quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

UMA LIGA É UMA LIGA.

Uma liga é uma liga.
(por Antonio Samarone)

Natã Lima Nascimento cresceu querendo ser caminhoneiro. Filho de Fiote da Castanha, de família humilde, o menino tinha talento. Começou a cantar desde os 15 anos. E deu certo. Aos 22 anos, tornou-se um nome do brega nacional: Natanzinho Lima, uma revelação do Arrocha.

Quando o rapper americano Will Smith desembarcou no Brasil, dançando uma música de Natanzinho, ele explodiu nas redes sociais, no mundo.

Não é fácil, saindo de Itabaiana, virar sucesso nacional. Independe do gênero musical. Eu sei, os refinados não gostam do estilo, mas a questão é outra.

Ao lado desse fenômeno musical temos um sociológico.

Natanzinho, ficou famoso más não perdeu as raízes. Divulga vaidosamente Itabaiana, cultiva a família, os amigos, a cultura caminhoneira. Não esqueceu as origens. Ontem, o povo foi as ruas para agradecer.

Ontem, ponto facultativo em Itabaiana, a cidade parou. A multidão estava comemorando uma vitória deles, como se fosse um campeonato do Tremendão da Serra. Vencemos, todos exclamavam! Natazinho era o “Ulisses” da Odisseia grega.

“Fi do Canso” vitorioso! A live do Show de ontem, teve um milhão e meio de acessos.

O NU 12, de Natanzinho, significa em toda velocidade, no pico. Refere-se a 120 km por hora, a velocidade máxima dos caminhões. “Uma liga é uma liga” é uma gíria dos caminhoneiros. Quem quiser saber o significado, que procure. Eu não revelo!

Aquela gente sentia que o sucesso de Natanzinho era coletivo, era o sucesso de uma gente que não dorme, que trabalha em tempo integral, que adora a sua terra. Desconheço quem nasceu em Itabaiana que a renegue.

Somos um povo com autoestima elevada, na vitória ou na derrota!

Antonio Samarone – Secretário da Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

O MEU GURI.

O meu Guri.
(por Antonio Samarone)

“E na sua meninice, um dia ele disse que chegava lá/ Olha aí, olha aí.” - Chico Buarque.

Cada um é para o que nasce, repetia minha mãe, em seu secular conformismo. A deusa Fortuna (sorte) é caprichosa, vem e volta ligeirinho.

Entre os amigos de infância, Luiz Américo, filho de Meu Bom Chico e dona Corina, foi o mais astuto. Sabia se virar. Era bom em qualquer traquinagem. Andava de cabeça para baixo, exímio em salto mortal, bordava e pintava. No futebol era corredor e firulento.

Luiz ganhou o show de calouros de Djalma Lobo, cantando “Quero que vá tudo pro inferno”, de Roberto Carlos. Teve um semana de fama. Eu sempre era o pai da desafinação.

Luiz foi um lourinho peralta. Eu não chegava aos seus pés. Luiz Américo era destacado em tudo o que fazia. Ele, ainda menino, já sabia ganhar dinheiro: inventava rifas, organizava campeonatos, jogo do bicho, bom no sinuca, revendia muamba, era girento, como se dizia.

O seu pai, Chico Máximo, veio de São Paulo a pé. Aqui já é outra história.

Luiz era a expressão refinada da alma do comerciante de Itabaiana: sabia vender, trocar e comprar. Vivia de rolo, mutretas. Onde Luiz Américo se metia, dava certo.

Em plena adolescência, Luiz Américo sofreu um acidente, dentro do transporte coletivo em Aracaju. Bateu com a cabeça e ficou com sequelas.

No inicio da década de 1970, a novela “O Bem Amado” foi um grande sucesso. Conta-se, sem provas, que Luiz encasquetou com o personagem Zelão Das Asas, que após ter escapado de um temporal, resolveu agradecer a Deus, voando.

Luiz Américo botou na cabeça que faria o mesmo, indo voar do pico da Serra de Itabaiana, imitando Zelão. Existem testemunhas que dizem, sem convicção, que encontraram com Luiz nessas trilhas, com o propósito de voar.

