sábado, 15 de fevereiro de 2025

SABORES ANCESTRAIS

Sabores Ancestrais.
(por Antonio Samarone)

O amigo Marquinhos (da FM comunitária) me fez um convite irrecusável: comer um pirão de galinha no Pé da Serra de Itabaiana, no restaurante de Dona Sônia de Leozíria. E lá vou eu, voltando as raízes... (foto).

“Está em qualquer profecia/ que o mundo se acaba um dia/ O mundo dos nossos ancestrais/ Sem fogo, sem sangue, sem ás/ Acaba sem guerras mortais/ Sem um estrondo, mas com um gemido.” – Raul Seixas.

O pirão de galinha me levou ao atávico sítio dos meus avós, nas Flechas. A um passado infantil. Gostava das farinhadas, do leite no peito da vaca, do canto dos passarinhos e da sinfonia dos sapos, rãs e jias nas lagoas. Entretanto, não posso mentir: o que me cativava mesmo era o pirão de galinha de minha avó.

No final da tarde, eu ia procurar se vovó tinha colocado a galinha embaixo do cesto, para a penosa não comer porcaria, antes do sacrifício. Ela gostava de puxar o pescoço.

Sei que pode parecer estranho, a galinha ser um banquete. E era! Antes das granjas, das galinhas confinadas, estressadas, comendo sem parar e enxarcadas de antibióticos, a galinha era bicho escasso. Comida de rico. Lá em casa, só de comia galinha quando mamãe estava parida. Por sorte, a prole foi grande (dezenove). Cada ano nascia um.

As galinhas de granjas morrem sem conhecer o choco, sem experimentar a valentia em defesa dos seus pintos. Uma galinha choca enfrenta as raposas, em pé de igualdade. As atuais, são galinhas de chocadeiras. Morrem sem comer merda. Tristes galinhas.

A ciência clonou as galinhas. Elas são bonitas, cantam afinadas, crescem rápido, chegam a pesar 5 kg, mas são aguadas, sem gosto, comida de astronauta.

As galinhas de capoeira duravam, tinha nome, viravam bichos de estimação. Na infância, eu já tive uma galinha amarela, que roubaram. Mamãe esperou os caminhão que iam às feiras, subiu, e abriu os caçuá de galinhas, até encontrar a galinha amarela. Foi uma confusão bem sucedida.

Crio algumas penosas no Solar São José, todas de estimação. Nunca serão comidas (ordem de Betânia, minha esposa). Galinha é caldo para doentes, canja para recém paridas ou convalescentes. Assada é de cerimonia. Guisada, molho pardo, cabidela, comida para dias especiais.

O ovo é a proteína segura do pobre. Combina com tudo, se faz doce, bolo e bife a cavalo. Meu prato preferido é cuscuz com manteiga do sertão e ovos fritados moles. Papocar a gema e misturar.

Uma boa notícia: estão faltando ovos nos Estados Unidos, pondo em cheque a tirania laranja. Roma caiu pela Peste e o USA pode cair pela falta de ovos. Acho que Lula deveria taxar os ovos da Kombi. Trinta por dez reais, seria para os brasileiros natos e exportar para a China.

O ladrão de galinhas é o pária entre os ladrões. Um ladrão insignificante. Não era aceito na gangue de Ali-Bá-Bá.

As galinhas antigas eram criadas na capoeira, soltas, comendo insetos, lagartas-de-fogo e ciscando. Eram pequenas e ossudas, de crescimento lento, mas para quem sabia preparar, era melhor que os faisões de Nero.

Dona Delina do Beco Novo, aos domingos, fechava a bodega cedo, e falava alto para que os vizinhos escutassem: “Um domingo só é completo com pirão de galinha de capoeira, doce de leite e Sílvio Santos.” E se trancava!

Os índios brasileiros não conheciam a galinha, pudera, é um bicho antigo, descende dos dinossauros. Os filósofos gregos morreram sem saber quem veio primeiro: o ovo ou a galinha. O Gallus gallus domesticus (galinha) é asiática. A França quis usurpar.

O pirão é brasileiro! Espero que Trump não queira fazer com o pirão, o que fez com o Golfo do México, achar que é dele. Farinha pouca, meu pirão primeiro!

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

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