Vagas lembranças.
Antonio Samarone
Academia Itabaianense
de Letras
Nasci numa Itabaiana (1954)
dominada pelo ultramontanismo, fazendo justiça a sua condição geográfica. Os
triunfos do iluminismo e da secularização ainda não tinham chegado. A vida
cultural era dominada pela Santa Madre Igreja. Festas, comemorações, costumes,
crenças, comportamentos, nada escapava ao comando e vigilância da Igreja
Romana. As mulheres eram Filhas de Maria e os homens Irmãos das Almas. Psicologicamente,
estávamos sob a proteção do anjo da guarda.
As festas coletivas coincidiam
com as datas religiosas. Natal, padroeiro, procissões, sábado de aleluia, Santas
Missões, São João, todos os santos, vias sacras, novenas, trezenas, missas; e
as festas privadas, batizados, casamentos, crismas; até o cinema era do padre.
As bandas de músicas, presépios, quermesses, cânticos e manifestações folclóricas
eram redirecionadas pela igreja. Nem as raras festas pagãs escapavam da
vigilância religiosa.
Em decorrência da elevada
mortalidade infantil e com medo do Limbo, me batizaram logo novinho. Por
promessa de mamãe, fiz a primeira comunhão no dia em que completei sete anos,
numa segunda-feira. Frequentei o catecismo, antes da escola, e guardava os
domingos e dias santos. Passei a ser temente a Deus.
A Igreja seguia e impunha aos
fieis as deliberações do Concílio de Trento (1545 – 1563), o décimo nono da
cristandade, pois o vigésimo, o Concílio Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX,
em 1869, para enfrentar o racionalismo, só reforçou a infalibilidade papa. Foi um
concílio encerrado pela invasão de Roma pelas tropas italianas, lideradas por Giuseppe
Garibaldi, e pela eclosão da guerra Franco-prussiana.
Meados do século XX, e a Igreja seguia
divulgando a sua doutrina, suas crenças e ideologias, e dominando as consciências.
Acreditávamos no purgatório, nas indulgências, no pecado (original, mortal,
capital e venial), no anjo da guarda, no sacramento do casamento, na excomunhão
dos hereges, nas graças de Deus (perdidas com o pecado mortal), no fogo eterno,
no Limbo, na confissão e na penitência. Venerávamos
as imagens dos santos e os padres andavam de batina de 33 botões, a quem
pedíamos a benção.
A missa, rezada em latim, era um sacrifício
incruento de Cristo, onde deveríamos participar com o coração sincero e a fé
verdadeira, com temor e reverência, contritos e penitentes, para alcançarmos a
misericórdia, a graça e o auxilio oportuno. O sacrifício da missa era
propiciatório pelos vivos e defuntos.
Em outubro de 1962, o Papa João
XXIII abriu o 21º concílio ecumênico da Igreja Católica, o segundo a se
realizar no Vaticano. O Concílio Vaticano II, com as suas mudanças. Em 13 de setembro
de 1964, aconteceu a primeira missa solene cantada em português no Brasil, na
Igreja Nossa Senhora do Brasil, na Urca, Rio de Janeiro. O fim de uma Era. A
Igreja abandonava o Deus que concedia graça aos bons, clemência aos aflitos e
condenava os maus ao fogo eterno. Deus passou a ser o “amor”, adotou a
tolerância e o ecletismo, e chegamos onde estamos.
Em junho de 1963, morreu de
câncer o Papa João XXIII. Foi a última manifestação da antiga fé tridentina que
alcancei em Itabaiana. Aos noves anos, acompanhei com atenção a agonia final do
“Papa Bom”. Os sinos da Matriz de Santo Antonio e Almas tocaram sem parar o dia
todo.
Com a retirada da Igreja, abriu-se
uma janela para as novidades do mundo pagão. Timidamente, passamos a amar os
Beatles e os Rolling Stones; crescer os cabelos, lutar pela liberdade e pelo
amor livre, como se dizia, com certo exagero (sexo, drogas e rock ‘n roll). Mas
aí já é outra estória.
A infância é uma forma particular e distinta em qualquer
ResponderExcluirestrutura social de sociedade Não conheço Itabaiana , mas perecebe-se que é um lugar onde os princípios e valores são preservados. Esse texto remete à infância e acredito que o segredo da genialidade é carregar o espírito da infância/adolescência na maturidade. Belo texto Samarone. !!!!
Lucélia Lunguinho