segunda-feira, 19 de agosto de 2024

DO ROLÓ AO MOCASSIM





 

 

Do Roló ao Mocassim...
(por Antonio Samarone)

Hoje visitei uma Feira de Calçados em Itabaiana. Um Show Room da Serra. Mais de cinquenta expositores, de todo o país. Grandes marcas e representantes. Centenas de logistas lotaram a feira, para realizarem negócios.

Conversei com um empresário de Novo Hamburgo, o maior polo calçadista do País, para contar-lhe a história dos sapateiros em Itabaiana.

Até e o final da década de 1960, existiam em Itabaiana 78 fabriquetas de sapatos. Chamavam-se de “Tendas”, onde a arte da sapataria era exercitada. Já falei sobre isso. Em Sergipe, Itabaiana e Simão Dias, dominavam a produção artesanal de sapatos.

Com a chegada do sapato industrializado, os artesões locais sucumbiram a concorrência. Ainda tentaram, alguns importaram um maquinário de Novo Hamburgo, mas não houve jeito. Essas máquinas ainda existem, sucateadas.

Hoje, 60 anos depois, o capitalismo desfilou os seus calçados, numa terra de sapateiros.

Eu acompanhei de perto a derrocada dos sapatos em Itabaiana, morava defronte a Tenda de Seu Justino, uma das maiores. Os sapateiros eram especializados, uns cortavam, outros costuravam e havia os soladores, que colocavam o sapato na forma. Ainda sinto o cheiro da cola de sapateiros, da qual fazíamos bolas saltitantes.

Seu Justino veio de Paripiranga, com uma grande família. Todos sapateiros. Messias, Everaldo (Peba), Toninho, Gilberto, Meco, Dedé e Dandinho, além das mulheres, Iracema, Finha e Nilza. Talvez tenha esquecido de outros.

Seu Justino foi o primeiro beco novense a possuir uma radiola. Aquele móvel grande, que ficava na sala de visitas. Tocava muito os demônios da garoa.

Dona Mãezinha, a esposa de Justino, era uma líder destemida. Braço forte, muito amiga de mamãe. A melhor definição da dor do parto, eu ouvi dela: “A dor de parir é a dor de cagar uma jaca.” Exagero ou não, nunca ouvi nada mais próximo da realidade.

Certo dia, a rua do Beco Novo entristeceu: Seu Justino foi embora, levou a família para ganhar a vida na Baixada Fluminense. Quebrou! Diziam os fofoqueiros, nas bodegas e barbearias. Como, pensava eu, um homem tão rico. Eu desconhecia o capitalismo.

Aquela família de amigos foi embora. Me criei com eles, brincando de pega-pega, pé em barra, bola de meia, cantigas de roda e tomando banho no Açude Velho.

As casas do Beco Nova eram de portas abertas. Os meninos circulavam de casa em casa. A rua era nossa. Não tinha automóveis, nem essas motos agressivas. Só as segunda feiras, chegava o caminhão de Tonho de Chagas, da Feira de Carira.

Por vezes, passava a marinete de Manesinho Clemente, no Beco Novo. Daquelas, que o bagageiro era em cima. Eu corria atrás para pungar na escada, pelo fundo.

O campinho era na rua e as traves dois chinelos.

Seu Justino tocava na Filarmônica e Dona Mãezinha era crente. A primeira que conheci.

Hoje, na grande e próspera feira da indústria calçadista em Itabaiana, eu tive saudades das Tendas, e de Dona Mãezinha, saudade de Everaldo (Peba), o meu primeiro amigo, com quem ia para as matinês de Zeca Mesquita.

Tentei dizer isso aos organizadores do empreendimento: Itabaiana, já foi um polo calçadista, nos tempos do artesanato.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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