A Morte anunciada do Juazeiro.
(Por Antonio Samarone.)
“Juazeiro, velho amigo, o meu destino está ligado com o seu.” Luiz Gonzaga.
Aracaju não cuida do seu patrimônio natural. Esse ano é o centenário do maior Juazeiro do Nordeste, que se esconde nas paisagens do Mosqueiro. Belo, imponente, adorado pelos pescadores. Ignorado pelos ambientalistas e invisível ao grande público. O meu receio é que alguém faça uma besteira.
Eu sei, juazeiro não é arvore de restinga. Mas esse emigrou, no último Pau de Arara.
Em maio de 1925, Gabriel Santiago dos Santos (Seu Bier), o avô de Prego, velho pescador do Mosqueiro, trouxe de Canudos, uma pequena muda de juazeiro. Essa muda pegou, cresceu, e até hoje, impõe-se aos atentos a sua beleza e a sua sombra.
Prefeita Emília, tome conta dessa raridade.
No Rio Grande do Norte, multidões de turistas visitam diariamente um cajueiro. Que me perdoem os amantes dos cajueiros, os Juazeiros têm história, perfil nordestino, e nomeiam duas grandes cidades: Juazeiro do Norte e Juazeiro da Bahia. Com o nome de Cajueiro, só conheço um povoado em Itabaiana.
O Ziziphus joazeiro reina imponente nas profundezas do Sertão. Suas raízes vão buscar água a 70 metros de fundura. Verde na caatinga durante as secas, somente os juazeiros, umbuzeiros e catingueiras. O juazeiro produz o juá, uma frutinha gosmenta, rica em vitamina C, usado pelos primeiros navegantes no tratamento do escorbuto.
A casca do juazeiro é rica em saponinas. Quando secas, são usadas como creme dental. Acabam com qualquer fedor de boca. As saponinas são substancias adstringentes e anti-inflamatórias.
O jornalista sertanejo Luiz Eduardo Costa, disse-me certa vez: “as Craibeiras são as maiores árvores da Caatinga”. Eu sei. Mas os Juazeiros tem a alma nordestina.
Prefeita Emília, sinto que a senhora quer acertar, adote esse patrimônio. Quinta-feira, 05 de junho, é o dia mundial do meio ambiente. Aproveite...
Não me lembro, mas deve existir algum Vereador com sensibilidade ambiental. Excelências, aprovem uma lei protegendo esse juazeiro. Antes que a especulação imobiliária o transforme em carvão e cinza.
Em memória da Velha Guarda da pescaria no Mosqueiro (muitos já se foram): Seu Barata, Roque, Goulart, Edinho Gordo, Pai Chico, Dona Déda, Zé Tratorista, Mané de Mestre, Carlinhos, Riso, Apolonio, Maturi, Orlando, Nem, Bebé e Dona Pinta, pescadores raízes, fundadores da comunidade, que descansaram à sombra do centenário juazeiro, peço clemencia: não derrubem o juazeiro de Seu Bier.
Hoje, o juazeiro é protegido por Seu Odilon (Diu), um líder consciente, defensor da qualidade de vida. Ele não tem força, sozinho, para evitar uma estupidez ambiental.
Prefeita Emília, transforme o juazeiro de seu Bier, no Mosqueiro, em uma atração turística.
Urgente!
Já estão amolando as motosserras. Não sei se o Ministério Público cuida disso...
“Juazeiro seje franco, ela tem um novo amor, se não tem, porque tu choras solidário a minha a dor?” – Luiz Gonzaga.
Antonio Samarone. Cidadão do Condado do Mosqueiro.
sábado, 31 de maio de 2025
sexta-feira, 30 de maio de 2025
O VAPOR DE JOÃOZINHO TAVARES
O Vapor de Joãozinho Tavares.
(por Antonio Samarone)
Segundo Thetis Nunes, o desenvolvimento urbano de Itabaiana só começou em 1860, com a expansão algodoeira. O auge foi a chegada do Vapor de descaroçar algodão, em 1870. Chegamos a 50 máquinas, em 1874.
O último Vapor, de Joãozinho Tavares, reinava absoluto na esquina da Rua São Paulo, com a praça da Feira, até o final do século XX. Foi com o algodão, que surgiu as primeiras casas comerciais e a feira regular aos sábados, em Itabaiana (1862).
A Guerra de Secessão (1861 – 1865), quebrou a produção americana. A indústria têxtil buscou algodão no resto do mundo. Itabaiana aproveitou a crise mundial: derrubou as suas matas para plantar algodão.
Em meados do século XIX (1854), Itabaiana possuía uma população de 7.897 habitantes, sendo 1.550 escravizados. O algodão criou o boia-fria (o Pataqueiro).
As matas das Flechas, Caraíbas, Saco do Ribeiro foram devastadas para a produção do algodão. O Povoado Chã do Jenipapo ficou rico. A consequência foi o seu desmembramento de Itabaiana. Em 1890, surgiu a Vila de Frei Paulo. Foi a primeira perda do território itabaianense.
Itabaiana só passou de Villa a cidade em 28 de agosto 1888, por iniciativa de um deputado monarquista, Guilhermino Bezerra. Além de São Cristóvão, que já foi criada como cidade. Laranjeiras se torna cidade em 1848; Maruim em 1854. Itabaiana esperou o final do século.
A transformação de Itabaiana de vila em cidade (1888), foi consequência da urbanização algodoeira.
O pós-algodão, primeira metade do século XX, formou em Itabaiana, uma economia rural de pequenos produtores, centrada na produção de alimentos. Uma economia de subsistência. A riqueza não veio.
A vila virou cidade, sem os benefícios da cidadania. Itabaiana continuou pobre. Foi necessário aguardar a revolução comercial, puxada pelo caminhão, a partir de 1950.
Até o final do século XX, as histórias do agreste e do Sertão sergipano não eram objetos da historiografia. A história política e econômica de Sergipe é a história dos Senhores de Engenho, a história da Casa Grande, com breves exceções.
Por conta dessa exclusão, quando se pensa em identificar a identidade do povo sergipano, a sergipanidade, limitam-se a realidade da Zona Costeira.
O maior intelectual sergipano de nossa época, Luiz Antonio Barreto, se deu conta dessa limitação. Temos, no mínimo, três identidades culturais distintas: uma no litoral, outra no sertão e por último, outra no agreste. A sergipanidade do itabaianense tem uma especificidade.
Para evitar críticas fáceis, não estou afirmando que existe uma cultural local isolada, sem relação com o resto do mundo. Não! A globalização é dominante. O que estou dizendo é que existem especificidades, modos de vida, crenças, valores atávicos, religiosidades que distinguem as identidades.
As Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque; e a Elite do Atraso, de Jessé de Souza; não explicam tudo. Existe uma lógica local, claro, uma lógica dominada, mas que precisa ser levada em conta. Não existe um receitado sociológico que explica tudo.
Claro, essas subjetividades locais não caíram do céu, surgiram das condições materiais particulares. Um exemplo: é visível na identidade cultural dos ceboleiros a confiança na vitória, a crença no talento, a disposição para a disputa e uma ambição de grandeza.
Itabaiana é uma sociedade mercantil aberta aos iniciantes. Não exige uma origem fidalga, nem um sobrenome tradicional. Embora nem todos vençam, todos acreditam que possam vencer.
Há uma crença imaginária que existe uma certa igualdade na disputa. Uma acumulação mercantil do capital, localizada, num mundo dominado pelo capital financeiro.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
A foto é do acervo do pesquisador Robério Santos.
(por Antonio Samarone)
Segundo Thetis Nunes, o desenvolvimento urbano de Itabaiana só começou em 1860, com a expansão algodoeira. O auge foi a chegada do Vapor de descaroçar algodão, em 1870. Chegamos a 50 máquinas, em 1874.
O último Vapor, de Joãozinho Tavares, reinava absoluto na esquina da Rua São Paulo, com a praça da Feira, até o final do século XX. Foi com o algodão, que surgiu as primeiras casas comerciais e a feira regular aos sábados, em Itabaiana (1862).
A Guerra de Secessão (1861 – 1865), quebrou a produção americana. A indústria têxtil buscou algodão no resto do mundo. Itabaiana aproveitou a crise mundial: derrubou as suas matas para plantar algodão.
Em meados do século XIX (1854), Itabaiana possuía uma população de 7.897 habitantes, sendo 1.550 escravizados. O algodão criou o boia-fria (o Pataqueiro).
As matas das Flechas, Caraíbas, Saco do Ribeiro foram devastadas para a produção do algodão. O Povoado Chã do Jenipapo ficou rico. A consequência foi o seu desmembramento de Itabaiana. Em 1890, surgiu a Vila de Frei Paulo. Foi a primeira perda do território itabaianense.
Itabaiana só passou de Villa a cidade em 28 de agosto 1888, por iniciativa de um deputado monarquista, Guilhermino Bezerra. Além de São Cristóvão, que já foi criada como cidade. Laranjeiras se torna cidade em 1848; Maruim em 1854. Itabaiana esperou o final do século.
A transformação de Itabaiana de vila em cidade (1888), foi consequência da urbanização algodoeira.
O pós-algodão, primeira metade do século XX, formou em Itabaiana, uma economia rural de pequenos produtores, centrada na produção de alimentos. Uma economia de subsistência. A riqueza não veio.
A vila virou cidade, sem os benefícios da cidadania. Itabaiana continuou pobre. Foi necessário aguardar a revolução comercial, puxada pelo caminhão, a partir de 1950.
Até o final do século XX, as histórias do agreste e do Sertão sergipano não eram objetos da historiografia. A história política e econômica de Sergipe é a história dos Senhores de Engenho, a história da Casa Grande, com breves exceções.
Por conta dessa exclusão, quando se pensa em identificar a identidade do povo sergipano, a sergipanidade, limitam-se a realidade da Zona Costeira.
O maior intelectual sergipano de nossa época, Luiz Antonio Barreto, se deu conta dessa limitação. Temos, no mínimo, três identidades culturais distintas: uma no litoral, outra no sertão e por último, outra no agreste. A sergipanidade do itabaianense tem uma especificidade.
Para evitar críticas fáceis, não estou afirmando que existe uma cultural local isolada, sem relação com o resto do mundo. Não! A globalização é dominante. O que estou dizendo é que existem especificidades, modos de vida, crenças, valores atávicos, religiosidades que distinguem as identidades.
As Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque; e a Elite do Atraso, de Jessé de Souza; não explicam tudo. Existe uma lógica local, claro, uma lógica dominada, mas que precisa ser levada em conta. Não existe um receitado sociológico que explica tudo.
