sábado, 29 de agosto de 2020

A QUARENTENA DOS INFERNOS


A Quarentena dos Infernos.
(Por Antonio Samarone)
Recebi um telefonema intrigante do Seu Olavo dos Peixes. Olavo Matias de Souza, viúvo, 78 anos, pescador aposentado, morador da Zona de Expansão de Aracaju. Conheço o Seu Olavo há muito tempo.
A conversa começou amena.
“Doutor, até quando vai durar essa quarentena? Acho que o Governador botou a gente de castigo e se esqueceu. Ninguém fala mais nisso. A cantiga do Governo é Fique em Casa!”
“Já abriram até rinha de galo, mas a quarentena não acaba. Pelo contrário, dizem que nem com a vacina os velhos serão liberados. O mal maior é a Peste ou o Confinamento?
Tenha Calma, Seu Olavo, não exagere.”
“Como ter calma? Eu já vinha um pouco esquecido, acho que piorei. Fico o dia todo vendo televisão, sem ter o que fazer. Depois que Madalena faleceu, eu passei a morar só. Sozinho, para cuidar de tudo. A aposentadoria mal dá para os remédios.”
“Graças a Deus eu sei me virar, mas a cada dia fica mais difícil. Ando meio deprimido, com insônia, nervosismo, impaciencia, e sem poder sair de casa. Acho que a quarentena desgraçou a minha vida.”
“A minha diabetes descontrolou. Estou mijando muito. Já pensei em procurar o Dr. Sotero, mas não tenho com quem ir. Fico inseguro. Sem enxergar direito. Tenho medo de pegar a Peste nos ônibus.”
E Eu, ouvindo calado.
Seu Olavo estava com a voz embargada. Um velho pescador morrendo à míngua, afrontando a minha impotência. Eu sei que o sofrimento não tem limites e que sempre derrota a esperança.
Ele continuou.
“Parei de tomar o remédio da próstata. Será câncer? Eu não sei! Doutor, estou pensando em fazer uma besteira. A vida perdeu o sentido. Estou à beira da loucura!”
“Vou me matar! Preciso criar coragem para me matar. Vou pular num buraco de 14 metros de fundura, no Vaza Barris, onde sempre pesquei. Quero morrer afogado, comido pelos peixes, que sempre me serviram de alimento. Quero morrer no Rio que amo e conheço, onde passei a vida pescando.”
Seu Olavo encontrou poesia no desespero!
“Eu não aguento mais ficar confinado. A solidão é uma castigo insuportável para os velhos.”
“Sou contraditório: não tenho medo de morrer, mas tenho medo da Peste. Não quero morrer entubado, de barriga para baixo, numa UTI.”
“Tomei a decisão, vou me matar com dignidade! Pelo menos terei um velório decente e os amigos podem me enterrar, contando a minha história. Em ordem de pobre, eu fui feliz. Não merecia morrer desse jeito!”
Eu vi que ele falava a verdade! Bateu uma aflição, como Eu posso ajudá-lo.
Pensei, a primeira coisa é evitar o suicídio. Liguei para um Padre italiano, meu amigo, que mora nas redondezas e pedi ajuda. Contei a história de Seu Olavo e pedi socorro. Ele, de pronto, me disse: “vou na casa dele amanhã cedo. Eu sei onde fica. A misericórdia de Deus é grande!”
Seu Olavo não é um caso isolado.
Qual o desdobramento? Não sei, isso foi ontem!
Antonio Samarone (médico sanitarista)

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