As doenças imaginárias de Molière.
(por Antonio Samarone)
Seu Oliveira da Tapera foi encurralado pela vida. Vendeu o sítio e abriu uma bodega numa ponta de rua. Quebrou na emenda. E agora, como sustentar a família, com 5 filhos pequenos. Nunca pensou em passar fome, mas ela batia-lhe à porta.
Fez uma aposta. Escolheu o filho mais novo e investiu em sua educação. Philipe de Oliveira foi o escolhido. Meu filho, você vai ser médico, seja qual for o sacrifício. Vamos todos trabalhar para custeá-lo. É uma aposta de seis anos. Com o diploma, você será a nossa âncora. Sairemos juntos do buraco.
Philipe assumiu um compromisso moral.
Formou-se com a família endividada, devendo aos agiotas e sem crédito na praça. Philipe não esperou, não fez festas, nada tinha a comemorar. Abriu um consultório na Sertão da Bahia, numa cidade próspera. O tempo foi passando e nada. O jovem esculápio não atraia clientela, em sua clínica. Trabalhar nas UBS do SUS não pagava as dívidas familiares.
O que fazer? Deus iluminou.
Philipe podia ainda não um grande médico, mas possuía um espírito empreendedor. No tempo livre, sem clientela, Ele ia prescrutando um jeito de ganhar dinheiro.
Vendo as ofertas no Mercado Livre, encontrou um equipamento de terapia eletromagnética (CEBRA): um estimulador magnético transcraniano (EMT). O equipamento não era novo, mas o preço era acessível, sete mil reais.
Ele já tinha descoberto que o mundo estava lotado de gente com doenças imaginárias, transtornos de várias naturezas, mazelas psíquicas que alimentam a indústria farmacêutica, criando dependências em depressivos e ansiosos.
Nas aulas de história da medicina, Philipe ouviu falar que Franz Anton Mesmer (1734 – 1815) havia descoberto que um fluido magnético corria no interior dos seres humanos, e esse fluído poderia ser manipulado na cura de doenças dos fracos dos nervos e até dos desprovidos das luzes da razão.
As doenças imaginárias foram tratadas no século XIX pelo exorcismo do padre Gassner, o magnetismo de Mesmer e a hipnose de Charcot.
Na primeira metade do século XX, a psiquiatria avançou no corpo e ofereceu terapias com o coma insulínico, o eletrochoque e as lobotomias. Em direção contrária, Freud inventou a psicanálise.
O Dr. Philipe não estava inventando nada. As curas magnéticas vinham de longe.
O equipamento, à venda no Mercado Livre, agia exatamente no magnetismo animal, presente nos seres humanos. A atual epidemia de transtornos mentais é a mesma realidade tratada por Molière, em seu clássico, “Maladies Imaginaires”. Mudaram-se os nomes e as causas, das mesmas doenças. O espírito humano é eterno e muda muito lentamente.
As doenças do século XIX, citadas por Molière, melancolia, manias, vapores, histeria, desmaios, tonturas, oscilações do humor, depressão, tédio, ceticismo, fraqueza de espírito, destemperamentos e hipocondrias nunca desapareceram. As neurastenias viraram transtornos.
Essas mesmas doenças, com outros nomes, enchem as páginas do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), da APM (Associação Americana de Psiquiatria) com o pré-nome de transtornos.
O Dr. Philipe de Oliveira encontrou o caminho das pedras, comprou o equipamento no Mercado Livre. Rearrumou a sua clínica. Comprou outros equipamentos magnéticos: ímãs relaxantes e terapias dos campos magnéticos.
Transformou o ambiente clínico num espaço metafísico, místico, com obras de artes nas paredes, meia luz, fundo musical, um incenso rastafári queimando e hora marcada.
A clientela cresceu, gente de todos os cantos do Sertão, do agreste, encheram o consultório do Dr. Philipe de Oliveira. Ele passou a vestir-se com uma bata longa, falar baixo, cabelos alinhados, e um sorriso discreto nos lábios. Tornou-se um apóstolo da ciência.
Não demorou, o Dr. Philipe arrumou um bom casamento.
Trouxe a família, comprou fazendas de gado, montou uma rede de mercadinhos Itabaiana, e entregou aos irmãos. Os pais, foram descansar na Casa Grande da fazenda. Seu Oliveira fez a aposta certa.
No frontal, em sua bela clínica, Philipe de Oliveira fixou um aforismo hipocrático: “A vida é curta, a arte é longa e o conhecimento um investimento com lucros inesgotáveis.”
Antonio Samarone. Medico sanitarista.
PS: Moliére (tela) morreu com uma doença do hipocôndrio: a tuberculose. O Dr. Philipe tornou-se um bem feitor da humanidade.

Nenhum comentário:
Postar um comentário