Claro, essas subjetividades locais não caíram do céu, surgiram das condições materiais particulares. Um exemplo: é visível na identidade cultural dos ceboleiros a confiança na vitória, a crença no talento, a disposição para a disputa e uma ambição de grandeza.
Itabaiana é uma sociedade mercantil aberta aos iniciantes. Não exige uma origem fidalga, nem um sobrenome tradicional. Embora nem todos vençam, todos acreditam que possam vencer.
Há uma crença imaginária que existe uma certa igualdade na disputa. Uma acumulação mercantil do capital, localizada, num mundo dominado pelo capital financeiro.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
A foto é do acervo do pesquisador Robério Santos.
sábado, 24 de maio de 2025
BODEGAS E BODEGUEIROS
Bodegas e bodegueiros.
(por Antonio Samarone)
Os “Mercadinhos Itabaiana” se tornaram marca de sucesso em Sergipe. Essa hegemonia vem de longe. Antes dos supermercados, a distribuição de mercadorias passava pelos armazéns de secos e molhados (atacado) e pelas bodegas (varejo). Os atuais mercadinhos são filhos das antigas bodegas.
As bodegas, além de se vender de tudo, era um local de encontros, um espaço cultural. Bodegas e barbearias. Algumas bodegas ficaram famosas, tornou-se referência. O Ponto Certo, a bodega de Eraldo, na Rua Nova, foi um exemplo. O Ponto Certo, marcou uma época.
José Eraldo Santos (Eraldo da Bodega), nasceu na Matapoã, em 26 de fevereiro de 1940. Filho de João Alves dos Santos e Rita Vieira Santos (Dona Ritinha).
Dona Ritinha era irmã de Paulo Bagoga e Edésio do Mercadinho, gente destacada na velha Itabaiana, e mãe de Eraldo, Normélia e Cordélia (professara, esposa de Mané de Zeca dos Peixes). Uma família bem situada em Itabaiana.
Eraldo fez o primário na Mataipoam e, logo cedo, veio à Villa. Foi ajudar o Tio Edésio no “Mercadinho”. Um detalhe, o Mercadinho de Seu Edésio era uma grande bodega, que antecipava o futuro. Foi a primeira bodega em Itabaiana, ainda com balcão, batizada de mercadinho. Seu Edésio enxergava longe.
Eraldo demonstrou talento para os negócios logo cedo. Em 1954, botou a sua primeira bodega, no Canto Escuro, num pequeno salão alugado a Seu Jubal.
O estabelecimento possuía dois grandes fregueses: o lorde Zeca Mesquita, que morava perto; e Dona Invenção, a mãe de Pinguim, que na morava na Rua da Pedreira.
Pinguim era o melhor marceneiro da cidade. Baixo, feio, mas muito arrumado. Sempre bem-vestido (as roupas eram feitas por um alfaiate em Ribeirópolis), perfumado, relógio de pulso e sapato e meia. Só fumava cigarro Carlton, com filtro. Hábito de rico.
Em 1955, o Ponto Certo se mudou para a rua do Ovo, nas proximidades da Serraria de Tonho de Rosário.
Uma rua com a cara de povo, onde funcionava a Tenda de Bahia, um sapateiro famoso, especialista em sandálias de couro, fechadas, com o solado de borracha de pneu de caminhão. Uma sandália de Bahia era para a vida toda. Nunca precisava de meia sola.
Em 1956, a bodega de Eraldo chegou a Rua Nova. O local, mesmo não sendo esquina, era bom. Vizinho a Serraria de Senhor de Nel. O primeiro trecho da estreita Rua Nova, vai da Praça de Feira à Boarnerges Pinheiro.
Dessa vez, Eraldo acertou. O ponto era bom.
Esse trecho da Rua Nova era de casas comerciais. Começando da feira: a padaria de Valdez, a loja de couro de Vieira, o depósito de Durval do Açúcar, a casa de material de construção de Tonho Meu Irmão, o depósito de cereais de Juca do Cachimbo (irmão de Niu e Rolopeu), o depósito de produtos agrícolas de Boca Rica e a serraria de Senhor de Nel (depois de Zé de Dona).
A bodega de Eraldo, vendia de tudo: corda de sisal e vassoura; casca de pau, batidas e cerveja; refresco e o bolachão de Heleno; perfume e rádio de pilha. Era o mesmo modelo do negócio Tio Edésio.
Eraldo começou a crescer no comércio. Logo, pode realizar o seu sonho de infância: comprou uma bicicleta Raleigh inglesa. Ele passou a gostar de lambretas.
Um bom papo, contador de histórias, Eraldo criou uma longa de amigos. Seu Alvino chegou a convidá-lo para a Maçonaria. Eraldo achou a esmola grande.
Em 1959, Seu Eraldo modernizou a sua bodega: comprou uma geladeira a querosene, em Zeca do Crediário. Foi a primeira bodega com geladeira, em Itabaiana. Passou a ser um ponto de encontro dos bebedores. A cerveja vinha de Salvador em sacos de estopa, cheios de pó de serra, em cima das cargas dos caminhões.
Em 1963, Eraldo comprou uma geladeira elétrica, da marca Climax, que se encontra no museu de Nilton Sobral. Foi Eraldo estava a frente do seu tempo. Por vezes, deixava a bodega com a irmã Normélia, e ia a São Paulo comprar mercadorias. Trazer novidades.
A bodega virou um ponto cultural dos desocupados, personalidades e comerciantes. Iam bate papo na Bodega de Eraldo. Era um programa de muita gente. Botar as fofocas em dias.
O dono, bebericava escondido, em baixo do Balcão.
Eraldo era eleitor de Chico de Miguel, mas amigo da oposição.
Qualquer político em campanha, passava religiosamente na bodega de Eraldo.
Certa feita, o governador João Alves, fez um elogio: “Parabéns, pela arrumação de sua bodega”. Coisa de política: a bodega de Eraldo era caótica, desorganizada, com as mercadorias amontoadas.
Eraldo era criador de passarinho (naquele tempo podia), em especial “pássaro-preto”. Possuía vários. Certa feita, teve uma praga de grilos em Itabaiana.
Essas pragas de insetos (grilos, gafanhotos, lacerdinhas, aranhas, escorpiões) eram frequentes. Como se sabe, pássaro-preto come grilos. Zeca do Crediário era presepeiro: espalhou que Eraldo da Bodega estava comprando grilos para os seus passarinhos. Em oito dias, a fila de gente com sacos de grilos para vender, dobrava quarteirões.
Seu Eraldo se casou em 1967, com Dona Maria Luzia Brandão Santos, de Mocambo. Tiveram 4 filhos: Eraldo Jr, Eduardo, Everton e Edésio, todos vivos, e atuantes na sociedade itabaianense. Dona Luzia está com 81 anos, ativa, em plena autonomia.
Seu Eraldo morreu novo, com 54 anos, em 08 de janeiro de 1995, por complicações de uma cirrose hepática. Ainda tentou! Foi hospitalizado em Salvador. A única conduta era um transplante.
Seu Eraldo foi um itabaianense típico. Competente, bom de balcão e talentoso no comércio. Ao mesmo tempo, possuía a alma da Maitapam, descrita por Alberto Carvalho: religioso, inteligente, bom de papo, ético, gozador e engraçado.
Seu Eraldo, ao seu modo, foi um líder, um aglutinador, construiu uma narrativa. A sua bodega foi economicamente bem sucedida e, ao mesmo tempo, um ponto de cultura.
Antonio Samarone – Secretario de Cultura de Itabaiana.
PS: na foto, além de Seu Eraldo, atrás do balcão, identifico Pulga de Cós, Robério de Rosalvo do Cabo Quirino, Carlinhos da Atlética e Tonho Meu Irmão.
(por Antonio Samarone)
Os “Mercadinhos Itabaiana” se tornaram marca de sucesso em Sergipe. Essa hegemonia vem de longe. Antes dos supermercados, a distribuição de mercadorias passava pelos armazéns de secos e molhados (atacado) e pelas bodegas (varejo). Os atuais mercadinhos são filhos das antigas bodegas.
As bodegas, além de se vender de tudo, era um local de encontros, um espaço cultural. Bodegas e barbearias. Algumas bodegas ficaram famosas, tornou-se referência. O Ponto Certo, a bodega de Eraldo, na Rua Nova, foi um exemplo. O Ponto Certo, marcou uma época.
José Eraldo Santos (Eraldo da Bodega), nasceu na Matapoã, em 26 de fevereiro de 1940. Filho de João Alves dos Santos e Rita Vieira Santos (Dona Ritinha).
Dona Ritinha era irmã de Paulo Bagoga e Edésio do Mercadinho, gente destacada na velha Itabaiana, e mãe de Eraldo, Normélia e Cordélia (professara, esposa de Mané de Zeca dos Peixes). Uma família bem situada em Itabaiana.
Eraldo fez o primário na Mataipoam e, logo cedo, veio à Villa. Foi ajudar o Tio Edésio no “Mercadinho”. Um detalhe, o Mercadinho de Seu Edésio era uma grande bodega, que antecipava o futuro. Foi a primeira bodega em Itabaiana, ainda com balcão, batizada de mercadinho. Seu Edésio enxergava longe.
Eraldo demonstrou talento para os negócios logo cedo. Em 1954, botou a sua primeira bodega, no Canto Escuro, num pequeno salão alugado a Seu Jubal.
O estabelecimento possuía dois grandes fregueses: o lorde Zeca Mesquita, que morava perto; e Dona Invenção, a mãe de Pinguim, que na morava na Rua da Pedreira.
Pinguim era o melhor marceneiro da cidade. Baixo, feio, mas muito arrumado. Sempre bem-vestido (as roupas eram feitas por um alfaiate em Ribeirópolis), perfumado, relógio de pulso e sapato e meia. Só fumava cigarro Carlton, com filtro. Hábito de rico.
Em 1955, o Ponto Certo se mudou para a rua do Ovo, nas proximidades da Serraria de Tonho de Rosário.
Uma rua com a cara de povo, onde funcionava a Tenda de Bahia, um sapateiro famoso, especialista em sandálias de couro, fechadas, com o solado de borracha de pneu de caminhão. Uma sandália de Bahia era para a vida toda. Nunca precisava de meia sola.
Em 1956, a bodega de Eraldo chegou a Rua Nova. O local, mesmo não sendo esquina, era bom. Vizinho a Serraria de Senhor de Nel. O primeiro trecho da estreita Rua Nova, vai da Praça de Feira à Boarnerges Pinheiro.
