terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

O MEU GURI.

O meu Guri.
(por Antonio Samarone)

“E na sua meninice, um dia ele disse que chegava lá/ Olha aí, olha aí.” - Chico Buarque.

Cada um é para o que nasce, repetia minha mãe, em seu secular conformismo. A deusa Fortuna (sorte) é caprichosa, vem e volta ligeirinho.

Entre os amigos de infância, Luiz Américo, filho de Meu Bom Chico e dona Corina, foi o mais astuto. Sabia se virar. Era bom em qualquer traquinagem. Andava de cabeça para baixo, exímio em salto mortal, bordava e pintava. No futebol era corredor e firulento.

Luiz ganhou o show de calouros de Djalma Lobo, cantando “Quero que vá tudo pro inferno”, de Roberto Carlos. Teve um semana de fama. Eu sempre era o pai da desafinação.

Luiz foi um lourinho peralta. Eu não chegava aos seus pés. Luiz Américo era destacado em tudo o que fazia. Ele, ainda menino, já sabia ganhar dinheiro: inventava rifas, organizava campeonatos, jogo do bicho, bom no sinuca, revendia muamba, era girento, como se dizia.

O seu pai, Chico Máximo, veio de São Paulo a pé. Aqui já é outra história.

Luiz era a expressão refinada da alma do comerciante de Itabaiana: sabia vender, trocar e comprar. Vivia de rolo, mutretas. Onde Luiz Américo se metia, dava certo.

Em plena adolescência, Luiz Américo sofreu um acidente, dentro do transporte coletivo em Aracaju. Bateu com a cabeça e ficou com sequelas.

No inicio da década de 1970, a novela “O Bem Amado” foi um grande sucesso. Conta-se, sem provas, que Luiz encasquetou com o personagem Zelão Das Asas, que após ter escapado de um temporal, resolveu agradecer a Deus, voando.

Luiz Américo botou na cabeça que faria o mesmo, indo voar do pico da Serra de Itabaiana, imitando Zelão. Existem testemunhas que dizem, sem convicção, que encontraram com Luiz nessas trilhas, com o propósito de voar.

Pelo sim, pelo não, Luiz Américo desapareceu ainda jovem. Acidente? O seu corpo nunca foi encontrado. Nunca mais se falou nisso. Passaram-se meio século.

Luiz Américo não morreu. O corpo nunca foi encontrado! Eu achava que ele era um anjo, experimentando as mazelas da terra. O seu desaparecimento continua misterioso.

A minha incerteza sobre a sua morte aumentou com o último texto do Dr. Marcondes, onde ele descreve magistralmente um encontro de falecidos ceboleiros no céu e Luiz Américo não foi visto. Eu sei, o céu é grande.

Como Luiz não merecia o inferno e não está no céu com os outros, ele não morreu. E no purgatório? Graças a Deus, o Papa Francisco mandou fechar o purgatório, elevando todas as almas ao céu.

E onde está Luiz Américo? Continua desaparecido.

Tempos depois, mais 4 mortes na Serra. No final de uma tarde chuvosa, em 30 de dezembro de 1981, um bimotor com 4 passageiros, vindo de Paulo Afonso, chocou-se frontalmente com a Serra de Itabaiana, deixando poucos vestígios. Não houve sobreviventes.

Me lembrei da Serra, pois amanhã ela recebe a visita técnica de especialistas nacionais, para efetuarem estudos de viabilidade para implantação de um teleférico, no Parque Nacional.

É o Ecoturismo engatinhando em Itabaiana. Quem for nomear as trilhas do Parque Nacional Serra de Itabaiana, não esqueça de Luiz Américo.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

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