Pelo sim, pelo não, Luiz Américo desapareceu ainda jovem. Acidente? O seu corpo nunca foi encontrado. Nunca mais se falou nisso. Passaram-se meio século.

Luiz Américo não morreu. O corpo nunca foi encontrado! Eu achava que ele era um anjo, experimentando as mazelas da terra. O seu desaparecimento continua misterioso.

A minha incerteza sobre a sua morte aumentou com o último texto do Dr. Marcondes, onde ele descreve magistralmente um encontro de falecidos ceboleiros no céu e Luiz Américo não foi visto. Eu sei, o céu é grande.

Como Luiz não merecia o inferno e não está no céu com os outros, ele não morreu. E no purgatório? Graças a Deus, o Papa Francisco mandou fechar o purgatório, elevando todas as almas ao céu.

E onde está Luiz Américo? Continua desaparecido.

Tempos depois, mais 4 mortes na Serra. No final de uma tarde chuvosa, em 30 de dezembro de 1981, um bimotor com 4 passageiros, vindo de Paulo Afonso, chocou-se frontalmente com a Serra de Itabaiana, deixando poucos vestígios. Não houve sobreviventes.

Me lembrei da Serra, pois amanhã ela recebe a visita técnica de especialistas nacionais, para efetuarem estudos de viabilidade para implantação de um teleférico, no Parque Nacional.

É o Ecoturismo engatinhando em Itabaiana. Quem for nomear as trilhas do Parque Nacional Serra de Itabaiana, não esqueça de Luiz Américo.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O DESENCANTO COM O GOVERNO.

O Desencanto com o Governo.
(por Antonio Samarone)

O poder em Sergipe já foi um ninho de águias, hoje é um ninho de pardais e quero-queros. Festas, tapinha nas costas, conchavos de bastidores e uma imprensa amiga não resolvem, sem ações administrativas, sem um projeto de desenvolvimento do estado.

Uma celebre historiadora sergipana sentenciou: a história de Sergipe se confunde com a história de Aracaju. A mudança da Capital (1855), foi uma locomotiva para Sergipe. A luta política trava-se em Aracaju, mesmo o líder sendo do interior, afirmou a doutora.

Na história política de Sergipe, a vitória da oposição em eleições para governador, sempre foi uma raridade. Três ou quatro ocasiões. Quem está de cima controla a máquina, os empregos, os favores e os mimos.

Um conhecido Coronel declarou o apoio ao governador Leandro Maciel: “estou com o senhor e com os seus legítimos sucessores.” Em Sergipe, parte da oposição namora o governo.

Um ex-vereador do Aracaju, em meu tempo, dizia em alto e em bom som: “o poder é um jegue carregado e rapadura, até o rabo é doce.”

As eleições de 2022 em Sergipe, foi uma surpresa. Um líder forjado no interior, puxado por sua gestão na Prefeitura de Itabaiana, pouco conhecido no estado, carismático, com um discurso coerente, cativou o eleitorado. Poucos entenderam.

A grande Aracaju entendeu: o povo queria o Pato no Governo! Não vou repetir o que é de domínio público: a eleição foi subvertida no tapetão. A derrota do Governo em Aracaju foi prova desse desencanto.

Sergipe padece com uma safra de governadores sem muita inspiração. As obras estruturantes são da época de João Alves. Déda ficou nas boas intensões.

Vivemos um período de vacas magras. A sombra do marasmo é compensada com uma explosão de festas: Sergipe Verão, Sergipe Inverno, Sergipe isso, Sergipe aquilo.

Nem só de festas vive o homem! O poder está voltado para si, sem um projeto de desenvolvimento. Sergipe definha!

Enquanto isso, um medo ronda os palácios: Valmir voltar a disputar o mandato que lhe tomaram. Conspirações, calúnias, fake news mentiras, intrigas, um vale tudo, desde que as próximas eleições sejam por WO.

Se nada funcionar politicamente, eles vão as barras da justiça.

A luta política abandonou o campo das ideias. O Brasil tem 29 Partidos legalizados, um quiproquó, um terreno movediço, onde políticos sem votos, sem o reconhecimento do povo, se apropriam de siglas partidárias e passam a tratar dos seus interesses.

Tem chefes políticos donos de vários Partidos.

