sexta-feira, 15 de março de 2024

A MÃE DO CORPO


 A Mãe do Corpo.
(por Antonio Samarone)

A histeria e a epilepsia são doenças milenares.

Hipócrates, em seu livro Doenças das Mulheres, considerava o útero um pequeno animal caprichoso e autônomo, que circula pelo corpo. Na ausência do coito, a matriz secava e o útero ficava mais leve, subindo para comprimir a caixa torácica.

Nesses casos, ocorria uma sufocação da mulher pela matriz: com rotação dos olhos, pele fria e lívida, vômitos, perturbações cerebrais e perda da fala. Depois, essa concepção foi sendo alterada.

A histeria desapareceu por mil anos. Voltando no período da “caça às bruxas, na idade média. Os padres atribuíam a possessão demoníaca das mulheres acusadas de bruxas; e os médicos diagnosticavam histeria, epilepsia e melancolia.

O fim dos julgamentos de feitiçaria foi uma vitória dos médicos sobre os teólogos.

Para Thomas Synderam, o Hipócrates inglês (1680), a histeria era a mais comum de todas as doenças, ao agir através dos nervos, tanto por emoções mentais como por desarranjos corporais ela pode imitar qualquer doença.

Charcot se interessou pela histeria em 1870. Substituiu o exorcismo pela hipnose. Transformou o Salpêtrìere num espaço científico.

O famoso médico francês, Jean-Martin Charcot, pai da neurologia, o Napoleão das neuroses, promoveu no “fin-de-siècle”, um espetáculo semanal com as mulheres pobres de Paris, internadas no Salpêtrière, expondo-as seminuas aos olhares masculinos. Os gestos, convulsões, gritos e sussurros emocionais eram marcados pela insinuação erótica.

O Salpêtrìere era uma cidade no estilo do século XVII. Um local onde São Vicente de Paula realizou as suas obras de caridade. Luís XIV converteu-o em abrigo para mendigos, prostitutas e insanos.

As cenas públicas de histeria eram cuidadosamente fotografadas.

Eram os chamados ataques histéricos, expostos de forma desprezível. A histeria e a neurastenia eram os transtornos mentais mais frequentes no início do século XX.

O que a medicina fez com a histeria, que fim levou? Charcot apontava a hipnose, como tratamento da histeria.

Charcot foi gênio e charlatão. Um prince de la sciencia. Ao lado de Pasteur, orgulho da França. Um homem muito rico, culto, produzia suntuosas recepções em sua casa, para cientistas, políticos, artistas e escritores. Conta-se que o nosso Pedro II, quando em Paris, era frequentemente convidado.

Freud foi aluno do serviço de Charcot, no Salpêtrière. Voltou a Áustria para tratar os casos de histeria, mas não aceitou a hipnose como recurso terapêutico.

Até onde entendi, Freud achava que a histeria era a transformação das memórias sexuais reprimidas em sintomas corporais. Me corrijam...

A histeria foi historicamente uma doença do útero. No grego, histero significa útero. Na histeria, o útero, a mãe do corpo, fica desgovernado. O povo chamava de furor uterino.

Claro, para Charcot, a histeria era uma doença neurológica.
No início do século XX, as histéricas que lotavam as enfermarias dos hospitais públicos desapareceram. A neurologia empurrou a histeria para o campo da psiquiatria, que, por sua vez, inclui-a na categoria dos fingimentos.

Freud reelaborou os sintomas da histeria, dando-lhes outros significados. Por desconhecer a sua obra em profundidade, não me arrisco em sintetizar o ocorrido.

O que fica claro, é que as “evidencias” na medicina são fluídas, aparecem e desaparecem sem dar explicações. Tolo é acreditar nessas verdades provisórias.

A medicina esqueceu a histeria, trocou o nome ou ela deixou de existir?

Não se fala mais em sufocação uterina, furor uterino, dor de amor ou histeria. Uma neurose enganadora. Histeria virou um rótulo inaceitável.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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