Dessa vez, Eraldo acertou. O ponto era bom.
Esse trecho da Rua Nova era de casas comerciais. Começando da feira: a padaria de Valdez, a loja de couro de Vieira, o depósito de Durval do Açúcar, a casa de material de construção de Tonho Meu Irmão, o depósito de cereais de Juca do Cachimbo (irmão de Niu e Rolopeu), o depósito de produtos agrícolas de Boca Rica e a serraria de Senhor de Nel (depois de Zé de Dona).
A bodega de Eraldo, vendia de tudo: corda de sisal e vassoura; casca de pau, batidas e cerveja; refresco e o bolachão de Heleno; perfume e rádio de pilha. Era o mesmo modelo do negócio Tio Edésio.
Eraldo começou a crescer no comércio. Logo, pode realizar o seu sonho de infância: comprou uma bicicleta Raleigh inglesa. Ele passou a gostar de lambretas.
Um bom papo, contador de histórias, Eraldo criou uma longa de amigos. Seu Alvino chegou a convidá-lo para a Maçonaria. Eraldo achou a esmola grande.
Em 1959, Seu Eraldo modernizou a sua bodega: comprou uma geladeira a querosene, em Zeca do Crediário. Foi a primeira bodega com geladeira, em Itabaiana. Passou a ser um ponto de encontro dos bebedores. A cerveja vinha de Salvador em sacos de estopa, cheios de pó de serra, em cima das cargas dos caminhões.
Em 1963, Eraldo comprou uma geladeira elétrica, da marca Climax, que se encontra no museu de Nilton Sobral. Foi Eraldo estava a frente do seu tempo. Por vezes, deixava a bodega com a irmã Normélia, e ia a São Paulo comprar mercadorias. Trazer novidades.
A bodega virou um ponto cultural dos desocupados, personalidades e comerciantes. Iam bate papo na Bodega de Eraldo. Era um programa de muita gente. Botar as fofocas em dias.
O dono, bebericava escondido, em baixo do Balcão.
Eraldo era eleitor de Chico de Miguel, mas amigo da oposição.
Qualquer político em campanha, passava religiosamente na bodega de Eraldo.
Certa feita, o governador João Alves, fez um elogio: “Parabéns, pela arrumação de sua bodega”. Coisa de política: a bodega de Eraldo era caótica, desorganizada, com as mercadorias amontoadas.
Eraldo era criador de passarinho (naquele tempo podia), em especial “pássaro-preto”. Possuía vários. Certa feita, teve uma praga de grilos em Itabaiana.
Essas pragas de insetos (grilos, gafanhotos, lacerdinhas, aranhas, escorpiões) eram frequentes. Como se sabe, pássaro-preto come grilos. Zeca do Crediário era presepeiro: espalhou que Eraldo da Bodega estava comprando grilos para os seus passarinhos. Em oito dias, a fila de gente com sacos de grilos para vender, dobrava quarteirões.
Seu Eraldo se casou em 1967, com Dona Maria Luzia Brandão Santos, de Mocambo. Tiveram 4 filhos: Eraldo Jr, Eduardo, Everton e Edésio, todos vivos, e atuantes na sociedade itabaianense. Dona Luzia está com 81 anos, ativa, em plena autonomia.
Seu Eraldo morreu novo, com 54 anos, em 08 de janeiro de 1995, por complicações de uma cirrose hepática. Ainda tentou! Foi hospitalizado em Salvador. A única conduta era um transplante.
Seu Eraldo foi um itabaianense típico. Competente, bom de balcão e talentoso no comércio. Ao mesmo tempo, possuía a alma da Maitapam, descrita por Alberto Carvalho: religioso, inteligente, bom de papo, ético, gozador e engraçado.
Seu Eraldo, ao seu modo, foi um líder, um aglutinador, construiu uma narrativa. A sua bodega foi economicamente bem sucedida e, ao mesmo tempo, um ponto de cultura.
Antonio Samarone – Secretario de Cultura de Itabaiana.
PS: na foto, além de Seu Eraldo, atrás do balcão, identifico Pulga de Cós, Robério de Rosalvo do Cabo Quirino, Carlinhos da Atlética e Tonho Meu Irmão.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
UMA HERANÇA DE 350 ANOS.
Uma herança de 350 anos.
(por Antonio Samarone)
Finalmente, ontem, com Betania e Valério, fomos conhecer mais um fenômeno gastronômico em Itabaiana. O Espetinho do Patola fica no Oscar Niemeyer.
Tem vários espetinhos na cidade, todos cheios. A carne é o principal alimento da dieta dos ceboleiros, há muito tempo. Sem carne, a comida não dar sustança.
Comer fora é mais um indicador da força econômica de Itabaiana. Quase todos podem. Não é somente a classe média e os ricos.
Josias Peixoto tem um restaurante, anexo ao Supermercado, que é mais barato do que fazer a comida em casa. Um Padre Pedro privado. Uma média de café com leite, por 2 reais. Adoro.
A carne é uma tradição de origem. Criar gado, foi a principal atividade econômica da Itabaiana colonial. O hábito vem de longe. A carne abastecia o Recôncavo, Salvador e Olinda.
As grandes churrascarias são pomposas e os custos elevados. Nem todos podem. Inventaram os Espetinhos. Os famosos espetinhos de gato, vendidos em festas, como tira-gosto, foram transformados numa comilança de carne de boa qualidade e baixo custo.
Com 26 reais, se come picanha até a saciedade. Claro, picanha é a mais cara, mas come-se qualquer carne. A promessa de Lula foi atendida em Itabaiana, pela livre iniciativa.
Falar sobre a qualidade da carne, só indo confirmar.
O Espetinho do Patola estava lotado, mesmo em noite chuvosa. O atendimento de primeira. Garçons atenciosos e o dono do restaurante de mesa em mesa, pedindo uma avaliação. “E aí, estão gostando?” Me senti um Príncipe, no Espetinho.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
quarta-feira, 21 de maio de 2025
ITABAIANA, 350 ANOS. O ROSÁRIO DE ANTONIO.
Itabaiana, 350 anos. O Rosário de Antonio.
(por Antonio Samarone)
A indústria de carrocerias, em Itabaiana, é parte da cadeia econômica do caminhão. Junta-se a fábrica de Molas, iniciada por Clóvis, em 1957, e as oficinas de lanternagem, que teve Pelé como um dos primeiros. Pelé era o motorista do Padre Arthur e quem guardava o seu revólver.
Tudo começa em 1961, quando a Indústria de Artefatos de Madeira Nossa Senhora da Conceição, de Antonio Lauro de Moura (Tonho de Rosário), produtora de banco de rodete, cocho e prensa de casa de farinha, e lanterna de caminhão, introduziu o motor elétrico, a serra de toro, a serra de fita e a desengrossadeira, tornando-se uma indústria de fabricação de carroceria de caminhão.
A energia elétrica de Paulo Afonso, só chegou a Itabaiana em 1955.
Tonho de Rosário foi o pioneiro na fabricação de carrocerias. Pouco tempo depois, Senhor de Nel botou a segunda fábrica. Hoje, Itabaiana possui 14 fábricas de carrocerias, com uma produção média de 50 carrocerias/dia.
Antonio de Rosário nasceu nas Flechas, em 03 de janeiro de 1912. Filho de Maria de Rosário Moura, uma filha de ex-escravizados, que nasceu liberta, pela lei do Ventre Livre, de 1871. As Flechas foi uma comunidade com muitos negros, inclusive o mais famoso, Quintino de Lacerda.
Seu Antonio de Rosário era irmão de Zeca da Tapioca. Não sabiam quem era o pai, e nunca se interessaram em Saber.
A mãe veio morar na Rua Nova, praticamente num estábulo, e trouxe os filhos ainda pequenos. Viviam de patacas. Seu Gumercindo, pai de Chico do Cantagalo, cedeu um pedaço de terra para Dona Maria do Rosário plantar.
Seu Antonio conheceu a pobreza mais extrema. Não pode frequentar a escola. Muito cedo, foi trabalhar de ajudante de pedreiro, para ajudar em casa. Em pouco tempo era oficial pedreiro e mestre de obras. Um homem de talento e disposição para o trabalho.
A vida deu-lhe uma oportunidade. Na gestão de Jason Correia (PSD) na Prefeitura, Itabaiana recebeu várias obras: o matadouro, a delegacia regional, o talho de carne e dez escolas rurais. Manoel Teles, chefe do PSD, entregou a realização das obras aos mestres de obras locais, Tonho de Rosário e Antonio de Severo.
Foi o suficiente, com o dinheiro que ganhou nas obras, comprou um pedaço de terra a Dona Caçula Teixeira, a mãe de Oviedo, na Rua do Ovo (atual Campo do Brito).
Em 1951, montou no local, uma madeireira e serraria. Aqui, ele iniciava a tradição do comércio de madeiras, em Itabaiana. Troncos de Peroba Rosa, Cedro, Jacarandá, vinhático e Cumaru, chegavam do Sul da Bahia, desmatado para a plantação de Cacau.
Ao lado da serraria, construiu uma casa para mãe. A família conta, com uma certa graça, que Dona Maria do Rosário deixou como herança um papagaio e um urinol (penico). Seu Antonio ficou com o papagaio. A mãe morreu com um pequeno maço de dinheiro na mão. A família guarda até hoje, do jeito que tiraram da mão dela.
Eu vi!
Novamente, a frota crescente de caminhões facilitou o negócio. As madeireiras continuam fortes e competitivas, agora com a madeira do Pará.
Os negócios de Seu Antonio de Rosário, prosperaram: lojas de material de construção, de ferragens, vidraçarias. Abriu uma madeireira na Coelho Campos, em Aracaju.
Antonio do Rosário tornou-se um dos ricos e influentes comerciantes em Itabaiana. Contudo, nunca perdeu a simplicidade nem abandonou as raízes.
Ele recitava para os filhos e netos, um mantra que ouviu em uma barbearia no Beco Novo:
“Não se julgue necessário, nem ache que tudo é seu, pois a sorte tem o costume, de lavar de volta o que lhe deu.” Uma grande sabedoria, própria de quem não é escravo do dinheiro.
Seu Antonio de Rosário era um humanista. Os doidos da cidade, Tonho, Zé de Dalina, André, Leônidas e Marly, chegavam sempre na hora do almoço, sentava ao lado da cadeira de balanço de Seu Antonio, e saiam com a barriga cheia.