Os líderes bens votados e sem partido são poucos. Comem o pão que o diabo amassou. A inveja e a ambição dos sem votos, donos de Partidos, transformam a vida desses líderes num inferno. É o fogo amigo.

O parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição Federal, expressa um sonho distante: “todo poder emana”. De longe, o povo sabe disso, mas tem paciência. Se tomaram uma vez, o povo insiste, vota de novo.

A cruzada da politicagem para derrubar o Pato é acirrada. O povo não é besta, está acompanhando...

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

SABORES ANCESTRAIS

Sabores Ancestrais.
(por Antonio Samarone)

O amigo Marquinhos (da FM comunitária) me fez um convite irrecusável: comer um pirão de galinha no Pé da Serra de Itabaiana, no restaurante de Dona Sônia de Leozíria. E lá vou eu, voltando as raízes... (foto).

“Está em qualquer profecia/ que o mundo se acaba um dia/ O mundo dos nossos ancestrais/ Sem fogo, sem sangue, sem ás/ Acaba sem guerras mortais/ Sem um estrondo, mas com um gemido.” – Raul Seixas.

O pirão de galinha me levou ao atávico sítio dos meus avós, nas Flechas. A um passado infantil. Gostava das farinhadas, do leite no peito da vaca, do canto dos passarinhos e da sinfonia dos sapos, rãs e jias nas lagoas. Entretanto, não posso mentir: o que me cativava mesmo era o pirão de galinha de minha avó.

No final da tarde, eu ia procurar se vovó tinha colocado a galinha embaixo do cesto, para a penosa não comer porcaria, antes do sacrifício. Ela gostava de puxar o pescoço.

Sei que pode parecer estranho, a galinha ser um banquete. E era! Antes das granjas, das galinhas confinadas, estressadas, comendo sem parar e enxarcadas de antibióticos, a galinha era bicho escasso. Comida de rico. Lá em casa, só de comia galinha quando mamãe estava parida. Por sorte, a prole foi grande (dezenove). Cada ano nascia um.

As galinhas de granjas morrem sem conhecer o choco, sem experimentar a valentia em defesa dos seus pintos. Uma galinha choca enfrenta as raposas, em pé de igualdade. As atuais, são galinhas de chocadeiras. Morrem sem comer merda. Tristes galinhas.

A ciência clonou as galinhas. Elas são bonitas, cantam afinadas, crescem rápido, chegam a pesar 5 kg, mas são aguadas, sem gosto, comida de astronauta.

As galinhas de capoeira duravam, tinha nome, viravam bichos de estimação. Na infância, eu já tive uma galinha amarela, que roubaram. Mamãe esperou os caminhão que iam às feiras, subiu, e abriu os caçuá de galinhas, até encontrar a galinha amarela. Foi uma confusão bem sucedida.

Crio algumas penosas no Solar São José, todas de estimação. Nunca serão comidas (ordem de Betânia, minha esposa). Galinha é caldo para doentes, canja para recém paridas ou convalescentes. Assada é de cerimonia. Guisada, molho pardo, cabidela, comida para dias especiais.

O ovo é a proteína segura do pobre. Combina com tudo, se faz doce, bolo e bife a cavalo. Meu prato preferido é cuscuz com manteiga do sertão e ovos fritados moles. Papocar a gema e misturar.

Uma boa notícia: estão faltando ovos nos Estados Unidos, pondo em cheque a tirania laranja. Roma caiu pela Peste e o USA pode cair pela falta de ovos. Acho que Lula deveria taxar os ovos da Kombi. Trinta por dez reais, seria para os brasileiros natos e exportar para a China.

O ladrão de galinhas é o pária entre os ladrões. Um ladrão insignificante. Não era aceito na gangue de Ali-Bá-Bá.

As galinhas antigas eram criadas na capoeira, soltas, comendo insetos, lagartas-de-fogo e ciscando. Eram pequenas e ossudas, de crescimento lento, mas para quem sabia preparar, era melhor que os faisões de Nero.

Dona Delina do Beco Novo, aos domingos, fechava a bodega cedo, e falava alto para que os vizinhos escutassem: “Um domingo só é completo com pirão de galinha de capoeira, doce de leite e Sílvio Santos.” E se trancava!

