domingo, 1 de agosto de 2021

O MERCADO DA LOUCURA


O Mercado da Loucura
(por Antonio Samarone)

Os transtornos mentais explodiram no século XXI. O mal-estar foi privatizado e psicologizado na nova Sociedade do Desempenho.

Os medicamentos psicoativos são os mais vendidos pela indústria farmacêutica e a dependência tornou-se um problema de Saúde Pública.

Como surgiram tantas doenças mentais?

As antigas psicoses e as neuroses foram rebatizadas de transtornos mentais. A velha loucura, elogiada por Erasmo de Roterdã, foi desmembrada em centenas de transtornos mentais.

Foi o século XIX que trouxe a insanidade para o cérebro e resolveu medicalizá-la. A teoria dominante atribuía a loucura uma causa degenerativa. Havia a crença que a psicose era unitária. O louco, alienado, apoucado, aluado, maluco, demente, insano e o doido eram uma mesma pessoa.

Os unitários defendiam que a mente não podia ser subdividida em faculdades, que os casos intermediários são comuns e, a longo prazo, os diagnósticos são instáveis. Eles tinham razão.

Ao eterno doido de pedra, a medicina o batizou de psicótico. A insanidade era um estado de total irracionalidade. A medicina inverteu: “A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.” – Doutor Simão Bacamarte.

Foi no final do Dezenove que a medicina criou uma taxonomia e começou a inventar nomes. A denominação cria as coisas, segundo Saramago.

O psiquiatra alemão Emil Kraepelin, em seu Compendio de Psiquiatria (I883) classificou as doenças mentais (psicoses) em três grupos: demência precoce (esquizofrenia), loucura maníaco depressiva (transtorno bipolar) e paranoia.

No início do século XX, já eram reconhecidas as neuroses (histeria, obsessão, fobias, ansiedade e depressão). Disfunções mentais menores.

Em 1917, os americanos publicaram um manual Standard de psiquiatria e relacionaram 22 doenças mentais. Depois, eles criaram a bíblia da psiquiatria orgânica (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM). E novas doenças foram surgindo.

Em 1952, eles publicaram o primeiro DSM-I. As doenças mentais passaram de 22 para 106. Essa explosão coincidiu com o surgimento dos psicotrópicos.

Em 1968, foi publicado o DSM-II com 182 doenças mentais descritas.

O DSM-III, publicado em 1980, foi seguido de uma grande polêmica. Houve uma reação a esse crescimento interessado das doenças mentais, com acusações de que se estava criando doenças para aumentar o consumo de drogas já descobertas.

O remédio, em alguns casos, surgia antes da doença que ele deveria tratar. O DSM-III sofreu grande interferência das regulamentações da indústria farmacêutica.

A maior revisão foi a do DSM-IV, publicada em 1994. O DSM-5 (DSM-V) foi publicado em 18 de maio de 2013 e é a versão atual do manual, onde as doenças agora chamadas de transtornos mentais, já ultrapassaram três centenas. (300 tipos diferentes de transtornos mentais). Está difícil escapar! Um criterioso exame clínico, com certeza, nos arruma uma vaga num desses subitens.

O novo Código Internacional das Doenças (CID – 11), que entrará em vigor em janeiro de 2022, não só confirmou todos os transtornos mentais estabelecidos no DSM-5, como criou outros.
Em seu capítulo 6 estão, os “Transtornos mentais, comportamentais ou de desenvolvimento neurológico”. Aguardem a novidade.

O doutor Simão Bacamarte, personagem de Machado de Assis, acertou, quando internou a população inteira de Itaguaí, na Casa Verde.

Segundo Bacamarte:

“De todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a Casa Verde era uma povoação.”

“Tudo era loucura. Os cultores de enigmas, os fabricantes de charadas, de anagramas, os maldizentes, os curiosos da vida alheia, os que põem todo o seu cuidado na tafularia, um ou outro almotacé enfunado, ninguém escapava aos emissários do alienista.”

“Os alienados foram alojados por classes. Fez-se uma galeria de modestos; isto é, os loucos em quem predominava esta perfeição moral; outra de tolerantes, outra de verídicos, outra de símplices, outra de leais, outra de magnânimos, outra de sagazes e outra de sinceros.”

Simão Bacamarte voltou! Dessa vez, Crispim Soares, o boticário da vila, é quem está se dando bem. Por enquanto!

Antonio Samarone (médico sanitarista).


 

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