Sua Excelência...
(por Antonio Samarone)
Existe um declínio da representação política. “Ele não me representa” virou um clichê. E a quem eles representam? A bala, a bíblia e o boi?
O que levou a essa descrença? É da natureza do Poder ou são as práticas deformadas? Mesmo os mais puros e bem-intencionados, quando se elegem com um discurso revolucionário, exercem os mandatos com uma prática resignada.
Se elegem com o discurso da reforma agrária e exercem o mandato distribuindo cisternas.
O velho Lenin, denominava esse comportamento de forma depreciativa: cretinismo parlamentar.
Não é exagero. O exercício do poder no Brasil cria de fato privilégios institucionais. Reais e simbólicos.
O cargo transforma o ocupante em excelência, independente de virtudes pessoais. E ser excelência não é pouco.
Excelência é quem possui a sabedoria e conhece os caminhos.
"Celência” deriva de celestial, divino. A origem é bíblica.
Quando Salomão assumiu o seu reinado, para bem governar, pediu a Deus sabedoria. Os líderes políticos acreditam que essa sabedoria foi extensiva a todos que exercem o poder.
Excelência é o sublime, o soberano, a perfeição, o chefe, o Duce, o Corifeu e o Fuehrer.
Acontece que Deus, além da sabedoria, presenteou Salomão com riqueza, poder e glória. Os políticos sabem disso e também se intitulam herdeiros dessas vantagens.
Os ganhadores das eleições são considerados os “eleitos”, mantendo a linguagem religiosa. “Muitos são os convidados e poucos os eleitos.”
Os eleitos acreditam nessa distinção.
No Folclore brasileiro, “excelência” são cantos entoados aos pés dos defuntos, para facilitar a sua entrada no céu. No folclore, excelência é uma reza de defunto de herança portuguesa.
Em política, excelência é um passaporte de superioridade, de grandeza, de soberania, de infalibilidade. Excelência é exceção, prerrogativas, impunidade e mimos.
A sociedade brasileira vive uma assombração: o desmonte do que nos restava de civilidade.
A análise acima não nega a política, nem a sua necessidade para resolver os conflitos. Ao contrário, precisamos de mais política e mais envolvimento.
Os vícios do exercício do poder se resolvem com mais fiscalização e novas formas de representação.
A perda de legitimidade da representação parlamentar é um fenômeno universal.
No Brasil, essa decadência foi acentuada pela criminalização dos processos eleitorais, decorrentes da ação do poder judiciário, da imprensa, do poder econômico e da reduzida consciência democrática da população.
O político tornou-se um suspeito nato, mesmo sem qualquer denúncia. O grave é que não existem saídas fora da política.
Talvez a representação parlamentar, tenha mesmo perdido a legitimidade e, de fato, não representem a sociedade.
Esse é um impasse de difícil solução.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)
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