segunda-feira, 10 de abril de 2023
NON, JE NE REGRETTE RIEN
“Non, je ne regrette rien.”
(por Antonio Samarone)
Tudo começou em 1975, quando comecei a ensinar ciências e biologia no Colégio Arquidiocesano do Padre Carvalho.
Fui professor por vocação e precisão.
Em 1984, enfrentando uma dura resistência política, passei no concurso da UFS para ensinar Saúde Pública.
Fiz parte de uma geração que sonhou em mudar o mundo.
Uma parte dessa geração participou por modismo, por ser prestigioso naquele momento acreditar num projeto coletivo. Na verdade, faziam carreira pessoal. Em regra geral, os chamados puros, quebraram a cara, marcaram passos, forram derrotado; os espertos, que cuidavam de si, se deram bem, foram bem-sucedidos.
Os movidos por princípios tropeçaram, os pragmáticos venceram. Lembrando Max Weber, os que observaram a ética da necessidade derrotaram os seguidores da ética da convicção.
É a lei da política. Não é uma questão moral.
Esse preâmbulo é para situar os jovens, meus atuais alunos de medicina. Talvez os últimos. Gente estudiosa, de bons propósitos, que sonham em vencer na vida. Não existe mais as utopias de mudar o mundo. Cada um cuida de si, sem peso na consciência.
O momento histórico é outro! O curso da Faculdade de Medicina da UFS, São Cristóvão, é voltado para o mercado, com a aparência legitimadora da ciência.
Deixo à docência esperançoso. Essa meninada vai resistir a desumanização da medicina operada pelo mercado. Uma nova safra de médicos está no forno. Eles serão os médicos dessa nova medicina que está nascendo.
É visível na turma a diversidade. As cotas humanizam os cursos de medicina, mantendo a qualidade. É como eu vejo.
Deixo um agradecimento especial a esses alunos da foto, provavelmente os últimos. Sinto que chegou a hora: a velha Saúde Pública perdeu. Foi engolida pelo mercado. Talvez as minhas aulas já pareçam antigas e desinteressantes.
Não tenho outras! O que era novo, hoje é antigo...
Há pouco tempo, na primeira aula, um aluno indagou: “quais os procedimentos que iremos aprender nessa disciplina que possamos oferecer a clientela?” Só faltou dizer, que possam virar mercadoria e ser ofertada ao mercado. Fui sincero: nenhum! Para esses, a disciplina é inútil.
Ainda sugeri: por que não trocam “saúde e sociedade” por “pequenas empresas e grandes negócios?”. Quando a medicina deixou de ser um sacerdócio (ócio sagrado), para ser um negócio (negação do ócio), a prevenção perdeu o sentido.
Mesmo assim, sinto que os novos médicos resistirão (pelo menos uma parte) ao desmanche do SUS, operado até por gente que lutou pela reforma sanitária, na década de 1980, e que hoje ocupa o poder político.
Lembrando os versos de Cazuza: os dados ainda estão rolando, o tempo não para. Entretanto, a Saúde Pública que eu acredito, que luto por ela, está sendo derrotada.
Eu não me arrependo de nada!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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