sábado, 24 de setembro de 2022

A NEUROSE ENGANADORA

 A Neurose Enganadora.
(por Antônio Samarone)

A histeria e a epilepsia são as duas doença mais antigas da história da medicina. Hipócrates chamava a histeria de “sufocação da matriz”.

O útero ("hystera”) era visto como uma animal caprichoso que andava pelo corpo da mulher. Na ausência do coito, a matriz (útero, mãe do corpo) ficava seca, leve e subia, sufocando as mulheres.

A histeria desapareceu da literatura médica por mil anos. Retornou na idade média com a caça as bruxas.

Nos julgamentos de bruxaria os médicos eram consultados para diferenciar a possessão demoníaca da histeria, epilepsia e melancolia. O fim dos julgamentos marcou a vitória dos médicos sobre os padres.

Thomas Sydenhan, o pai da clínica (1680), escreveu que a histeria era a mais comum das doenças, podendo agir por emoções mentais e por desarranjos corporais.

No século XIX, os vapores da histeria eram atribuídos as noites insones de mulheres desocupadas e vadias.

Jean-Martin Charcot, o criador da neurologia, trocou o exorcismo pela hipnose. Os neurologistas rejeitaram a origem uterina da histeria, classificando-a como uma doença dos nervos e a psiquiatria como uma neurose. Foi uma derrota da ginecologia.

Freud foi assistente de Charcot por dois semestres (1885 – 86).

Freud classificou a histeria como uma doença psíquica e os neurologista como um doença dos nervos. A histeria, que lotava os hospitais, se tornou rara no início do século XX, perdeu a gravidade. A histeria passou a ser confundido com dissimulação.

Após a primeira guerra, a histeria retornou, estabelecida como uma doença psíquica próxima ao fingimento. A epidemia de encefalite letárgica (1919), sequela da gripe espanhola, foi confundida como uma forma de histeria. A encefalite se caracterizava por convulsões, mutismo, letargia e catalepsia histérica.

A histeria foi despejada da neurologia, indo procurar abrigo na psiquiatria. A histeria se manifestava como possessão demoníaca ou encosto. Aliás, os exorcismos continuam com muito prestígio nos tratamentos religiosos.

A histeria era a linguagem do corpo da mulher expressando o que não poderia ser dito de outra forma. As fotos das pacientes de Charcot demonstram esta tese e continuam preservadas nos arquivos do Salpêtriére.

Freud mantinha pendurada na parede do seu consultório, em Viena, a gravura de uma dessas pacientes.

A histeria era uma eterna mímica. Não existiam histéricas solitárias.

Os sintomas da histeria foram incorporados por outras patologias e transtornos mentais. Perdeu-se como entidade nosológica.

Entretanto, “histérica” continua sendo uma agressão de conotação sexual, prevalente nas mulheres. Permaneceu a origem hipocrática, onde histeria era uma doença originada no útero (hystera) e Histerectomia a retirada cirúrgica do útero.

A histeria nas visões da medicina; a sufocação do útero, de Hipócrates; a possessão das feiticeiras; a neurose, segundo Freud; a doença dos nervos, de Charcot; o furor uterino na linguagem popular e a dor do amor na literatura, percorre o imaginário humano há séculos.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

Nenhum comentário:

Postar um comentário