Eram todos acolhidos, menos Zé Doidinho. Esse tinha família, não precisava, era filho de Dúi do caminhão.
Tonho de Rosário casou para não ser recrutado para a Segunda Guerra. Deu sorte no casamento. Dona Marinete Menezes Moura, natural de Macambira, foi uma mulher ativa, envolvida com os negócios da família. Tiveram dez filhos: cinco Marias (Maria José, Augusta, Bernadete, Isabel e Lourdes); e cinco Josés (José Moura, Augusto, Arnaldo, Rivaldo e Antonio Moura). Dezenas de netos.
Seu Antonio era muito católico, não perdia a missa das seis, aos domingos. Um homem amante da caridade, aliás uma característica do empresariado itabaianense. A religiosidade crava duas marcas em Itabaiana: a caridade e a crença em milagres.
Seu Antonio construiu uma Capela, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na Rua Capitão Mendes, próximo a sua primeira residência na cidade.
Antonio Rosário, sem ter ido à escola, foi um empreendedor ético e humano. O fundador de vários negócios, todos bem sucedidos. Mestre da construção civil, serraria, fábrica de carrocerias, loja de material de construção, madeireira, loja de ferragens e vidraçaria.
Um iluminado, que está entre os grandes comerciantes de Sergipe.
Faleceu aos 95 anos, em 07 de agosto de 2007. Morreu em paz, ao lado da família. No final da vida, sofreu de Alzheimer.
Tonho de Rosário é a imagem de um homem probo, que saiu da pobreza, cresceu, ficou rico, sem nunca ter pisado em ninguém.
Venceu pelo trabalho e pelo talento.
“Pode-se vencer na vida pela inteligência, pela sorte e pela habilidade (talento), se for acompanhado pelo trabalho digno e honesto”, dizia Tonho de Rosário.
São as condições que Maquiavel exigia do Príncipe: fortuna (sorte) e virtu (talento).
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
terça-feira, 20 de maio de 2025
AS BONECAS REBORN
As Bonecas Reborn.
(por Antonio Samarone)
Os internautas estão indignados, não aceitam, que mulheres adotem bonecas como filhas. Até a loucura tem limites, bradam os influenciadores digitais. Dessa vez, chegamos ao fundo do poço!
Que crianças brinquem de ser mãe de bonecas, vá lá, mas adultos...
Essa insanidade está sendo vista como o fim da civilização, do bom senso e da razão.
Fazer guerra, usar drones para jogar bombas em hospitais, massacrar crianças, exterminar civilizações, tudo isso é pinto, perto de ser mãe de bonecas. Contudo, a revolta com a falsa maternidade é generalizada.
Como assim, não adoramos amuletos e estatuas como deuses? Acho essa revolta fabricada. Se até a inteligência é artificial, porque filho de faz de conta é loucura. A falsa gravidez é antiga. A novidade é a falsa mãe.
O que se sabe, é que as vendas de bonecas reborn no mercado livre explodiram. Corre o risco de escassez. Trump já taxou as tais bonecas, em 124%. No Brasil, tramita uma emenda para incluir as bonecas reborn, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Associação Americana de Psiquiatria, responsável pelo DSM, manual de diagnósticos de Transtornos Mentais, por orientação da indústria farmacêutica, já se reuniu para dar um nome e indicar um remédio, para essa nova doidice: “Ser mãe de bonecas.” O nome favorito é “Transtorno do Espectro Maternal” (TEM).
Depois que a medicina assumiu a responsabilidade pela loucura, século XIX, Pinel e Kraepelin, pouca coisa evolui em sua etiologia. Antes, a loucura era vista como uma possessão por espíritos malignos, hoje, como falhas bioquímicas, deficiência ou excesso de neurotransmissores, produto de alterações genéticas. Duas divagações interessadas.
A pergunta milenar de qual é a fronteira entre a loucura e a sensatez, quais os limites entre a razão e desrazão, continua sem resposta.
A medicina americana transformou o louco, o doido, o insensato, o alienado, o sonso, o aluado, o maníaco, o melancólico, todas as esquisitices humana, em transtornos mentais. Uma pessoa tímida, reservada, voltada para o seu interior, virou um transtorno e passou a ter remédio em farmácia. Até menino traquino virou transtorno.
Mesmo as psicoses graves, esquizofrenia, depressões graves, permanecem envolvidas em mistérios.
Essa prática de taxar como loucura os comportamentos desviantes são antigas:
Na tradição judaica, Saul, o primeiro Rei dos israelitas, e Nabucodonosor, Rei da Babilônia, enlouqueceram, por ofender Javé. Saul, com o seu exército, passou o povo amalequita ao fio de espada. A história vem se repetindo com Netanyaru e o povo palestino.
David, afastava a sua esganadura, tocando harpa, espantando temporariamente a sua loucura. Hipócrates, o pai da medicina, via a epilepsia como um mal sagrado e a melancolia, como desequilíbrio da bile negra.
O que posso afirmar, é que as loucuras da pôs modernidade (tipo, ser mãe de bonecas), apequenaram os delírios. Em breve, a ciência médica descobrirá o tratamento, desse terrível mal.
O doido antigo achava que era Napoleão, hoje, que é mãe de bonecas. Saudade das histerias, tão frequentes na Belle Époque?
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
PS: o texto contém ironias.
(por Antonio Samarone)
Os internautas estão indignados, não aceitam, que mulheres adotem bonecas como filhas. Até a loucura tem limites, bradam os influenciadores digitais. Dessa vez, chegamos ao fundo do poço!
Que crianças brinquem de ser mãe de bonecas, vá lá, mas adultos...
Essa insanidade está sendo vista como o fim da civilização, do bom senso e da razão.
Fazer guerra, usar drones para jogar bombas em hospitais, massacrar crianças, exterminar civilizações, tudo isso é pinto, perto de ser mãe de bonecas. Contudo, a revolta com a falsa maternidade é generalizada.
Como assim, não adoramos amuletos e estatuas como deuses? Acho essa revolta fabricada. Se até a inteligência é artificial, porque filho de faz de conta é loucura. A falsa gravidez é antiga. A novidade é a falsa mãe.
O que se sabe, é que as vendas de bonecas reborn no mercado livre explodiram. Corre o risco de escassez. Trump já taxou as tais bonecas, em 124%. No Brasil, tramita uma emenda para incluir as bonecas reborn, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Associação Americana de Psiquiatria, responsável pelo DSM, manual de diagnósticos de Transtornos Mentais, por orientação da indústria farmacêutica, já se reuniu para dar um nome e indicar um remédio, para essa nova doidice: “Ser mãe de bonecas.” O nome favorito é “Transtorno do Espectro Maternal” (TEM).
Depois que a medicina assumiu a responsabilidade pela loucura, século XIX, Pinel e Kraepelin, pouca coisa evolui em sua etiologia. Antes, a loucura era vista como uma possessão por espíritos malignos, hoje, como falhas bioquímicas, deficiência ou excesso de neurotransmissores, produto de alterações genéticas. Duas divagações interessadas.
A pergunta milenar de qual é a fronteira entre a loucura e a sensatez, quais os limites entre a razão e desrazão, continua sem resposta.
A medicina americana transformou o louco, o doido, o insensato, o alienado, o sonso, o aluado, o maníaco, o melancólico, todas as esquisitices humana, em transtornos mentais. Uma pessoa tímida, reservada, voltada para o seu interior, virou um transtorno e passou a ter remédio em farmácia. Até menino traquino virou transtorno.
Mesmo as psicoses graves, esquizofrenia, depressões graves, permanecem envolvidas em mistérios.
Essa prática de taxar como loucura os comportamentos desviantes são antigas:
Na tradição judaica, Saul, o primeiro Rei dos israelitas, e Nabucodonosor, Rei da Babilônia, enlouqueceram, por ofender Javé. Saul, com o seu exército, passou o povo amalequita ao fio de espada. A história vem se repetindo com Netanyaru e o povo palestino.
David, afastava a sua esganadura, tocando harpa, espantando temporariamente a sua loucura. Hipócrates, o pai da medicina, via a epilepsia como um mal sagrado e a melancolia, como desequilíbrio da bile negra.
O que posso afirmar, é que as loucuras da pôs modernidade (tipo, ser mãe de bonecas), apequenaram os delírios. Em breve, a ciência médica descobrirá o tratamento, desse terrível mal.
O doido antigo achava que era Napoleão, hoje, que é mãe de bonecas. Saudade das histerias, tão frequentes na Belle Époque?
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
PS: o texto contém ironias.
sábado, 17 de maio de 2025
LIVRARIAS E FARMÁCIAS
Livrarias e Farmácias.
(por Antonio Samarone)
Ontem a noite, aproveitei o lançamento do livro do Desembargador, na Escariz da Jorge Amado, e tentei convencer aos donos da Livraria, Paulo e Fátima, a instalarem uma filial em Itabaiana.
Itabaiana precisa de uma grande livraria. Um espaço de encontro, um ponto de cultura.
Para tentar convencê-los, comecei a falar sobre o progresso de Itabaiana: tem isso, tem aquilo, centenas restaurantes, cem farmácias, lojas de marcas famosas, seiscentos médicos, condomínios de luxo, que somos o segundo maior produtor de semijoias do Brasil. E eles ouvindo.
Paulo Escariz foi direto: “não amplio mais as minhas lojas. O mercado de livros no Brasil é inviável.” E começou a explicar em detalhes. Ele esboçou a inviabilidade. Não preciso entrar em detalhes. Ele não quer, e pronto.
Ainda apelei, Itabaiana é hoje a principal locomotiva do desenvolvimento de Sergipe. Ele me pediu provas, dessa afirmativa. Provas, provas diretas, indiscutíveis, eu não tenho. Mas apresentei um indicador: o número de veículos automotores por habitante.
Cruzei os dados populacionais do último Censo do IBGE (2022), com os veículos despachados no DETRAN – SE, até abril de 2025, e calculei o número de veículos por habitante. Creio que seja um bom indicador do desenvolvimento sócio econômico. Claro, todo indicador é uma avaliação indireta, sujeita a limites.
Nesse item, Itabaiana está disparado, 0,75 veículo por habitante (V/H). Ou seja, tirando as crianças e os idosos, é quase um veículo por habitante. O segundo colocado é Lagarto - 0,60 V/H; Aracaju - 0,58 V/H; Glória - 0,55 V/H; Propriá – 0,55 V/H; Estância - 0,50 V/H; Socorro – 0,34 e São Cristóvão – 0,33 V/H.
