Gente Sergipana – Batatinha, o curador de cobras.
(Por Antonio Samarone)
Não sei se a profissão de curador de cobras ainda existe, ou se Batatinha foi o último. As cobras sempre estavam presentes em meu imaginário infantil.
Entre as histórias de Trancoso contadas por mamãe, uma me deixou um impressão profunda: Dona Valdecir, matrona do Beco Novo, estava amamentando Betinho, seu filho mais velho. Quando a luz apagava, uma cobra peçonhenta pegava o peito de Valdecir para tomar o leite e enfiava o rabo fino na boca do menino, para ele não chorar. O meu medo era acordar chupando o rabo de uma cobra.
São Bento era um protetor acreditado. “São Bento antes das cobras”.
Em Itabaiana, além de São Bento, apareceu um forasteiro chamado Batatinha, que andava com um caixão de cobras nas costas, rezando e curando. A reza dele era preventiva para afastar as cobras do nosso caminho.
Batatinha todas as vezes que andava pelo Beco Novo, passava lá em casa para rezar. Nunca cobrou, dizia gostar do meu Pai.
Batatinha era baixinho, gordo, papudo, cheio de molecagens. Gostava de meninos e se aproximava dando um beliscão de frade na barriga.
Batatinha era muito amigo de Jorge de Dona Ermelinda, outro sujeito muito amigo das cobras.
Na Bodega de Armilindo vendia-se cachaça curtida com cobras dentro da garrafa. Na seção das cascas de paus: angico, milone, quina, imburana, quixabeira, jurubeba. Além do rabo de galo (cachaça com cinzano), servidos naqueles copos com o fundo de 4 dedos de espessura.
Do mesmo jeito que existem taças apropriadas para os tipos de vinhos, existem copos para se beber casca de pau. Só servem para isso.
Medo mesmo, era pisar em cama de sapo ou espinha de cobra. A espinha de cobra quando não mata, aleija. A cama de sapo causa uma frieira sem cura, daquelas que sangra de tanto coçar. Na hora de dormir, um pé coçava o outro, numa sensação dionisíaca.
Eu andava com um escapulário de Nossa Senhora do Carmo (bentinhos), que me protegia de afogamentos e mordidas de cobras. Sempre funcionou, nunca fui mordido nem morri afogado.
Do mesmo jeito que Batatinha aparecia, desaparecia, misteriosamente. Nunca se soube a procedência daquele mágico das cobras. Não se sabia o nome, a idade, onde morava, quem eram os pais, onde nasceu. Era apenas Batatinha, o curador de cobra.
Pelo tempo, já deve ter morrido, ou quem sabe se encantado. Essa gente nunca morre, se encanta. Já procurei notícias até no Sertão da Bahia. Alguém sabe?
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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