Os índios brasileiros não conheciam a galinha, pudera, é um bicho antigo, descende dos dinossauros. Os filósofos gregos morreram sem saber quem veio primeiro: o ovo ou a galinha. O Gallus gallus domesticus (galinha) é asiática. A França quis usurpar.

O pirão é brasileiro! Espero que Trump não queira fazer com o pirão, o que fez com o Golfo do México, achar que é dele. Farinha pouca, meu pirão primeiro!

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

TIPOS POPULARES - CHUMBREGA.

Tipos Populares - Chumbrega
(por Antonio Samarone)

Wellington da Graça, filho do Cabo João Mole, nascido e criado no Beco Novo. Abandonou a escola com o primário incompleto. Aprendeu a ler, escrever e contar. Foi o bastante para passar a vida sem registrar um dia de serviço. Desconhecia a Carteira de Trabalho.

Passou a vida nas esquinas, bares e cafuas. Cerebrino nos jogos de azar. Imbatível na sinuca, no baralho e no pio. Para não faltar com a verdade, era apontador do bolo esportivo de Zé de Herminio. Passou a vida entre a esquina da Prefeitura, o bar Brasília, o cinema de Zeca Mesquita e a sede local da ARENA. (Foto)

Nunca souberam o que ele pensava, ou se pensava, pois falava pouco. Tanto pode ter sido um gênio como um apoucado. Sabe-se apenas que ele nunca teve nem amigos, nem inimigos. Vivia ali, numa indiferença sepulcral.

Wellington da Graça era avesso aos banhos, mas andava perfumado e de sapato e meia. Mal formado de feições, pobre, esquisito, morreu solteiro, borboletão.

A molecada não perdoava, ele logo ganhou o primoroso apelido de Chumbrega.

Chumbrega não acreditava em virtudes, nem em boas intenções. Era um niilista primitivo, ainda na casca. Cultuava uma vaidade imperial!

Segundo Alberto de Carvalho, Chumbrega foi uma contra homenagem ao Conde de Schomberg, elegante nobre português da época da Restauração (Sec. XVII).

Jeronimo de Mendonça, Governador da Província de Pernambuco, era conhecido como Chumbrega. O personagem de Itabaiana era homônimo do governador.

Chumbrega não possuía nem rendas, nem patrimônio. Vivia de favores. Ele cobrava pedágio pela existência. Como era pacífico e não roubava, passou a ser tolerado nas rodas dos bem-nascidos de Itabaiana.

Chumbrega ganhou a fama de nunca ter feito um favor. Vivia de favores, sem reciprocidade. Ninguém contasse com ele para nada. Ele administrava os seus pequenos interesses. Era empresário de si, uma autarquia, como dizia João de Deus.

Próximo à Prefeitura morava Alemãozinho, um comerciante prospero de Itabaiana. Alemãozinho sempre foi mão aberta com Chumbrega, nunca lhe negou uma ajuda.

Num certo domingo, logo cedo, Alemãozinho foi buscar a Rural para ir à Fazenda. O carro não pegou, precisava de um empurrãozinho. Pela hora, tinha pouca gente na rua. Alemãozinho lembrou de Chumbrega, sempre ali, na esquina da Prefeitura.

“Chumbrega, faça-me um favor, ajude-me aqui a empurrar o meu carro”, pediu Alemãozinho. Chumbrega respondeu de pronto: “Jamais! Você não pode me pedir um favor desses!”

“Como assim?” - reagiu Alemãozinho. “Você passou a vida me pedindo favores e quando eu preciso de uma bobagem, você nega!”

Chumbrega, indiferente, continuou: “Não tenho lembrança de ter lhe pedido para empurrar um carro.” De fato, Alemãozinho teve que se virar sozinho.

Chumbrega faleceu, não me lembro nem a causa, nem a época, deixando uma marca: nunca fez nem o bem, nem o mal. Saldo zero! Essas pessoas morrem discretamente, de morte natural, sem alardes, sem ter quem chore, nem lamente.

Numa época em que o futebol em Itabaiana crescia, Chumbrega, por pirraça, torcia pelo Sergipe.