Explicando, Itabaiana, com uma população de 103 mil habitantes, possui 77.854 veículos despachados. Somente as cinquentinhas, motonetas e as motocicletas (as motos), são 46.718, circulando rua acima, rua abaixo, sob a proteção de Deus.
Eu sei, o desenvolvimento sustentável quer menos carros, ou, como diz o poeta, uma sociedade sem carros. A mobilidade a pé ou em transporte coletivo. O indicador de desenvolvimento deveria ser o índice de caminhabilidade. Mas, por enquanto, o carro é o ícone.
Não houve jeito. As evidências da força econômica de Itabaiana, não sensibilizaram os donos da Escariz. Sem problemas, vou continuar procurando quem queira botar uma grande livraria em Itabaiana.
Bibliotecas, museus, livrarias, galerias de arte e teatros (referências do iluminismo), sobreviverão à inteligência artificial, ao chat GPT e ao Tik-Toc?
Não sei!
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
sexta-feira, 16 de maio de 2025
ALOK EM ITABAIANA
O Show de Alok em Itabaiana.
(Por Antonio Samarone)
Alok Achkar Peres Petrillo espantou Itabaiana, com o seu show digital de luzes, sons e pouca melodia. Colocou a cidade no circuito mundial.
Foram duzentos drones, movidos pela inteligência artificial, entupindo a plateia com estímulos luminosos vibrantes, com cores fortes, fumaças virtuais e imagens aleatórias.
Ao mesmo tempo, o artista manipulou equipamentos quânticos, que fragmentaram músicas, produzindo sons ritmados, acima de 800 decibéis.
Os drones têm parte com o cão, desenham no firmamento escuro, lagartixas, tatus, antas e saruês. Quem opera o sistema é um descendente de japonês, o que causou uma grande impressão em Itabaiana. “Só podia ser coisa de japonês”, dizia a plateia encantada.
Lembro-me da chegada do rádio de pilha em Itabaiana: um sharp japonês, com uma bela capa de couro. No Beco Novo, Dedé de Olga foi o primeiro a possuir essa maravilha tecnológica.
A admiração pela tecnologia japonesa é antiga em Itabaiana.
Os estímulos luminosos e sonoros destina-se a um público que busca emoções sensitivas, longe da cognição e dos sentimentos. A plateia, armada com os seus celulares, ávida de interações, piscam freneticamente as lanternas dos seus iPhones.
Itabaiana é uma terra de músicos, de grandes maestros. A sua principal Filarmônica está completando 280 anos.
Entretanto, o show de Alok não é musical, disse-me o neto do maestro Antonio Silva. Não se dirige aos afetos, aos sentimentos, não busca o coração. São estímulos sonoros e luminosos destinados aos instintos.
O momento emocional foi quando dos drones projetaram no firmamento o escudo do Tricolor da Serra e a imagem de um caminhão, com a roda em movimento. O time do Itabaiana, como diz o hino, é a cidade. Trata-se de um pertencimento, bateu fundo na alma. E o caminhão em Itabaiana é um ícone.
O show não visa gerar emoções profundas, analógicas, sentimentos, não propõe atingir a alma. O show é digital, visa as emoções instintuais, imediatas, destina-se a flor da pele. As principais reações são pular, gritar, chorar e sacudir os braços.
Em certo momento, Itabaiana foi Itabaiana, e a plateia gritou coletivamente: fiudocanso!
Nenhuma novidade. Estudos recentes, publicados na revista Science, mostram que está havendo uma retração da Córtex cerebral, após a invenção da internet. A córtex, é a parte do cérebro que pensa. Como se sabe, a natureza é analógica, o cérebro é analógico. Estamos mentalmente retrocedendo, com a chegada da inteligência artificial.
Na década de 1970, antes da Era digital, ocorreu em Itabaiana, no cinema do Padre, um show de Teixeirinha e Mary Terezinha. Um show analógico, destinado aos sentimentos simples. O principal sucesso do cantor gaúcho era “Coração de Luto”.
A música contava uma história trágica e simplória. Uma criança, com nove anos, voltava da escola. De longe ele avistou a sua casa pegando fogo. Quando chegou, a mãe tinha morrido queimada. Eu passei dias impressionado com a morte da mãe Teixeirinha, que passou a ter um coração de luto. Eu sonhava com uma mãe pegando fogo. Um pesadelo!
Entre Teixeirinha e Alok a mudança foi grande. Começa por quem pagou a conta: para ouvir Teixeirinha eu paguei os olhos da cara; Alok foi pago pelo erário.
Eu sei que os musicalmente educados, que se emocionam com a nona sinfonia, com Bach, Mozart e Villa-Lobos, acharam essa comparação de Alok com Teixeirinha sem sentido, é comparar o sujo com o mal lavado. Contudo, entre o digital e o analógico, eu vou morrer analógico.
Ocorre, que não me lembrei de nenhum show de Beethowen em Itabaiana.
Li recentemente que a gente sente que envelheceu, quando descobre que o Papa é mais novo ou quando ainda se lembra do show de Teixeirinha.
Antonio Samarone – Secretário Municipal de Cultura.
(Por Antonio Samarone)
Alok Achkar Peres Petrillo espantou Itabaiana, com o seu show digital de luzes, sons e pouca melodia. Colocou a cidade no circuito mundial.
Foram duzentos drones, movidos pela inteligência artificial, entupindo a plateia com estímulos luminosos vibrantes, com cores fortes, fumaças virtuais e imagens aleatórias.
Ao mesmo tempo, o artista manipulou equipamentos quânticos, que fragmentaram músicas, produzindo sons ritmados, acima de 800 decibéis.
Os drones têm parte com o cão, desenham no firmamento escuro, lagartixas, tatus, antas e saruês. Quem opera o sistema é um descendente de japonês, o que causou uma grande impressão em Itabaiana. “Só podia ser coisa de japonês”, dizia a plateia encantada.
Lembro-me da chegada do rádio de pilha em Itabaiana: um sharp japonês, com uma bela capa de couro. No Beco Novo, Dedé de Olga foi o primeiro a possuir essa maravilha tecnológica.
A admiração pela tecnologia japonesa é antiga em Itabaiana.
Os estímulos luminosos e sonoros destina-se a um público que busca emoções sensitivas, longe da cognição e dos sentimentos. A plateia, armada com os seus celulares, ávida de interações, piscam freneticamente as lanternas dos seus iPhones.
Itabaiana é uma terra de músicos, de grandes maestros. A sua principal Filarmônica está completando 280 anos.
Entretanto, o show de Alok não é musical, disse-me o neto do maestro Antonio Silva. Não se dirige aos afetos, aos sentimentos, não busca o coração. São estímulos sonoros e luminosos destinados aos instintos.
O momento emocional foi quando dos drones projetaram no firmamento o escudo do Tricolor da Serra e a imagem de um caminhão, com a roda em movimento. O time do Itabaiana, como diz o hino, é a cidade. Trata-se de um pertencimento, bateu fundo na alma. E o caminhão em Itabaiana é um ícone.
O show não visa gerar emoções profundas, analógicas, sentimentos, não propõe atingir a alma. O show é digital, visa as emoções instintuais, imediatas, destina-se a flor da pele. As principais reações são pular, gritar, chorar e sacudir os braços.
Em certo momento, Itabaiana foi Itabaiana, e a plateia gritou coletivamente: fiudocanso!
Nenhuma novidade. Estudos recentes, publicados na revista Science, mostram que está havendo uma retração da Córtex cerebral, após a invenção da internet. A córtex, é a parte do cérebro que pensa. Como se sabe, a natureza é analógica, o cérebro é analógico. Estamos mentalmente retrocedendo, com a chegada da inteligência artificial.
Na década de 1970, antes da Era digital, ocorreu em Itabaiana, no cinema do Padre, um show de Teixeirinha e Mary Terezinha. Um show analógico, destinado aos sentimentos simples. O principal sucesso do cantor gaúcho era “Coração de Luto”.
A música contava uma história trágica e simplória. Uma criança, com nove anos, voltava da escola. De longe ele avistou a sua casa pegando fogo. Quando chegou, a mãe tinha morrido queimada. Eu passei dias impressionado com a morte da mãe Teixeirinha, que passou a ter um coração de luto. Eu sonhava com uma mãe pegando fogo. Um pesadelo!
Entre Teixeirinha e Alok a mudança foi grande. Começa por quem pagou a conta: para ouvir Teixeirinha eu paguei os olhos da cara; Alok foi pago pelo erário.
Eu sei que os musicalmente educados, que se emocionam com a nona sinfonia, com Bach, Mozart e Villa-Lobos, acharam essa comparação de Alok com Teixeirinha sem sentido, é comparar o sujo com o mal lavado. Contudo, entre o digital e o analógico, eu vou morrer analógico.
Ocorre, que não me lembrei de nenhum show de Beethowen em Itabaiana.
Li recentemente que a gente sente que envelheceu, quando descobre que o Papa é mais novo ou quando ainda se lembra do show de Teixeirinha.
Antonio Samarone – Secretário Municipal de Cultura.
domingo, 11 de maio de 2025
LÁ VAI PASSANDO A PROCISSÃO
Lá vai passando a Procissão.
(por Antonio Samarone).
“Entra na velhice com cuidado/ Pé ante pé, sem provocar rumores.” Bastos Tigre.
Assisti esperançoso o anúncio do novo Papa, Leão XIV. O mundo está desandando! A Terceira Guerra já começou, só falta o anúncio oficial. O Papa pode ser uma força a remar pela paz.
A fé entra pelo ouvido (fides ex auditu), escreveu São Paulo aos romanos... Não concordo, a fé entra mesmo é pelos rituais. Eu gostava do espetáculo das procissões, em minha infância.
Gostava de todas as procissões: das festivas ou jubilares, a mais importante era a de Santo Antônio; das rogativas, pedindo uma graça, geralmente chuva; das de desagravo, participei de uma, quando numa Santa Missão, ofereceram capim a um frade; e das gratulatórias ou de agradecimento.
A Procissão era um momento especial para se fazer e se pagar promessas. Eu gostava dos cânticos antigos, sobretudo o “Queremos Deus” (Queremos Deus, homens ingratos/ Ao pai supremo, ao redentor/ Zombam da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o senhor...).
Os fiéis se arrumavam em filas indianas, a cada lado rua, sem atropelamentos, todos obedecendo a uma ordem, quase natural. Na frente, puxando a procissão, vão às Irmandades e Congregações.
Em Itabaiana quem puxava as procissões eram os Irmãos das Almas, liderados por Zé Bigodinho. Todos homens, com camisas verdes, carregando círios acesos.
