O chá da meia noite.
(por Antonio Samarone)
“Quero a morte com mau gosto! / Deem-me coroas de pano, flores de roxo pano, angustiosas flores de pano, enormes coroas maciças como salva-vidas, com fitas negras pendentes. / E descubram bem a minha cara. / Que vejam bem os amigos a incerteza, o pavor, o pasmo. / E cada um leve bem nítida a ideia da própria morte.” – Pedro Nava.
Antigamente, era dado como certo que os hospitais se livravam dos doentes terminais que demoravam terminar. Além dos custos, dos aborrecimentos, do cansaço da famílias, havia a ambição das funerárias para venderem os seus serviços.
O povo acreditava que para se livrar desses mortais insistentes, se dava um chá mortífero, ou se desligava o “balão de oxigênio”.
Claro, o povo é sempre exagerado!
Em torno de um grande hospital em Aracaju, estabeleceram-se dezenas de funerárias, o livre mercado, que disputavam avidamente o corpo do defunto.
Deu confusão e empurra/empurra no corredor do necrotério. O fato chegou ao status de escândalo e virou notícia nacional.
O Prefeito resolveu intervir no mercado, com forte reação dos liberais, e planejou o negócio. Cada funerária teria a exclusividade em certos dias (houve um sorteio), e não poderiam mais colocar propaganda nas fachadas das lojas fúnebres, nem expor os caixões nas calçadas.
O sujeito morreu na segunda, os serviços funerários, incluídos o caixão, eram monopólio de tal empresa, na terça, de outra, e assim por diante.
Essa intervenção do sábio Prefeito, acalmou a concorrência. O mercado funciona bem até hoje, sem extravagâncias. Inclusive, oferecendo-se planos e seguros, onde se garante uma morte tranquila, paga em suaves prestações.
Mesmo que o defunto seja ateu, a funerária oferece um profissional leigo para comandar as leituras sacras, rezas e cânticos. Os sepultamentos e velórios ficaram muito parecidos.
Uma parte dos vivos nos velórios, chegam, olham o morto para confirmar, e danam-se a conversar em voz alta, contando causos e anedotas. Todos falando ao mesmo tempo.
Sentimentos, sentimentos mesmo pelo morto, só de poucos familiares. O sentimento dos amigos resume-se na curiosidade: morreu de quê?
Antonio Samarone. (médico sanitarista)
domingo, 19 de fevereiro de 2023
O CHÁ DA MEIA-NOITE
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