Não se sabe se na hora do juízo final, do acerto de contas, se ele fora salvo ou condenado. A verdade é que entre boas e más ações houve um equilíbrio. A dúvida do código canônico foi imensa, como julgar Chumbrega?

O Inferno podia ser uma condenação severa e o céu uma graça exagerada. Eu não arrisco! Chumbrega foi daqueles casos que morrem e ficam zanzando, sem um local para repousar, ocasionalmente podendo assombrar um ou outro?

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

CAJUEIROS DOS PAPAGAIOS

Cajueiros dos Papagaios – 170 anos.
(por Antonio Samarone)

“Em cidades tornei fétidos brejos/ E fiz dos Charcos ressurgir o Império.” – J. César.

Para tornar-se sede do Governo de Sergipe, o Povoado de Santo Antonio do Riacho do Aracaju, foi elevado à categoria de Cidade (1855). A coorte provinciana recém-chegada, logo desceu a Colina, e começou a construir a Capital, nos mangues e alagados da Praia da Olaria, onde o impaludismo se alastrava.

Em 29 de junho de 1856, os médicos higienistas Guilherme Pereira Rebelo e Pedro Autran da Mota Albuquerque apresentaram o primeiro relatório sobre as condições de Saúde do Aracaju:

“Os estupores tão frequentes no Aracaju, as moléstias catarrais, a facilidade com que os hidrópicos ali se estabelecem, as frequentes supressões da transpiração cutâneas, que facilmente se convertem em febres intermitentes, tudo isso devido ao meio que se respira ser constantemente saturado de miasmas dos pântanos...”

Contratou-se um traçado urbano, uma planta da cidade, ao engenheiro Sebastião José Basilio Pirro. As retas de Pirro chocavam-se com as curvas do Rio. Começaram os aterramentos. Até fevereiro de 1856, 10.425 braças de aterros já tinham sidos concluídas

Não foi fácil. De imediato, Inácio Barbosa mandou fazer uma estrada ligando o antigo povoado à planície litorânea, infestada de miasmas. A urbanização só chegou a Praia Formosa no início do século XX e, a Atalaia, na década de 1950.

 
A primeira sede do Governo da nova Capital, onde Inácio Barbosa despachava, dava expediente, é consenso que foi na Colina de Santo Antonio, na casa de Benedito F. do Santos. Entretanto, Barbosa não morou nesse local.

O padre Aurélio conta que Inácio Barbosa vivia numa casinha em uma roça de mandioca, na baixada, na Praia erma, onde funcionavam a Alfândega, e existiam algumas choupanas de pescadores. Foi aí que ele contraiu a sezão, que o vitimou.

A pequena casa, de taipa e telha, duas salas, onde morava o Presidente Inácio Barbosa (Palácio), era uma casa cedida pelo proprietário, sem pagamento de aluguel, com o compromisso da realização de reformas, pelo Poder Público.

Depois de muitas pesquisas, se sabe hoje que a Casa que serviu de Palácio pertencia à Dona Rufina Francisca de Araújo e, ao mestre Oleiro, Vicente Ferreira dos Santos e localizava-se nas proximidades do Atual Museu Palácio Olímpio Campos.

Em 1857, a residência oficial do Governo de Sergipe passou para um palacete provisório (que eu ainda não descobri onde foi), até a construção do Palácio Oficial, em 1863. A sede do Governo lá permaneceu até 1995. Em 2010, foi transformado em museu.

Aracaju é filha do saneamento, mangues e charcos foram aterrados. Hoje paga-se um preço. Parte do esgoto sanitário chega aos rios “in natura”, com tratamento parcial ou insuficiente, tornando as bacias dos nossos rios, impróprias para a convivência humana. A DESO fazia de conta que cuidava.

Recentemente, o governo privatizou os serviços de saneamento (água e esgoto sanitário). O dinheiro arrecadado será torrado em ações efêmeras. Recentemente, a volta dos “carros pipas”, foi anunciado com fanfaras e foguetórios.

Aracaju completa 170 anos, refém da precariedade do saneamento ambiental.

Antonio Samarone – medico sanitarista.
 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O AGRONEGÓCIO E AS BALAS DE CAFÉ.