Eram seguidos pelas Filhas de Maria, de branco, carregando uma fita de cetim azul-celeste sobre o peito. Depois vinham as demais irmandades, todas com os seus estandartes e galhardetes.
Minha mãe era Filha de Maria, depois virou Crente.
A Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, com as suas fitas vermelhas, sempre fazia bonito. Depois os fiéis e as beatas menos graduadas.
Muita gente pagando promessa com os pés descalços, carregando pedra na cabeça; outros trajando luto fechado, hábitos franciscanos, cada um cumpria as obrigações assumidas. Promessa é dívida, pelo menos para os devotos.
No centro do cortejo ia o clero e os seus auxiliares: padres, sacristão, coroinhas e os devotos mais chegados. Iam à frente do andor do Santo. Carregando o andor, homens de prestígio.
Cuidado com o andor, que o Santo é de barro. Não me lembro de mulheres carregando o andor, parece que não era uma tarefa feminina.
Atrás do andor, a banda de música com os seus dobrados, os políticos, as autoridades e os graúdos da cidade. Não era lugar para a arraia-miúda, mesmo assim, sempre lotava com um magote de puxa-sacos.
Os meninos brancos e ricos saiam fantasiados de anjos. Aqui tive a minha primeira decepção com a Igreja: mesmo sendo um devotinho assíduo, frequentador do catecismo, nunca me convidaram para ser anjo de procissão.
Depois fiquei sabendo que quem escolhia os anjos de procissão e os meninos a quem lavavam os pés na quinta-feira santa, era uma senhora caridosa, que não me conhecia. Se dizia, que essa devota tinha mais de mil afilhados.
Nas ruas, por onde passava a procissão, o povo se arrumava nas calçadas, pendurava toalhas bordadas nas janelas e, quem tinha, botava um jarro de flor. Juntavam-se os vizinhos e ficavam comentando as novidades. Fofocas e futricas.
As esquinas ficavam lotadas de curiosos, vendo quem estava acompanhado de quem, as roupas, os sapatos e os cabelos de quem passasse.
Quando se fazia um comentário inconveniente sobre alguém, sempre era precedido de um “Deus me perdoe” ou “não é falando não” ou “eu não gosto de fofoca, mas”... E metia-se a bomba.
Terminada a procissão, todos estavam perdoados dos seus pecados veniais. Para os pecados mortais, exigia-se a confissão.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
(por Antonio Samarone).
“Entra na velhice com cuidado/ Pé ante pé, sem provocar rumores.” Bastos Tigre.
Assisti esperançoso o anúncio do novo Papa, Leão XIV. O mundo está desandando! A Terceira Guerra já começou, só falta o anúncio oficial. O Papa pode ser uma força a remar pela paz.
A fé entra pelo ouvido (fides ex auditu), escreveu São Paulo aos romanos... Não concordo, a fé entra mesmo é pelos rituais. Eu gostava do espetáculo das procissões, em minha infância.
Gostava de todas as procissões: das festivas ou jubilares, a mais importante era a de Santo Antônio; das rogativas, pedindo uma graça, geralmente chuva; das de desagravo, participei de uma, quando numa Santa Missão, ofereceram capim a um frade; e das gratulatórias ou de agradecimento.
A Procissão era um momento especial para se fazer e se pagar promessas. Eu gostava dos cânticos antigos, sobretudo o “Queremos Deus” (Queremos Deus, homens ingratos/ Ao pai supremo, ao redentor/ Zombam da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o senhor...).
Os fiéis se arrumavam em filas indianas, a cada lado rua, sem atropelamentos, todos obedecendo a uma ordem, quase natural. Na frente, puxando a procissão, vão às Irmandades e Congregações.
Em Itabaiana quem puxava as procissões eram os Irmãos das Almas, liderados por Zé Bigodinho. Todos homens, com camisas verdes, carregando círios acesos.
Eram seguidos pelas Filhas de Maria, de branco, carregando uma fita de cetim azul-celeste sobre o peito. Depois vinham as demais irmandades, todas com os seus estandartes e galhardetes.
Minha mãe era Filha de Maria, depois virou Crente.
A Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, com as suas fitas vermelhas, sempre fazia bonito. Depois os fiéis e as beatas menos graduadas.
Muita gente pagando promessa com os pés descalços, carregando pedra na cabeça; outros trajando luto fechado, hábitos franciscanos, cada um cumpria as obrigações assumidas. Promessa é dívida, pelo menos para os devotos.
No centro do cortejo ia o clero e os seus auxiliares: padres, sacristão, coroinhas e os devotos mais chegados. Iam à frente do andor do Santo. Carregando o andor, homens de prestígio.
Cuidado com o andor, que o Santo é de barro. Não me lembro de mulheres carregando o andor, parece que não era uma tarefa feminina.
Atrás do andor, a banda de música com os seus dobrados, os políticos, as autoridades e os graúdos da cidade. Não era lugar para a arraia-miúda, mesmo assim, sempre lotava com um magote de puxa-sacos.
Os meninos brancos e ricos saiam fantasiados de anjos. Aqui tive a minha primeira decepção com a Igreja: mesmo sendo um devotinho assíduo, frequentador do catecismo, nunca me convidaram para ser anjo de procissão.
Depois fiquei sabendo que quem escolhia os anjos de procissão e os meninos a quem lavavam os pés na quinta-feira santa, era uma senhora caridosa, que não me conhecia. Se dizia, que essa devota tinha mais de mil afilhados.
Nas ruas, por onde passava a procissão, o povo se arrumava nas calçadas, pendurava toalhas bordadas nas janelas e, quem tinha, botava um jarro de flor. Juntavam-se os vizinhos e ficavam comentando as novidades. Fofocas e futricas.
As esquinas ficavam lotadas de curiosos, vendo quem estava acompanhado de quem, as roupas, os sapatos e os cabelos de quem passasse.
Quando se fazia um comentário inconveniente sobre alguém, sempre era precedido de um “Deus me perdoe” ou “não é falando não” ou “eu não gosto de fofoca, mas”... E metia-se a bomba.
Terminada a procissão, todos estavam perdoados dos seus pecados veniais. Para os pecados mortais, exigia-se a confissão.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
sábado, 10 de maio de 2025
FIO DO GANSO.
Fio do Ganso!
(por Antonio Samarone)
Nasci numa terra de apelidos. O Dr. Vladimir já escreveu um tratado. Não tem jeito, mais cedo ou mais tarde, a pecha chega. Há uma certeza: reagir é besteira, só agrava. Sete Arroba, Sapato Molhado, Cochilo de Jegue, Penico Sem Tampa... Uma lista interminável!
Existem os palavrões, nomes feios, vergonhosos, eróticos, como mamãe chamava. Geralmente ligados ao sexo e as coisas obscenas. Pelo menos dois, se naturalizaram: porra e caralho.
E há também o costume de usar-se o nome alterado de doenças, as corruptelas, como forma de comunicação: Bexiguento, Cabrunquento, Lazarento, fio da Peste, da Febre do Rato, do Cancro Mariano, do Estupor Balaio e da Gota Serena. Ribeirópolis era a terra Gota, eu não sei por quê.
Com a redução das doenças infecciosas e o crescimento das doenças crônicas, houve uma atualização. A varíola foi extinta e as neoplasias cresceram.
O famoso “Fio do Canso” virou moda, sucedeu ao “fio do Cancro”, e se tornou um ditado quase nacional, disseminado pelos caminhoneiros. Chega a ser uma marca do itabaianense raiz. Não vejo nada de mais, acho uma graça inofensiva. Outra coisa, o uso não é obrigatório.
Fio do Canso pode ser xingamento, constatação, alegria, indignação, elogio e deboche. Pode ser qualquer coisa. Por exemplos: “Fio do Canso bom de bola.” “Fio do Canso de sorte."
Acho uma polêmica bizantina.
Outro costume era zombar dos doentes: infeliz da costela oca, perebento, coxo, zarolho, cheio de pulgas, remelento, amarelo, empapuçado, dorme-sujo, inchadinho, o deboche com os doentes não tinha limites. Hoje, parrou! Essas zombarias tornaram-se bullying, assédio moral! Sujeitas a prisão.
Entretanto, uso das doenças como corruptelas é mais uma rudeza do que um pecado. Um leve deboche. Que eu me lembre, nas aulas do Catecismo Romano, isso nunca foi proibido. Não sei quem inventou, nem quando começou. Nunca me pareceu desfeita.
Ser rude, cascudo, eram virtudes. Luiz Antonio Barreto achava o que uso das doenças como corruptelas, era um costume medieval, trazido pelos portugueses. Quem sou eu para discordar.
O que acabou também foi o insulto de chamar os outros de “complexados. Isso, sim, era uma pecha insuportável. Ser taxado de complexado era o fundo do poço.
Freud é um gênio pouco lido e muito citado. Entre os conceitos freudianos o complexo de Édipo é o mais lembrado, chegando a se tornar popular em Itabaiana. Eu explico. Pegaram o complexo e esqueceram o Édipo.
Em psicologia, complexos eram aspectos emocionais reprimidos, capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou mesmo sintomas de neuroses.
Em Itabaiana deram um uso universal aos complexos. Qualquer desajuste psicológico ou comportamental, qualquer desvio de conduta, qualquer estranheza, o sujeito era logo taxado de complexado. É um complexado! Bradavam nas esquinas.
Tinha complexo de pobre, feio, baixo, gordo, corno, burro, e por aí afora. Um dos piores xingamentos era ser chamado de complexado. Não conheci ninguém em minha infância que, uma vez ou outra, não tivesse recebido essa pecha. Fulano tem complexo de pobre, sicrano tem complexo de feio, cada um tinha o seu.
A riqueza cultural é profunda e complexa (sem ser complexada). Itabaiana, são 350 anos de civilização. A discussão, portanto, é outra.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
(por Antonio Samarone)
Nasci numa terra de apelidos. O Dr. Vladimir já escreveu um tratado. Não tem jeito, mais cedo ou mais tarde, a pecha chega. Há uma certeza: reagir é besteira, só agrava. Sete Arroba, Sapato Molhado, Cochilo de Jegue, Penico Sem Tampa... Uma lista interminável!
Existem os palavrões, nomes feios, vergonhosos, eróticos, como mamãe chamava. Geralmente ligados ao sexo e as coisas obscenas. Pelo menos dois, se naturalizaram: porra e caralho.
