dela “Filha de Maria”, me empurrando para o catecismo e exigindo que eu não perdesse missas, todas em latim.

A memória é uma fonte de felicidades. As tristezas o cérebro apaga, ou minimiza.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.