terça-feira, 28 de agosto de 2018

A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte II



A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte II

Antonio Samarone

A revolução tecnológica na medicina, sobretudo na eletrônica, engenharia genética, robótica, transmissão de dados, informática, física, biologia molecular, etc. condicionaram o surgimento de variadas profissões no setor saúde; reduzindo a centralidade do médico, que perdendo a posse dos instrumentos de trabalho, tendo sua autonomia reduzida; caminha velozmente para tornar-se um elo pouco relevante do processo de produção da atenção à saúde. Os prontuários eletrônicos, organizados com base nos protocolos, acelera a tendência ao autocuidado, as tele consultas, monitoramentos à distância, e ao uso doméstico da tecnologia.

A Telemedicina que permite uma conversa direta dos usuários com os médicos através de um Skype, com tanta facilidade e a um custo tão baixo, que chega a ser indigno pensar que precisamos importar médicos para atender a um paciente localizado em regiões carentes de atenção básica. Na Índia, a assistência médica a populações carentes está sendo solucionada através da banda larga rural, software de telemedicina e modernas unidades móveis de diagnósticos. Diante do comprovado aumento da produtividade, os Planos de Saúde estudam este caminho como forma de reduzir custos, e claro, com ampla aceitação dos consumidores devido as comodidades e por permitir tarifas econômicas. O desafio da assistência à saúde pública e privada na Índia passou a ser a universalização da conectividade.

O Conselho Federal de Medicina, visando garantir o mercado, “proíbe expressamente a realização de consultas médicas à distância”, não importando se a mesma seja feita por telefone fixo, por e-mail ou por qualquer outro formato digital (Resolução nº 1974/2011). Evidente, que a medicina comercial, quando achar necessário para os seus negócios, encontrará as formas legais de descumprir a citada proibição. Na verdade, o Conselho de Medicina emite resoluções fundadas numa ética da medicina artesanal, de quando o exercício liberal da medicina era a regra; contudo, essa postura, teoricamente fora de época, em nada impede ou dificulta a convivência harmônica do Conselho de Medicina com a medicina comercial; os conflitos ocorrem, em sua imensa maioria, com a fragilizada medicina pública.

O trabalho médico passará por profundas transformações com o avanço da regulação genética e o mapeamento universal do DNA; desenvolvimento das pesquisas com células troncos, impressão 3D, robótica, tecnologia da informação, com a digitalização dos dados sobre as pessoas integrando os vários bancos de dados, as pulseiras e dispositivos pessoais de monitoramento de indicadores de riscos, a telemedicina, o autoconsumo de procedimentos de diagnóstico e terapêutica. A tendência da indústria de equipamentos médicos é a produção de aparelhos menores para uso domiciliar. As novas tecnologias diagnósticas, terapêuticas e organizacionais aumentarão a autonomia dos pacientes ou, ao contrário, ampliarão a dependência do consumo de procedimentos?

O trabalho médico vai aprofundar a fragmentação do cuidado em milhares de procedimentos, intensificando o seu consumo centrado na lógica do mercado ou haverá o retorno à clínica, a uma nova clínica que una tecnologia e humanismo? Isso vai ter profundo impacto nos custos e na qualidade da atenção. É muito importante dar um peso político diferenciado às tecnologias leves, relacionais, as tecnologias de informática, que devem ser tratadas de uma perspectiva sistêmica e voltadas para o bem-estar e qualidade de vida.

A divisão do trabalho na saúde busca uma melhor produtividade (não para atender a necessidade de saúde da população, mas sim para buscar mais valia) o trabalhador de artesão passa a executar uma parte do produto produzido se especializando numa fração do produto, apenas uma pequena parte do trabalho, uma vez que a forma de produção assim o exige. O trabalho é dividido em certo número de etapas que vão depender da complexidade do produto. Revisar esse texto.

“Profissão é uma ocupação autorregulada, que exerce uma atividade especializada, fundamentada numa capacitação ou formação específica, com forte orientação para o ideal de servir à coletividade, norteada por princípios ético-profissionais definidos por ela mesma. Portanto, a noção de profissão está intrinsecamente vinculada à ideia de um a atividade humana que, mediante conhecimento especializado, atua em determinada realidade, visando interpretá-la, modificá-la, transformá-la para um determinado 'fim social'. A auto regulação e a autonomia prevalecem nesta relação, e são estes dois elementos que permitem que a profissão tenha a 'autonomia' para recriar realidades.” Maria Helena Machado. Essa pretensão é hoje apenas uma forma de resistência a subordinação da medicina a lógica da acumulação capitalista.

Nenhuma outra profissão exercita este poder na escala em que o faz a medicina, certamente porque nenhuma outra profissão se iguala a ela no grau de autonomia ou “auto regulação", afirma Machado (1996:32). A profissão médica é este estereótipo de profissão com alto grau de autonomia técnica (saber) e econômica (mercado de trabalho). Em outros termos, uma profissão autorregulada, com elevado e complexo corpo de conhecimento científico e controle sobre o processo de trabalho. Na opinião de Freidson (1978), a medicina é, por natureza, uma profissão de consulta, como poucas no mundo contemporâneo. ” Maria Helena Machado.

Assim, os médicos adquiriram, historicamente, o monopólio de praticar a medicina de forma exclusiva, colocando na ilegalidade e clandestinidade todos os praticantes empíricos e curiosos desse ofício.

Esse sonho de uma profissão autorregulada está sendo soterrado pela dinâmica da economia de mercado. No final do século XX, o objeto da medicina deixou de ser apenas o doente e passou a ser a vida, do nascimento ao óbito. A vida foi medicalizada. (noção de risco). O campo da saúde amplia-se além das enfermidades, para alcançar toda a vida social. A ação da medicina ultrapassou uma geração, com consequências na seleção natural e na evolução. A medicina interferiu na descendência, abrindo um capítulo para a bio-história. A medicina tornou-se um segmento da economia; integrando-se ao mercado, regendo- se por sua lógica. A Saúde entrou no campo da macroeconomia, e assumiu o caráter de mercadoria. No final do século XX, a Saúde se transformou em bem de consumo, subordinando-se as leis de mercado.

O mercado da saúde no Brasil representa 10,2% do PIB, 50 milhões de usuários, 6,8 mil hospitais, 450 mil leitos, 245 mil estabelecimentos, 12 milhões de empregos diretos e indiretos, 394 mil médicos, 1,6 milhões de profissionais de enfermagem, 18 mil laboratórios; 8º maior mercado de Saúde do Mundo, movimentando anualmente cerca de R$ 570 bilhões. Cresce em média 7,6%, nos últimos dez anos.
Antonio Samarone.

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