E há também o costume de usar-se o nome alterado de doenças, as corruptelas, como forma de comunicação: Bexiguento, Cabrunquento, Lazarento, fio da Peste, da Febre do Rato, do Cancro Mariano, do Estupor Balaio e da Gota Serena. Ribeirópolis era a terra Gota, eu não sei por quê.
Com a redução das doenças infecciosas e o crescimento das doenças crônicas, houve uma atualização. A varíola foi extinta e as neoplasias cresceram.
O famoso “Fio do Canso” virou moda, sucedeu ao “fio do Cancro”, e se tornou um ditado quase nacional, disseminado pelos caminhoneiros. Chega a ser uma marca do itabaianense raiz. Não vejo nada de mais, acho uma graça inofensiva. Outra coisa, o uso não é obrigatório.
Fio do Canso pode ser xingamento, constatação, alegria, indignação, elogio e deboche. Pode ser qualquer coisa. Por exemplos: “Fio do Canso bom de bola.” “Fio do Canso de sorte."
Acho uma polêmica bizantina.
Outro costume era zombar dos doentes: infeliz da costela oca, perebento, coxo, zarolho, cheio de pulgas, remelento, amarelo, empapuçado, dorme-sujo, inchadinho, o deboche com os doentes não tinha limites. Hoje, parrou! Essas zombarias tornaram-se bullying, assédio moral! Sujeitas a prisão.
Entretanto, uso das doenças como corruptelas é mais uma rudeza do que um pecado. Um leve deboche. Que eu me lembre, nas aulas do Catecismo Romano, isso nunca foi proibido. Não sei quem inventou, nem quando começou. Nunca me pareceu desfeita.
Ser rude, cascudo, eram virtudes. Luiz Antonio Barreto achava o que uso das doenças como corruptelas, era um costume medieval, trazido pelos portugueses. Quem sou eu para discordar.
O que acabou também foi o insulto de chamar os outros de “complexados. Isso, sim, era uma pecha insuportável. Ser taxado de complexado era o fundo do poço.
Freud é um gênio pouco lido e muito citado. Entre os conceitos freudianos o complexo de Édipo é o mais lembrado, chegando a se tornar popular em Itabaiana. Eu explico. Pegaram o complexo e esqueceram o Édipo.
Em psicologia, complexos eram aspectos emocionais reprimidos, capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou mesmo sintomas de neuroses.
Em Itabaiana deram um uso universal aos complexos. Qualquer desajuste psicológico ou comportamental, qualquer desvio de conduta, qualquer estranheza, o sujeito era logo taxado de complexado. É um complexado! Bradavam nas esquinas.
Tinha complexo de pobre, feio, baixo, gordo, corno, burro, e por aí afora. Um dos piores xingamentos era ser chamado de complexado. Não conheci ninguém em minha infância que, uma vez ou outra, não tivesse recebido essa pecha. Fulano tem complexo de pobre, sicrano tem complexo de feio, cada um tinha o seu.
A riqueza cultural é profunda e complexa (sem ser complexada). Itabaiana, são 350 anos de civilização. A discussão, portanto, é outra.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
terça-feira, 6 de maio de 2025
OURO EM PÓ

Ouro em pó!
(por Antonio Samarone)
Comprar ouro em Itabaiana é uma forma de investimento. O preço é competitivo. Os mais apressados chegam a pensar que é ouro de tolo, bijuteria. Nada disso, as joalharias fornecem certificado de pureza.
O ouro em Itabaiana é antigo. Vem de longe. Na segunda metade do Século XIX, já existiam joalharias na cidade. Ourives sempre foi uma profissão numerosa. Era tradição camponesa, repassarem como herança, as joias da família.
Belchior Dias Moréia estava certo: existe prata na Serra de Itabaiana. O neto de Caramuru que descobriu a prata, mas pediu alto para informar o mapa da mina. A corte espanhola chegou a mandar para Itabaiana, em 1619, uma grande comitiva chefiada por Dom Luís de Souza, Governador-Geral do Brasil, acompanhado dos capitães-mores do Espírito Santo, Gaspar Allures de Siqueira e de Sergipe, João Mendes.
A expedição contratou um mineiro castelhano, experiente, Fernão Gil, trazido do Peru. Como não houve acordo, Belchior Dias Moréia não indicou onde estava a prata. A comitiva voltou de mãos abanando. Prenderam Belchior, que morreu com mais de 80 anos, sem revelar o segredo das minas de prata da serra de Itabaiana.
Antigamente, o rio Orinoco era o ponto preciso e real onde estaria o Eldorado, na cabeça das gentes. A partir de Gabriel Soares de Sousa a perspectiva se transferirá para as cabeceiras do rio São Francisco. Mesmo Domingos Fernandes Calabar (1600-1635), que os portugueses tiveram como traidor, foi guia de uma expedição holandesa a Itabaiana em procura do ouro e da prata.
Em 1673, a Coroa (era regente o Príncipe D. Pedro I), futuro rei D. Pedro II de Portugal, nomeou D. Rodrigo Castelo Branco como administrador-geral das Minas de Itabaiana e editou o Regimento Geral das Minas do Brasil. Era consequência das incessantes buscas de ouro e prata em várias partes do território.
O Ciclo do Ouro no Brasil, começou em Itabaiana.
Em seu famoso livro “Cultura e Opulência no Brasil”, escrito em 1711, Antonil confirmou a existência da prata em Itabaiana:
“E na serra de Itabaiana, há tradição que achou prata o avô do capitão Belchior da Fonseca Dória.” Outras expedições foram feitas, e ninguém até agora encontrou a prata.
Só agora, século XXI, em minhas andanças com a Expedição Serigy, encontrei uma senhora, Dona Jurema, descendente próxima dos Tapuias (Boy mé), que me disse saber mais ou menos onde era a entrada da mina de prata.
Dona Jurema ainda me contou que acha, ela não tem certeza, que o carneiro de ouro que o povo tanto fala, está numa grota aterrada pelo tempo. Não custava nada, pedi para ela me mostrar. De fato, existe. O caminho é pedregoso e a entrada da mina fica num lugar meio encantado e de difícil acesso.
Desconfio que esse carneiro de ouro é o mesmo da lenda.
Procurei saber de um alquimista do Zanguê, se a prata ainda servia para alguma coisa, e ele me disse que não. Nem para fazer anel de cigano. Os talheres e baixelas dos ricos não são mais de prata, a tramontina ganhou a concorrência. Rodei o shopping e, de fato, não encontrei nada de prata para comprar, saiu de moda. Bijuteria vale mais do que prata.
O alquimista continuou o seu preconceito com a prata:
“Tenho um amigo que tem uns sacos cheios de prataria num depósito, herdado da família, e não acha a quem vender. Antigamente passava gente comprando alumínio velho, cobre e metal. Até garrafa usada e frasco de brilhantina tem comprador. Mas não conheço ninguém que compre prata. Ainda tem um complicador, a mina de prata fica num Parque Nacional, mesmo que valesse muito, seria tudo do governo.”
Uma visão equivocada, desse mal-assombrado: a prata continua um metal valioso. Principais aplicações incluem a indústria eletroeletrônica, onde é utilizada em componentes e circuitos, a indústria fotográfica e radiográfica, onde é utilizada em filmes e placas, e na indústria de energia solar, onde é usada em células fotovoltaicas. Além disso, a prata é utilizada em aplicações médicas, como curativos antimicrobianos, instrumentos cirúrgicos e em joalheria.
A `Prata é reserva de valor, no Sistema Financeiro Internacional.
Pensei bem e resolvi me aquietar. Não vou esmiuçar o segredo de Belchior Dias Moréia. Que continuem pensando que as minas de prata da serra de Itabaiana são lendas. O carneiro de ouro da Serra de Itabaiana continuará enterrado, à espera de dias melhores.
Quando o dólar deixar de ser a moeda de referência internacional, a gente desencava e ressuscita o carneiro de ouro adormecido.
"... achey hum hindio cariry (conta-o Barbosa Leal), hum hindio velho, de cem annos, por nome Taburú; e descobri com muyta endustria haver elle acompanhado a Melchior Dias naquelle seo descobrimento, o que esse hindio tinha muito calado e negado (me dice elle) por assim lho ordenar Melchior. E disse o hindio velho que cozeo no fogo, em hum testo ou tacho, uns seixos; e depois lavou muyto, e tirou uma pedrinha branca; e Melchior Caramurú fizera muita festa com espingardas; e lhes mandara não mostracem nunca a brancos aquelle logar..."
Por azar, o Cacique Taburú morreu sem contar o segredo das minas de prata.
Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
segunda-feira, 5 de maio de 2025
O PRIMEIRO CAMINHÃO
O Primeiro Caminhão.
(Por Antonio Samarone.)
Pedro Bial, querendo fazer graça, perguntou a Natanzinho Lima por que Itabaiana era a Capital brasileira do Caminhão. Natanzinho, meio acanhado, mas respondeu.
O primeiro caminhão de Itabaiana pertenceu a Esperidião Noronha. É claro, a rodagem chegou antes. O caminhão da foto é o de Manoel de Jason.
A Estrada de Rodagem tardou a chegar em Itabaiana. Somente em abril de 1928, foi inaugurada a Estrada de Rodagem Laranjeiras – Itabaiana (a primeira). Foi durante o governo de Manoel Dantas (Mané Caroço) e o Secretário de Obras era Leandro Maciel, isso mesmo, o famoso líder político.
A Coluna de Zózimo Lima, deu detalhes sobre as festividades de inauguração da estrada. Vou citá-la integralmente:
“Rumo a Itabaiana. Foguetes, girândolas, arcos e bandeirolas.
Aproximamo-nos da terra do finado Zé Sebrão [José Sebrão, político itabaianense; tio do historiador Sebrão Sobrinho].
A população freme de entusiasmo. A charanga local entoa o antigo e sempre novo dobrado “Saudades de minha terra”. Zózimo teve a ousadia de chamar a Filarmônica de Charanga.
O coronel Dultra de Almeida espera-nos com uma macarronada suculenta.
O Dultra, disse-nos o Otoniel Dória [Dorinha, delegado de polícia, chefe político itabaianense], fez uma verdadeira devastação nos galinheiros da vizinhança.
Sua Excelência, o presidente Manoel Dantas recebe distintas homenagens.
Sua Excelência, com aquela simplicidade, que é seu traço característico, atende a todos os reclamos.
Ele vê, perquiri, ausculta todas as necessidades e promete fazer o que estiver nas suas forças.
A comitiva tem ampla liberdade de S. Ex.ª para divertir-se à farta.
O Humberto é o peão da patuscada.