O Agronegócio e as balas de café.
(por Antonio Samarone)

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Sergipe (FAESE) e o SEBRAE estão realizando em Itabaiana, um encontro do Agronegócio de Sergipe, Alagoas e Bahia (SEALBA). Uma maravilha de tecnologias e negócios.

Um amigo, professor de agroecologia, perguntou-me espantado: e em Itabaiana existe o agronegócio? Respondi, em Sergipe, Itabaiana é o polo mais dinâmico.

Eu explico. Itabaiana é um centro empreendedor. O capital excedente circula, procura investimentos. Lá, o dinheiro corre. Ao invés de usá-lo como ostentação, procuram-se aplicações. Hoje, arrendar terra para plantar milho, virou uma febre. O sujeito nunca viu um pé de quiabo, mas tem o capital para investir.

Quem toma conta das roças são os drones. As sementes são aperfeiçoadas geneticamente, a adubação é precisa, as máquinas preparam a terra, plantam e colhem. A inteligência artificial já lhe entrega o cuscuz pronto, na mesa.

Eu vi a máquina que planta o milho e já entrega o cuscuz.

Me disse um jovem empresário itabaianense, bem-sucedido: “a ciência, a tecnologia, a produção mecanizada em alta escala é um negócio que domina o mundo. Já botei a inteligência artificial em meus currais. O leite já sai do peito da vaca pasteurizado.”

Eu fiquei atônito, com tanta ciência.

Eu sou de família de ferreiros. Meu Tataravô, João José de Oliveira, chegou na Matapoã por volta de 1850, era ferreiro, veio cuidar das foices e das enxadas, a tecnologia agrícola daquela época. Me criei raspando mandioca nas farinhadas. Tenho da agricultura uma visão romântica.

Em Itabaiana assamos castanhas (no Ceará eles torram), plantamos coentro e cebola. Somos o único local da terra onde se vende maturi. Tudo isso é cultura, são raízes. Mas o mundo mudou, o caminho agora é guiado pela ciência.

Fui almoçar no secular restaurante de Domício, e deparei-me com o espírito criativo do itabaianense. Eles vendem farofa gourmet. Isso, destinada à exportação. Foi saber como se fazia, eles foram sucinto: "a farofa é feita com manteiga de garrafa e farinha de forno de barro." Pensei, os saberes ancestrais não morrem com o agronegócio, eles de se reinventam.

Lá mesmo, no restaurante, fiz uma viagem a minha infância.

Em Itabaiana, meados do século XX, Dona Iaiazinha, uma senhora da alta sociedade, mãe de Alberto Carvalho, vendia balas de café. Ela não era doceira, só fazia balas de café. Era um compromisso cultural, a receita foi trazida de Moçambique.

Depois, aquela bala, com um sabor que acordava a alma, aroma de café torrando, consistência (pegajosa), desapareceu. Ela morreu guardando o segredo.

Entretanto, como não faz nada escondido, por muito tempo, a empregada de Dona Iaiazinha, Gerusa Caraibeira, também conhecia a receita, e repassou para a mãe de Seu Domício. Em resumo, as mesmas balas continuam sendo produzidas.

Fui ver os drones do agronegócio e, no caminho, encontrei as balas de café de minha infância.

Palmas para a FAESE e o SEBRAE pela grande feira, um show de tecnologias e negócios. Palmas para Itabaiana pelo dinamismo econômico, pela moderna gestão política e pela criatividade do seu povo.

Obrigado aos "domícios", pelas balas de café!

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

ARACAJU VAI VIRAR MAR - 170 ANOS.

Aracaju vai virar mar – 170 anos.
(por Antonio Samarone)

Joaquim Inácio Barbosa, carioca, assumiu a Presidência da Província de Sergipe em 17 de novembro de 1853. Veio com uma missão pacificadora. Em pouco tempo, abriu o canal do Pomonga, criando um caminho fluvial para Japaratuba.

Em março de 1855, contrariando os conselhos da Saúde Pública, transferiu a Capital para Aracaju. A sua maior obra causou-lhe a morte. Inicialmente, o Povoado Santo Antonio do Aracaju foi elevado à categoria de cidade. No alto, na Colina.

Logo, a cidade desceu para a baixada (veja o mapa), com pântanos e mangues. Um Paraíso miasmático.

