sábado, 7 de agosto de 2021

O GOLPE


O Golpe!
(por Antonio Samarone)

O Presidente Bolsonaro tem ameaçado a Nação: “Sem voto impresso não haverá eleições!”

Um colega médico, miliciano de jaleco, me fez uma provocação: vamos fechar o STF e cassar o Barroso. Em Sergipe, ninguém vai dar um pio, será mais fácil que em 1964.” Ele falou “vamos”, como se fosse parte ativa.

Eu fiquei preocupado e aborrecido com a provocação. O golpe será mais fácil que o de 1964? Fui rever o cenário de 1964 em Sergipe,
quando a ditadura se instalou. Estava no Governo da Província, João de Seixas Dória. Integralista na juventude e membro da UDN populista, mas um aliado de João Goulart.

O Réu sem Crime, Seixas Dória, era um populista vazio, em seu discurso de posse (31/03/1963), encerrou com uma frase demagógica: “Que o Senhor me assista com a sua graça.”

Seixas Dória não tinha um programa de Governo, nem uma linha política definida. Era conduzido pelas circunstâncias. Só a graça de Deus para salvá-lo. A sua principal bandeira no governo foi reduzir os homicídios. A violência atual tem raízes profundas.

Seixas Dória não acreditava que um golpe fosse viável, estava mal informado. Só por isso, continuou apoiando Goulart. Compareceu festivamente ao comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964.

O movimento social em Sergipe era frágil, porém combativo.

A Associação dos Servidores Públicos (ASPES), estava sob a direção do PCB, com Agonalto Pacheco na Presidência, e a União Estadual dos Estudantes de Sergipe (UEES), está sob o comado de José Alexandre Diniz. Os líderes populares mais importantes eram José Nunes da Silva, Manoel Vicente do Nascimento e o Major João Teles.

A parte positiva do governo Seixas Dória era o seu secretariado: Educação, Luiz Rabelo Leite; Saúde, o sanitarista Alexandre Menezes; Imprensa, João Oliva; Procurador do Estado, Jaime Araújo. E dirigindo o Velho Atheneu, o professor e jurista, José Silvério Leite Fontes. Nomes comprometidos com as reformas de base.

No período do golpe de 64, a Prefeitura de Aracaju estava sob o comando de Godofredo Diniz, um político conservador. Prefeitos progressistas, destaque para Pascoal Maynard, em Estância e Geraldo Maia, em Propriá.

Seixas Dória professava um discurso radicalizado, sem relação com a realidade. Em janeiro de 1964, num Congresso dos Ferroviários em Recife, Seixas Dória discursou, jogando para a plateia: “Confie em Sergipe, Governador Arraes, quando Pernambuco der o primeiro tiro, o segundo será dado pelo povo sergipano.”

Paciência, Governador, Sergipe era o Reino das Oligarquias.

O Arcebispo de Aracaju, Dom José Vicente Távora, simpático as reformas de base, foi duramente perseguido. Em 24 de Março de 1964, os médicos João Cardoso do Nascimento, Sílvio Santana, Iracema Barbosa Figueiredo, Hider Gurgel, Josefina Maranhão, Jória Resende Cruz, Paulo Freire e José Machado de Souza publicaram um manifesto em defesa de Dom Vicente.

Tenho procurado, sem sucesso, uma cópia desse documento.

Na noite do golpe, 31 de março, “Aracaju viveu uma noite mansa, tranquila, gostosa”, segundo o historiador Ariosvaldo Figueiredo. Um grupo de intelectuais de esquerda compareceu na Sorveteria Iara, para tomar informações. Não se sabia de muita coisa.
A Soverteria Iara era um “point” dos alternativos.

Seixas Dória, que estava no Rio de Janeiro, chegou ao palácio pela madrugada em avião da FAB, para organizar a resistência em Sergipe. Um reduzido grupo de trabalhadores aguardava orientações políticas.

No dia 1º de abril, o comercio de Aracaju fechou, em homenagem ao golpe.

Seixas Dória não sabe o que fazer, diz apenas que espera continuar no governo. Orientado pelos assessores, o governador lê um manifesto reafirmando as suas posições, na Rádio Difusora, as 21 horas do dia primeiro de abril. Foi a gota d’água.

Altas horas da noite, o Major Francisco Rodrigues da Silveira, prende Seixas Dória, e o encaminha para as dependências do Quartel do 28 BC. Nada acontece, nenhuma reação. Aracaju permanece acovardada.

No dia 11 de abril de 1964, Seixas Dória foi transferido para Fernando de Noronha.

Nos primeiros dias, o Exército prendeu Luiz Antonio Barreto, Marcélio Bomfim, José Romário, João Gonçalves, José Flávio da Silva e Ezequiel Monteiro, acusando-os de subversivos. Em seguida, as dependências do 28 BC ficaram lotadas, dezenas de presos, gente pacata, que cometeram o crime de acreditar nas reformas de base.

O número de presos foi um exagero. Comunistas mesmo, só uma meia dúzia.

Como se sabe, o golpe quando se consolidou, teve o apoio e a simpatia de amplos setores da sociedade sergipana. Poderia citá-los, pelos menos os puxa-sacos mais sabugentos, mas prefiro o esquecimento histórico dessa gente.

Depois da rápida revisão de 1964, contínuo em dúvidas. Não sei responder se atual otimismo do miliciano de jaleco, tem bases na realidade.

Espero que não.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

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