MINHA INFÂNCIA (4)
A
fé entra pelo ouvido (fides ex auditu), escreveu São Paulo aos Romanos.... Não
concordo, a fé entra mesmo é pelos rituais. Eu gostava do espetáculo das
procissões, dos quatro tipos: das festivas ou jubilares, a mais importante era
a de Santo Antônio; das rogativas, pedindo uma graça, geralmente chuva; das de
desagravo, participei de uma, quando numa Santa Missão, ofereceram capim a um
frade; e das gratulatórias ou de agradecimento. A Procissão era um momento especial
para se fazer e se pagar promessas. Eu gostava dos cânticos antigos, sobretudo
o “Queremos Deus” (Queremos Deus homens ingratos/ Ao pai supremo, ao redentor/ Zombam
da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o senhor...).
Os fiéis se arrumavam em filas indianas, a
cada lado rua, sem atropelamentos, todos obedeciam a uma ordem, quase natural. Na
frente, puxando a procissão, iam as Irmandades e Congregações. Em Itabaiana quem
puxava eram os Irmãos das Almas, liderados por Zé Bigodinho. Todos homens, com camisas
verdes, carregando círios acesos. Eram seguidos pelas Filhas de Maria, todas de
branco, carregando uma fita de cetim azul celeste sobre o peito. Depois vinhas
as demais irmandades, todas com os seus estandartes e galhardetes. A Irmandade
do Sagrado Coração de Jesus, com as suas fitas vermelhas, sempre fazia bonito.
Depois os fiéis e as beatas menos graduadas. Muita gente pagando promessa com os
pés descalços, carregando pedra na cabeça; outros trajando luto fechado, cada
um cumpria as obrigações assumidas. Promessa é dívida, pelo menos para os
devotos.
No centro do cortejo o clero e os seus
auxiliares. Padres, sacristão, coroinhas, devotos mais chegados, iam na frente
do andor do Santo. Carregando o andor, homens de prestígio. Não me lembro de
mulheres carregando o andor, parece que não era uma tarefa feminina. Atrás do andor
a banda de música, os políticos, autoridades e os graúdos da cidade. Não era
lugar para a arraia miúda, mesmo assim, sempre lotava com um magote de
puxa-sacos. Os meninos brancos e ricos saiam fantasiados de anjos. Aqui tive a minha
primeira decepção com a Igreja: mesmo sendo um devotinho assíduo, nunca me
convidaram para ser anjo de procissão.
Nas ruas, por onde passava a procissão, o
povo se arrumava, pendurava toalhas bordadas nas janelas e, quem tinha, botava
um jarro de flor. Juntava-se os vizinhos e ficavam comentando as novidades.
Fofocas e futricas. Vendo quem estava acompanhado de quem, as roupas e os
cabelos de quem passasse. Quando se fazia um comentário inconveniente sobre
alguém, sempre se precedia um “Deus me perdoe” ou “não é falando não” ou “eu
não gosto de fofoca, mas”... E metia-se a bomba.
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