sexta-feira, 9 de agosto de 2024

UM AMIGO CORDIAL

Um amigo cordial.
(Por Antonio Samarone)

Cardosinho é um empresário bem-sucedido. Politicamente, um liberal nos costumes e um crente no estado mínimo. A mão invisível do mercado é o seu parâmetro de políticas sociais.

Odeia a esquerda, sobretudo Lula. Na ausência de candidatos bem comportados, ele vota na extrema-direita, com um discurso cheio de arrodeio. Ele alardeia: - “voto de luvas e máscara.”

Cardosinho adora a Europa, bons vinho e queijos franceses. Ele vê o Velho Mundo como um paraíso. De modo inverso, para ele, no Brasil nada funciona. Cita com frequência, como se a frase fosse sua, que “original no Brasil, só a jabuticaba”.

Ele cita essa asneira com uma certa arrogância e um sorriso irônico de superioridade no canto da boca. No tempo da lava a jato, Cardosinho chegou a viajar a São Paulo, para assistir palestras do Juiz Sérgio Moro.

Culturalmente, Cardosinho é um pretensioso. Leu, há muito tempo, Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, tendo memorizado apenas que o brasileiro é um homem cordial. Acredita nisso, e até hoje cita a frase a três por quatro.

Sergio Buarque defendeu que as relações pessoais, seus afetos, amizades, inimizades, favores, graças, poderes e submissões, organizam a sociedade. Sergio atribui essa cordialidade a uma herança ibérica.

Cardosinho entendeu a cordialidade como polidez, simpatia e fino trato. Ele acredita que a contribuição do Brasil para a civilização será o homem cordial. Cardosinho veste essa fantasia: fala mansa, intercalada com risos, mostrando sempre uma erudição de almanaque, solicito e atencioso.

Fado Tropical, uma música de Chico Buarque, resume poeticamente esse homem cordial:

"Sabe, no fundo, eu sou um sentimental/ Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro)/ Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Ancorada nessa balela cordial, Cardosinho defende o genocídio dos palestinos, a intervenção militar na Venezuela e a vitória de Trump, nos Estados Unidos.

Como se diz: se tem focinho, rabo, pé, costela e orelha de porco, ou é porco, ou feijoada. O fascismo não é incompatível com bons modos.

Sabe uma coisa: não quero mais conversar política com Cardosinho. Ele lá e Eu cá! Suspeito que a polarização social no mundo está crescendo e não vejo saídas.

O medo, é que isso termine em guerra.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

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