Em abril de 1855, Inácio Barbosa iniciou a construção da Capela de São Salvador. Antes, só a Capela de Santo Antonio, na Colina. No Natal de 1856, missas foram celebradas nessa Capela, mesmo antes da inauguração, em 23 de outubro de 1857. A capela foi concluída pelo Presidente Salvador Correia de Sá.

O primeiro padre a celebrar missa em Aracaju foi Eliziário Vieira Muniz Teles. Em 21 de setembro de 1862, foi iniciada a construção da Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Nossa Catedral. A obra só foi concluída em 1875. Treze anos de construção.

Em 1864, o Frei Paulo de Casanova chegou em Aracaju, para pregar uma Santa Missão. O povo não gostou das prédicas do Frade, reagiu, entupiu a sua por porta com feixes de capim. Quando foi embora, o frade magoado, bateu violentamente as chinelas nas bordas do barco. Perguntar-lhe os motivos: “eu não quero levar nem o pó desse lugar. Um dia, o mar destruirá essa cidade e ninguém haverá de saber de sua localização.”

Passaram-se 170 anos e Aracaju continua em pé. Não se sabe até quando. Praga de Frade é deletéria. Que o aquecimento global adie a submersão do Aracaju, desejada pelo Frade.

Voltemos ao nosso herói. Inácio Barbosa contraiu malária. Como Aracaju não possuía recursos médicos, ele foi transferido para Estância. Montou-se uma junta médica: Guilherme Pereira Rebelo e Jose de Antonio de Freitas Junior Aracaju, Antonio Ribeiro Lima, Joaquim José de Oliveira, Francisco Sabino Coelho Sampaio e Francisco Alberto de Bragança (pai de Militão de Bragança).

Todo o saber médico daquele tempo, não tratou o Presidente. Já existiam os derivados da quina peruana. Ele faleceu em 06 de outubro de 1855, e foi sepultado com pompas, na Matriz da cidade de Estância. Entretanto, nunca descansou em paz.

Inácio Barbosa, viúvo, faleceu aos 33 anos. Um homem de alta cultura: versado em grego e latim. Falava as línguas doutas da Europa: francês, inglês e italiano. Profundo conhecedor de Camões, Padre Vieira. Garrete, Castilho e Alexandre Herculano.

Os restos mortais de Inácio Barbosa já rodou por cinco sepulturas: Da Matriz de Estância, ele foi transferido para os fundos da Igreja do São Salvador, em Aracaju (fevereiro de 1858); não sei os motivos, depois construíram um monumento (obelisco), e transferiram as cinzas de Barbosa, para Travessa José de Faro (1917); acharam pouco, levaram o obelisco e fizeram um novo sepultamento, na Praça do Mercado Thales Ferraz.

Em seguida, o Prefeito Roosevelt Dantas Cardoso de Menezes transferiu o obelisco, para o final da Avenida Ivo do Prado, levando as cinzas de Barbosa para o novo local (1955). Ano do centenário. Estão lá até hoje.

Em minha cabeça, recentemente, tinham retornado com os restos mortais de Inácio Barbosa, para a Igreja se São Salvador. Lembro-me de toda a solenidade, dos discursos, das homenagens. Eu tinha certeza! Por sorte, meu anjo da guarda advertiu: rapaz, ligue para Ana Medina e para o ex Prefeito Edvaldo Nogueira, para não cometer uma gafe. Liguei! Nunca houve esse retorno.

Ana Medina me esclareceu: “o obelisco, monumento à Inacio Barbosa, é obra do escultor Lourenzo Petruci e do engenheiro boquinense Floro Freire, a pedido do Instituto Histórico.” O monumento foi inaugurado em 1917, na Avenida José de Faro. Esse obelisco ainda passou pela Praça do Mercado, antes do atual destino, no final da Ivo do Prado.

Na base desse monumento foi colocado uma rica urna de madeira de lei, com ornamentos de prata, dentro da qual se encontra uma urna de bronze, onde estão os preciosos ossos (ou cinzas) do insigne homenageado.

Inácio Barbosa é o nome da abandonada sede da Prefeitura, de um bairro importante em Aracaju e da Avenida litorânea, que os puxa-sacos apelidaram de Sarney.

