domingo, 26 de maio de 2024

AS VACINAS E OS CORONÉIS


 As vacinas e os Coronéis.
(por Antonio Samarone)

Os primeiros casos de poliomielite em Sergipe apareceram em 1946. Os surtos se intensificam. A principal sequela da doença é a paralisia dos membros inferiores. O povo, amedrontado, chamava a doença de paralisia infantil.

Em 1962, o Governo Luiz Garcia promoveu uma campanha de vacinação em massa, em Aracaju. Algumas cidades do interior participaram. A vacina usada foi a Sabin oral. Foram vacinadas 30.050 crianças, com menos de sete anos.

Em Itabaiana, Euclides Paes Mendonça, o chefe político, colocou as marinetes á disposição, levando a meninada para a vacinação em Aracaju. Eu fui barrado na porta da marinete de Manezinho Clemente. O motorista me achou crescido demais, para só ter sete anos.

Mamãe reagiu bravamente e procurou Euclides, o manda chuva, para exigir o seu direito de vacinar o filho. Euclides no início também achou que eu tinha mais de 7 anos. Mamãe falava alto e insistiu. Ela tinha pensado em trazer a certidão de nascimento, mas não a achou, não sabia onde tinha guardado. Na verdade eu sou de dezembro de 1954, só completaria 8 anos em dezembro. Mas era um vara pau. No final, Euclides autorizou, e embarcamos.

Mamãe era disposta, nunca baixou a cabeça para as adversidades.

Foi a única vez que eu vi o Coronel Euclides Paes Mendonça em carne e osso, ao vivo. Ele foi assassinado no ano seguinte. Fiquei com a impressão que o homem era um gigante de bochechas róseas, meio desengonçado, um imbatível. A minha família votava nos Pebas e ele era Cabaú.

Eu não tenho o direito de ser negacionista e recusar vacinas. Seria uma traição a mamãe.

Mamãe me vestiu com calças curtas, suspensórios, tamanco e um boné de couro. Eu morrendo de vergonha daqueles trajes rurais. Os mais novos não sabem, não existiam essas sandálias tipo havaianas. As sandálias de couro eram para os ricos. Sapatos, nem pensar. As criança pobres vestiam tamancos de gameleira, com uma tira de sola. Ou pés descalços.

Lembro-me os detalhes dessa viagem para a vacinação. As marinetes de Itabaiana entravam na Capital pela Avenida Maranhão. Quando passou perto do Campo de Aviação, alguém gritou: olhem um avião. Num impulso, botei a cabeça para fora, pela janela, e o vento carregou o meu de chapéu couro. Ouvi a zoada do avião e o chapéu voando. Não foi dessa vez. Só conheceria um avião de perto, muito tempo depois.

Mamãe se danou com o prejuízo do chapéu e eu adorei por ter me livrado daquele traje de tabaréu. Os tamancos ficaram. Toc.toc.toc.

Ao chegarmos ao Prédio da Antiga LBA, eu fiquei encantado com tanta boniteza. Só fiquei decepcionado com a rapidez da vacinação, eu esperava demorar mais. Não me lembro do gosto da gotinha.

Um dia desses, conversando com Ivo de Seu Oswaldo, de Dona Iaiázinha, ele me contou que também veio nessa caravana, da primeira vacinação em massa de Sergipe. Tive a certeza que a minha memória estava certa.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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