O pão de cada dia.
(por Antonio Samarone)
“Nem só do pão vive o homem” – Deuteronômio - 8:3
Os deuses gregos viviam de néctar e ambrosia. Os homens do pão (cereais) e do vinho. As carnes eram interditadas: o boi era para a lavoura, o carneiro para a lã e o porco era impuro. A vaca continua sagrada na Índia.
Os animais eram destinados aos sacrifícios religiosos. Nos banquetes, as carnes podiam ser partilhados com os homens, cerimonialmente.
Itabaiana, nos primórdios, foi uma terra de curraleiros, de criadores de gado. Culturalmente, a carne é o alimento mais desejado, em qualquer refeição. O consumo frequente de carne é um indicador do nível de renda.
Um quilo de carne equivalia a um dia de trabalho do assalariado. O valor de um dia de pedreiro, era o preço de um quilo de carne de boi fresca. A carne não era para a pobreza.
Hoje, o acesso à carne facilitou-se. Quando Lula prometeu “picanha” para todos, sabia o que estava dizendo. Foi no fundo das fantasias alimentares.
Na etiqueta de mamãe, dois vícios eram condenados. Primeiro, comer carne pura (ser arado). A carne era uma mistura, para melhorar o sabor. Segundo, invejar com o olhar a comida dos outros (ser ximão).
Carne farta só nas buchadas, mocotós e cabelouros.
Diante as restrições da carne, alguns artifícios eram usador para tornar a feijão com farinha palatável: os molhos de pimenta, vinagre, cebolas roxas e coentro.
Fazia-se manualmente um bolo com o feijão, o molhava-se no molho de cebola. Foi esse costume, que levou o povo de Laranjeiras a apelidar o itabaianense de ceboleiro.
O surgimento das churrascarias gaúchas, servindo churrasco corrido, sem limites, gerou uma forte desconfiança. Não deve ser verdade. O desejo era comer carne sem parar, por dias, ou semanas.
A minha primeira experiencia foi em uma churrascaria na BR – 101, defronte a Floresta Nacional da Ibura.
A fantasia da carne é ilimitada, o aguçamento do instinto de caçador.
O dia-a-dia era o feijão com farinha. O arroz era para os dias de festa, ou quando a mistura era galinha. O arroz era uma sofisticação na casa dos pobres. E o macarrão? Bem, eu desconhecia o macarrão. Comi pela primeira vez em Aracaju. Não vi nenhuma graça.
Os vinhos são bebidas alcoólicas de uvas fermentadas, entretanto, pode ser de outras frutas. Os vinhos de jenipapo e jurubeba eram frequentes entre o povo do Beco Novo, ao lado das aguardentes.
O café era torrado em casa.
Galinha só nos resguardos. Por sorte, mamãe pariu 18 filhos. Ou nas bancas de arroz com galinha, nas festas de Natal e Ano Bom. Por outro lado, bacalhau era barato, era parte dos peixes salgados.
Os tradicionais pão e vinho bíblicos, não faziam parte da minha dieta. Mamãe tinha preconceito com o pão. Ela achava de baixo poder nutritivo. Quando ela avistava um menino ensangado, raquítico, mirrado, dava logo o diagnóstico: “esse menino foi criado com pão!”
A pobreza tem os seus segredos culinários: um cuscuz de milho ralado, molhado com leite de coco é digno de um banquete romano. Carne frita com inhame; jabá gorda, assada, com aipim e toucinho de porco na brasa. Um torresmo fresco!
A qualidade de vida melhorou bastante. Os restaurantes em Itabaiana (churrascarias e espetinhos), exploram os desejos reprimidos, aproveitam-se das novas condições sociais, e oferecem carne a vontade.
Come-se carne pura sem peso na consciência, para compensar o período das vacas magras. A Gula é o menor dos pecados capitais, inofensivo aos outros. Merece perdão.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
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