sábado, 10 de maio de 2025

FIO DO GANSO.

Fio do Ganso!
(por Antonio Samarone)

Nasci numa terra de apelidos. O Dr. Vladimir já escreveu um tratado. Não tem jeito, mais cedo ou mais tarde, a pecha chega. Há uma certeza: reagir é besteira, só agrava. Sete Arroba, Sapato Molhado, Cochilo de Jegue, Penico Sem Tampa... Uma lista interminável!

Existem os palavrões, nomes feios, vergonhosos, eróticos, como mamãe chamava. Geralmente ligados ao sexo e as coisas obscenas. Pelo menos dois, se naturalizaram: porra e caralho.

E há também o costume de usar-se o nome alterado de doenças, as corruptelas, como forma de comunicação: Bexiguento, Cabrunquento, Lazarento, fio da Peste, da Febre do Rato, do Cancro Mariano, do Estupor Balaio e da Gota Serena. Ribeirópolis era a terra Gota, eu não sei por quê.

Com a redução das doenças infecciosas e o crescimento das doenças crônicas, houve uma atualização. A varíola foi extinta e as neoplasias cresceram.

O famoso “Fio do Canso” virou moda, sucedeu ao “fio do Cancro”, e se tornou um ditado quase nacional, disseminado pelos caminhoneiros. Chega a ser uma marca do itabaianense raiz. Não vejo nada de mais, acho uma graça inofensiva. Outra coisa, o uso não é obrigatório.

Fio do Canso pode ser xingamento, constatação, alegria, indignação, elogio e deboche. Pode ser qualquer coisa. Por exemplos: “Fio do Canso bom de bola.” “Fio do Canso de sorte."

Acho uma polêmica bizantina.

Outro costume era zombar dos doentes: infeliz da costela oca, perebento, coxo, zarolho, cheio de pulgas, remelento, amarelo, empapuçado, dorme-sujo, inchadinho, o deboche com os doentes não tinha limites. Hoje, parrou! Essas zombarias tornaram-se bullying, assédio moral! Sujeitas a prisão.

Entretanto, uso das doenças como corruptelas é mais uma rudeza do que um pecado. Um leve deboche. Que eu me lembre, nas aulas do Catecismo Romano, isso nunca foi proibido. Não sei quem inventou, nem quando começou. Nunca me pareceu desfeita.

Ser rude, cascudo, eram virtudes. Luiz Antonio Barreto achava o que uso das doenças como corruptelas, era um costume medieval, trazido pelos portugueses. Quem sou eu para discordar.

O que acabou também foi o insulto de chamar os outros de “complexados. Isso, sim, era uma pecha insuportável. Ser taxado de complexado era o fundo do poço.

Freud é um gênio pouco lido e muito citado. Entre os conceitos freudianos o complexo de Édipo é o mais lembrado, chegando a se tornar popular em Itabaiana. Eu explico. Pegaram o complexo e esqueceram o Édipo.

Em psicologia, complexos eram aspectos emocionais reprimidos, capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou mesmo sintomas de neuroses.

Em Itabaiana deram um uso universal aos complexos. Qualquer desajuste psicológico ou comportamental, qualquer desvio de conduta, qualquer estranheza, o sujeito era logo taxado de complexado. É um complexado! Bradavam nas esquinas.

Tinha complexo de pobre, feio, baixo, gordo, corno, burro, e por aí afora. Um dos piores xingamentos era ser chamado de complexado. Não conheci ninguém em minha infância que, uma vez ou outra, não tivesse recebido essa pecha. Fulano tem complexo de pobre, sicrano tem complexo de feio, cada um tinha o seu.

A riqueza cultural é profunda e complexa (sem ser complexada). Itabaiana, são 350 anos de civilização. A discussão, portanto, é outra.

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

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