À noite, ao jantar, ele levanta um brinde às Valquírias do país de Wagner representadas na pessoa do robusto vigário local (Padre Francisco Toussaint).
Há danças na casa do Dorinha e na Intendência.
O farmacêutico Florival nos martirizou com uma oração sesquipedálica [muito longa].
Tive a impressão de estar diante do frade Cisneiros [Francisco Gimenez de Cisneiro, espanhol] num tribunal do Santo Ofício.
Aquela morena de olhos de pervinca [azuis], no baile, deixou uma chaga incurável no coração de Guilhermino.
O Teófilo mostrou que ainda é autoridade nos torneiros coreográficos.
A alegria é tanta que Humberto, o Zózimo, o Xavier, o Mecenas, o Leandro, o João Cabral e o Barroso planejam fazer o encanamento direto dos depósitos da Antártica.
O Dr. Gervásio Prata, o magistrado culto e criterioso, recebe uma manifestação carinhosa dos ilustres itinerantes.
O presidente Dantas compareceu pessoalmente. Muito cedo, no dia seguinte, rumamos para São Paulo, via Saco do Ribeiro.
Ali a comitiva presidencial foi alvo de grandes homenagens.”
Itabaiana passava a se conectar com o mundo por meios motorizados.
Antes de 1928, só através dos tropeiros e do lento carro de boi.
Esse foi o primeiro passo para o desenvolvimento econômico de Itabaiana, consolidado, com a chegada da BR – 235, em 1953.
A história dos caminhoneiros em Itabaiana, começou em 1928, com a inauguração da primeira estrada de rodagem. No próximo 08 de maio, as 19 horas, no Shopping Peixoto, a Prefeitura de Itabaiana lançará solenemente a Feira do Caminhão 2025.
Antônio Samarone. (Secretário de Cultura de Itabaiana)
(Por Antonio Samarone.)
Pedro Bial, querendo fazer graça, perguntou a Natanzinho Lima por que Itabaiana era a Capital brasileira do Caminhão. Natanzinho, meio acanhado, mas respondeu.
O primeiro caminhão de Itabaiana pertenceu a Esperidião Noronha. É claro, a rodagem chegou antes. O caminhão da foto é o de Manoel de Jason.
A Estrada de Rodagem tardou a chegar em Itabaiana. Somente em abril de 1928, foi inaugurada a Estrada de Rodagem Laranjeiras – Itabaiana (a primeira). Foi durante o governo de Manoel Dantas (Mané Caroço) e o Secretário de Obras era Leandro Maciel, isso mesmo, o famoso líder político.
A Coluna de Zózimo Lima, deu detalhes sobre as festividades de inauguração da estrada. Vou citá-la integralmente:
“Rumo a Itabaiana. Foguetes, girândolas, arcos e bandeirolas.
Aproximamo-nos da terra do finado Zé Sebrão [José Sebrão, político itabaianense; tio do historiador Sebrão Sobrinho].
A população freme de entusiasmo. A charanga local entoa o antigo e sempre novo dobrado “Saudades de minha terra”. Zózimo teve a ousadia de chamar a Filarmônica de Charanga.
O coronel Dultra de Almeida espera-nos com uma macarronada suculenta.
O Dultra, disse-nos o Otoniel Dória [Dorinha, delegado de polícia, chefe político itabaianense], fez uma verdadeira devastação nos galinheiros da vizinhança.
Sua Excelência, o presidente Manoel Dantas recebe distintas homenagens.
Sua Excelência, com aquela simplicidade, que é seu traço característico, atende a todos os reclamos.
Ele vê, perquiri, ausculta todas as necessidades e promete fazer o que estiver nas suas forças.
A comitiva tem ampla liberdade de S. Ex.ª para divertir-se à farta.
O Humberto é o peão da patuscada.
À noite, ao jantar, ele levanta um brinde às Valquírias do país de Wagner representadas na pessoa do robusto vigário local (Padre Francisco Toussaint).
Há danças na casa do Dorinha e na Intendência.
O farmacêutico Florival nos martirizou com uma oração sesquipedálica [muito longa].
Tive a impressão de estar diante do frade Cisneiros [Francisco Gimenez de Cisneiro, espanhol] num tribunal do Santo Ofício.
Aquela morena de olhos de pervinca [azuis], no baile, deixou uma chaga incurável no coração de Guilhermino.
O Teófilo mostrou que ainda é autoridade nos torneiros coreográficos.
A alegria é tanta que Humberto, o Zózimo, o Xavier, o Mecenas, o Leandro, o João Cabral e o Barroso planejam fazer o encanamento direto dos depósitos da Antártica.
O Dr. Gervásio Prata, o magistrado culto e criterioso, recebe uma manifestação carinhosa dos ilustres itinerantes.
O presidente Dantas compareceu pessoalmente. Muito cedo, no dia seguinte, rumamos para São Paulo, via Saco do Ribeiro.
Ali a comitiva presidencial foi alvo de grandes homenagens.”
Itabaiana passava a se conectar com o mundo por meios motorizados.
Antes de 1928, só através dos tropeiros e do lento carro de boi.
Esse foi o primeiro passo para o desenvolvimento econômico de Itabaiana, consolidado, com a chegada da BR – 235, em 1953.
A história dos caminhoneiros em Itabaiana, começou em 1928, com a inauguração da primeira estrada de rodagem. No próximo 08 de maio, as 19 horas, no Shopping Peixoto, a Prefeitura de Itabaiana lançará solenemente a Feira do Caminhão 2025.
Antônio Samarone. (Secretário de Cultura de Itabaiana)
sábado, 3 de maio de 2025
O CÔNEGO ESQUECIDO
O Cônego Esquecido.
(por Antonio Samarone)
Em 1852, chegou a Itabaiana, o Vigário Domingos de Mello Resende. Por lá ficou até 06 de janeiro de 1902. Meio século! Um fidalgo de sangue nobre. Nasceu no Engenho Carvão, Villa da Capela, em 04 de agosto de 1817, filho do Capitão Mor Manuel de Melo Resende e Dona Josefa Maria do Sacramento.
Domingos de Melo Resende, tornou-se depois Cônego da Sé e Vigário Geral. Foi Deputado Provincial por dois mandatos (1864/65 e 1866/67), sempre militando no Partido Liberal.
O Cônego encontrou a Villa de Santo Antonio e Almas dormindo o sono colonial. Um pequeno arruado de casebres, rodeando a igreja matriz. Uma comunidade muito pobre, isolada, castigada pela falta de água. Itabaiana era um vasto território de engenhos e fazendas, sem vida urbana.
A Igreja católica e a Câmara Municipal eram os únicos sinais de civilização. Itabaiana ainda vivia a influência política de Jose Matheus Leite da Graça Sampaio, último Capitão Mor de Itabaiana. Filho de João Machado de Novais e Dona Rosa Maria de Sampaio, filha do Capitão Ventura Rabelo Leite.
O Cônego Domingos era um velho Sultão, com a casa apinhada de esposas, escravas, concubinas, servas e vassalas. Chamava atenção a fundura de sua cisterna. Mesmo nos anos de seca demorada, a cisterna do padre não secava. Aos domingos, os fieis voltavam da missa com o pote de água cheio. Eu ainda alcancei essa lendária cisterna.
Nunca faltava um capão gordo, nos almoços dominicais da casa paroquial.
O Cônego Domingos de Mello Resende, morava na Praça da igreja, numa cassa avarandada, defronte a um pé de jenipapo, com várias amantes. Deixou uma prole numerosa. Ele assistiu à abolição da escravatura, a transformação de Villa em Cidade e o fim da Monarquia.
Sobre a passagem de Vila a Cidade, 28 de agosto de 1889, o Cônego Domingos desabafou: “Civilidade! Civilidade! Quanto perdeu, agora, Itabaiana ao deixar a sua vida simples de Villa! Civilidade sem civilização!”
O ano de 1889, foi ano de seca. Os Bezerras (Guilhermino, Antonio, João e José) dominavam a política em Itabaiana. Em 13 de maio de 1888, fim da escravidão; em 28 de agosto de 1889, passamos de Villa a Cidade e em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República. Grandes mudanças para uma pequena Villa.
Que se tem notícias, somente 2 itabaianenses, que moravam fora, envolveram-se na propaganda republicana: o médico homeopata Olintho Rodrigues Dantas; e o historiador Francisco Antonio de Carvalho Lima Junior.
Não se sabe quando a notícia da Proclamação da República chegou em Itabaiana. A Câmara Municipal só formalizou a adesão em 22 de novembro. O presidente da Câmara era o rico fazendeiro Casimiro da Silva Melo, que morava em sua fazenda, em Frei Paulo.
Nenhum conselheiro municipal (vereador) em Itabaiana, se manifestou a favor da República ou contra o Império. Nada! Nem o que Machado de Assis recomendou, no romance Quincas Borba: "Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas".
A pacata, agora cidade de Itabaiana, na chegada da República, possuía 3 mil habitantes, casas de taipa, estreitas, sem platibanda, quase todas de rancho e 21 sobrados, com sacadas de madeira. A Câmara Municipal funcionava no antigo sobrado do bar de Papinha. A feira ocorria na Praça da Matriz, junto ao Talho de Carne.
A Villa, na passagem para Cidade, possuia três Praças: a da Igreja, um destampado sem pavimentação; o Largo Santo Antonio e a Praça de Santa Cruz (Rua da Tenda). As ruas do Sol, Flores e Vitória, os Becos do Cisco e dos Lírios. As ruas do Cotovelo, Faísca, Futuro e Canto Escuro. O Beco Novo e a Rua Nova. A cidade findava na Rua do Vapor (Joãozinho Tavares). Itabaiana vivia nos sítios e fazendas.
O primeiro surto de urbanização da Villa de Santo Antonio e Almas, segunda metade do Século XIX, deveu-se a cultura do algodão. Em 1862, iniciou-se a realização regular da Feira, as primeiras lojas de fazenda, sapatos, armazéns e joalherias.
Domingos de Melo Resende foi sepultado na igreja, ao lado direito do altar principal. Entre 1967 e 1975, passou por Itabaiana o Monsenhor Soares, que, a título de reformar a igreja, detonou a antiga arquitetura, desrespeitou todas as tradições, e nessa saga, ignorou a sepultura do Cônego Domingos de Melo Resende.
Atenção, senhores Vereadores, não existe nenhum logradouro público em Itabaiana que receba o nome do nosso cura mais longevos. Meio século, ajudando na salvação das almas itabaianenses.
Domingos de Melo Resende, merece uma homenagem.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
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