Vamos continuar esmiuçando os 170 de Aracaju.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 1 de fevereiro de 2025

ARACAJU, A SULTONA DAS ÁGUAS - 170 ANOS.

Aracaju, a Sultana das águas – 170 anos.

A transferência da Capital das margens do Rio Paramopama, um afluente do Vaza Barris, para a Barra do Rio Sergipe, foi um avanço.

A mudança da Capital deu o primeiro passo, em 30 de abril de 1833, quando a rica viúva itabaianense, Maria José de Faro Leitão Rollemberg (Maria do Topo), dona do Engenho Unha do Gato, casou-se com João Gomes de Melo, do Engenho Santa Bárbara. O casamento, fez-lhe o homem mais rico de Sergipe. O primeiro sergipano Barão do Império.

O Barão de Maruim, segundo Tobias Barreto, era um plutocrata rico, distintamente pródigo, benfazejo e filantropo. Ele construiu as suas expensas, a bela matriz de Maruim. Conta-se que o Barão, politicamente, queria transferir a Capital de São Cristóvão. Esvaziar a força do Napoleão do Poxim.

Transferir para onde? Aqui entra a douta teoria da conspiração. Maria do Topo, esposa do Barão possui vasta extensão de terras nas inóspitas praias do Aracaju. Fez a cabeça do marido.

O digno Joaquim Inácio Barbosa só cumpria as ordens do Barão! Era o que se falava à boca miúda.

A resolução provincial de 17 de março de 1855, foi aprovada em reunião extraordinária da Assembleia Provincial, no Engenho Unha de Gato, em Santo Amaro. Em terras do Barão. O vigário Barroso, representante de São Cristóvão no Parlamento Provincial, participou da reunião, tendo votado contra a resolução.

A verdadeira reação a mudança da Capital ficou por conta do senhor João Policarpo Borges, o João Bebe Água, que nomeia atual rodovia que une as capitais. João Bebe Água guardou até morrer, 12 dúzias de foguetes, para soltá-lo por ocasião do retorno da Capital para São Cristóvão. Esses foguetes existiam até um dia desses.

Luiz Antonio Barreto dizia que Aracaju era um aterro embelezado, obra do trabalho dos sergipanos. Construir uma bela capital na Baia de Guanabara ou na Baia de Todos os Santos é fácil. A natureza estava pronta. Aracaju era coberta de charcos e manguezais.

O engenheiro Sebastião Pirro fez a planta, e iniciou-se a bela obra: aterrar os pântanos. Até hoje, qualquer chuvinha alaga. Na inauguração (1855), houve duas epidemias: Sezão e Cólera. Inácio Barbosa, o Catinga, sucumbiu da primeira.

Inácio Barbosa faleceu na cidade de Estância, em 6 de outubro de 1855, aos 33 anos, vítima da malária. O Dr. Guilherme Pereira Rebelo, o primeiro médico do Aracaju, não deu conta. Levaram o Presidente Barbosa para Estância, onde a medicina era mais avançada.

Diante das febres do Aracaju, o povo cantava: “Quem for para Aracaju/ leve um rosário para rezar/ Aracaju é purgatório/ onde as almas vão penar.”

Passados 170 anos, Aracaju continua dependendo do saneamento. Sem a despoluição dos seus rios e canais (Sergipe, Sal e Poxim), Aracaju não terá um turismo sustentável. O turismo das festas baianas, leva mais dinheiro do que traz. É uma ilusão, onde poucos se beneficiam.

Aracaju era a Mbaracagupe dos Tupinambás, rio dos homens loiros, dos franceses, dos galegos, que estavam ali em busca do Pau Brasil e da canafístula. A primeira povoação chamou-se Santo Antonio do Rio Aracaju. Aracaju era o rio, por isso “do Aracaju” e não “de Aracaju”, como se diz atualmente.

O poético Cajueiros dos Papagaios, é mais bonito, mas veio depois. Quem conhece a Zona de Expansão, a bacia do Vaza Barris, ainda assiste revoadas de jandaias.

A Prefeita Emília, tem um grande e prazeroso desafio. Aracaju é dos sergipanos!

Antonio Samarone – médico sanitarista.