segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
UM SONHO DE MENINO
Um sonho de menino.
(por Antonio Samarone)
Mamãe, devota de Santo Antonio, tinha prometido que se o seu primeiro filho fosse homem, receberia o nome do Santo. Eu deveria me chamar Antonio Fernando, nome do Santo português e do Poeta (Fernando Pessoa).
Na hora do registro no cartório, papai esqueceu do Fernando, deu um branco. Ele só lembrou de Antonio. Acanhado, aceitou que o tabelião registrasse Antonio de Santana, sem o Fernando.
Papai, para evitar a bronca em casa, mentiu. Não mostrou o registro e disse que o nome era Antonio Fernando, conforme a promessa. Mamãe, em confiança, não pediu para conferir. Na prática, eu me criei Antonio Fernando. Até papai esqueceu que tinha esquecido.
Quando passei no exame de admissão, aos 11 anos, precisou a minha cópia da certidão de nascimento para fazer a matrícula no ginásio.
Eu já tinha 10 irmãos (mamãe paria anualmente). E agora, cadê a certidão de nascimento de Fernando? Não existia. Mamãe conferiu a certidão de todos, não tinha a de Fernando. Logo o primeiro filho!
Um curiosidade, existia uma certidão sobrando: a de Antonio de Santana. Mamãe, desconfiou, deve ser essa a de Fernando, que o meu marido registrou errado. Mamãe achava papai esquecido, desatento, cabeça fresca, a fama estava comprovada. Ele esqueceu de Fernando.
Fiquei órfão de nome. Não era o Fernando que a Vila inteira conhecia. Eu era quem, depois dos 11 anos?
Nunca cheguei a ser Antonio, Tonho, Tonhão. Por um certo tempo, fiquei sem um nome certo. Já fui ninguém, sei do que se trata.
Em 1963, eu voltava para casa, depois da matinê do Cinema de Zeca Mesquita. Encontrei uma turma na calçada do sobrado do padre, ao lado da igreja. Era a torcida do Flamengo escutando a final do carioca, pela rádio Globo, num rádio transglobe Philco, de Dr. Pedro.
Era um Fla X Flu, e eu escolhi o Fluminense, contrariando a massa rubro negra presente.
Um sonho de menino: nesse dia, eu virei tricolor e conheci pessoalmente o Dr. Pedro, um médico imponente, que fez o meu parto e eu o conhecia só por ouvir dizer.
Na infância, mamãe tinha um tinha um sonho para mim e eu tinha outro. Mamãe me queria padre e queria ser jogador de futebol. O tempo mostrou que o caminho foi a escola.
Eu tinha perdido o nome de Fernando e o Fluminense, a minha nova paixão, tinha um craque chamado Samarone. Ficou fácil: virei Samarone. O apelido pegou.
Depois, por conta da política, incorporei oficialmente o Samarone no cartório.
No meu diploma de médico o nome é Antonio de Santana. Samarone é o herdeiro do diploma.
Acredito, que pelo escasso tempo que me sobra, morrerei Samarone.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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