O Lava-Pés.
(por Antonio Samarone)
Como revisitar o passado, entendê-lo, desfrutá-lo? A história limita-se aos fatos e dados que deixaram registros documentados, ou seja, quase nada da vida, do cotidiano, dos valores, das crenças, dos costumes e das subjetividades.
Na falta de registros isentos, a história recorre aos jornais da época. Nunca entendi. Basta observar o que os jornais escrevem na atualidade. O que são notícias? São versões interessadas dos ocorridos. Longe da realidade!
Como recuperar essa memória? A arte e a cultura visualizam melhor o passado, em sua complexidade. A imagem mais profunda de Portugal, na segunda metade do Dezenove, encontra-se na obra de Eça de Queiroz, a profundidade da vida nordestina em Gilberto Freire e Câmara Cascudo.
Estou dizendo: é na sensibilidade dos artistas, nas tradições, na linguagem que podemos recuperar parte da memória da vida passada.
O fuxico é o motor da história.
Nunca entendi os critérios das igrejas nas escolhas dos meninos que participam da celebração do lava-pés, na Semana Santa. Uma rememoração da última ceia, quando Cristo lavou os pés dos apóstolos.
Eu era uma rato de igreja. Um catecúmeno assíduo aos atos e celebrações. Esperava ansioso o convite para o lava-pés. Nunca fui lembrado. Nunca fui anjo de procissão.
Observava os meninos escolhidos e me perguntava: como eles foram selecionados, quais os critérios? Depois de meio século, acabo de descobrir:
“A seleção dos que iriam ao lava-pés, (em Itabaiana), era prioridade de Dona Maria de Joãozinho do Vapor. Ela escolhia os doze, entre os seus mais de trezentos afilhados, e os arrumavam de modo idêntico aos apóstolos da Última Ceia.” – Dr. Luiz Carlos, citado por Vladimir.
Acabou a minha aflição. Eu não era afilhado de Dona Maria Tavares, uma grande doadora para as obras da igreja. Passei a infância com os pés sujos.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)
quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
O LAVA-PÉS
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