sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

DOUTOR SILVESTRE, O PATRIOTA

 Doutor Silvestre, o patriota.
(por Antonio Samarone)

Fui contemporâneo de Silvestre na faculdade. Em 1978, com o retorno das eleições para o Centro Acadêmico Augusto Leite, da medicina, Silvestre formou uma chapa para a disputa, de nome Eugenia. A chapa esquerdista chamava-se Construção. Eles perderam.

Antes, o centro acadêmico de medicina vivia sob intervenção. Possuía uma sede e oferecia dois serviços aos estudantes: uma cantina, terceirizada a Dona Zilda, uma pessoa atenciosa e simpática e uma mesa de ping-pong.

Silvestre foi um aluno médio, daqueles que estudam o necessário para passar. Tinha a fama de possuir o melhor caderno, copiava até o suspiro dos professores. A xerox da caderno de Silvestre era cobiçado nos tempos de provas.

No mais, nem cheirava nem fedia.

Silvestre era conhecido como o filho de... Fazia medicina por fazer, não precisaria da profissão para viver.

E assim ocorreu. Silvestre colou grau, como todos colam. Ao abrir o consultório, fechou definitivamente os livros. Deu fim até aos cadernos.

E foi vivendo uma vida tranquila, casou-se, teve filhos, comprou apartamento na Beira-Mar. Nunca se soube o que Silvestre pensava sobre nada. Ele nunca abriu a boca. Quando aparecia nas solenidades da categoria, era só sorrisos. O doutor Silvestre é que se chama “homem de bem”.

Para surpresa de todos, inclusive da esposa, Silvestre envolveu-se com a política. Odeia o comunismo, ama e confia no Mito. Até aí, sem novidades, isso é assim maioria, entre os colegas. Ele sempre foi assíduo nas manifestações dos camisas amarelas. Discreto, mas ia caracterizado e com uma bandeira do Brasil na mão.

Silvestre tem um orgulho: nunca comprou um livro. "Quem gosta papel é traça", repete ele como sendo um dito espirituoso. Odeio teorias, “meu negócio é a prática”. Pratica a medicina no tato, pede os exames, prescreve os remédios. Não lhe chamem para debates, conferências, congressos.

A medicina é para dr. Silvestre uma intuição científica. O consultório dele é cheio, só de particulares. Não aceita cheques, cartões e nem atende a convênios. A consulta custa 400 reais.

Após a vitória de Lula, no segundo turno, o que o dr. Silvestre desconfiava se confirmou: fraude eleitoral aberta, descarada. O STF está mancomunado com o comunismo. fraude só para Presidente. Se fosse um problema técnico das urnas a fraude seria coletiva, para todos os cargos. Não, a fraude foi política, só para Presidente.

O dr. Silvestre, fechou o movimentado consultório e acampou em frente ao 28 BC. Destaca-se pela bravura cívica. Canta todos os hinos, marcha em todas as marchas. Só vai em casa para trocar de roupa.

Dr. Silvestre quando chega na garagem do condômino, grita a todos pulmões: Selva! Mito! Passou a andar em passos de marcha militar. Corpo ereto, queixo alevantado, passos firmes e cronometrados. Presta continência na entrada e saída do elevador.

Sábado foi o seu aniversário de casamento, uma tradição na família, e ele me convidou. Uma festa animada, muitos amigos dos tempos de estudantes. Sardento levou o violão. Todos embasbacados com o tamanho do apartamento e a fartura da mesa.

Todos animados, essas festas da alta classe média. Vinhos caros, rapapés, e um jantar com bacalhau norueguês. Nada perto do churrasco temperado a ouro dos jogadores da seleção, mas um banquete para não se botar defeito.

Deu 9, 10, 11 horas, e nada do Dr. Silvestre. Cotinha a esposa, aflita, encabulada, não soltava o celular: “Silvestre, estamos aqui lhe esperando, você vem ou não?” E ele enrolando: estou chegando...

Deu 11 horas da noite e o jantar foi servido, mesmo sem o dr. Silvestre, o dono da casa. Silvestre estava à serviço da Pátria, acampado defronte ao 28 BC.

Cotinha, a esposa, ficou furiosa. “Não vou perdoar essa desfeita: era o aniversário de casamento. Silvestre é um dissimulado. Não tem religião, só não é ateu por covardia. Não cultua a família, só faz de conta. Do seu lema herdado de Mussolini, Deus, pátria e família, sobrou a pátria.”

O dr. Silvestre é um patriota!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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