Antonio Samarone de Santana.
Academia Sergipana de Medicina.
A semana passada visitei um amigo
que padece de uma neuropatia progressiva. A doença evoluiu suprimindo os
movimentos e os controles do sistema nervoso, tirando a autonomia até para
beber água. Esta morte lenta está ocorrendo com o padecente em plena consciência,
memória perfeita, raciocínio aguçado, só não consegue se expressar, a não ser
pelo riso e pelo choro, pelos olhos expressivos e cheios de vida. O meu amigo
tem uma neuropatia que ninguém sabe direito o diagnóstico, sempre imprecisos,
sempre pode ser isso ou pode ser aquilo. Meu amigo sofre de uma doença
negligenciada pela medicina.
A Organização Mundial de Saúde
(OMS) define doença rara ou negligenciada como a que acomete até 65 pessoas a
cada 100 mil. Em geral, é crônica, progressiva e degenerativa, com frequência
levando à morte. A maior parte, 80%, tem origem genética. Nesse grupo estão
incluídas anomalias congênitas ou de manifestação tardia, deficiência
intelectual e erros inatos do metabolismo. As 20% demais são infecciosas,
inflamatórias e autoimunes. Estima-se que no Brasil existem na ordem de 13
milhões de pessoas atingidas com essas doenças. Das cerca de 8 mil, mais de 90%
não são tratáveis, a indústria farmacêutica não tem interesse em produzir esses
medicamentos. O diagnóstico dessas doenças é difícil, geralmente ocorre em
casos avançados e o tratamento consiste em cuidados paliativos.
Quem está cuidando do meu amigo,
quem é o seu médico? São vários e nenhum, cada um cuida de um sintoma, de uma
mazela, e prescreve um procedimento, uma terapia. Um cuida da fala, outro da
depressão, outro da diabetes, outro da hipertensão, outro disso, outro daquilo.
Mas quem cuida do alivio do sofrimento, do ser humano, da pessoa; quem avalia o
que seria melhor para ele nesse momento? Claro, ninguém! Como ajuda-lo a
suportar os últimos dias com dignidade? A medicina não cuida mais das pessoas,
a medicina realiza procedimentos.
O meu amigo está tomando prolopa,
para os tremores; esomeprazol, para a acidez do estômago; redoxon zinco,
vitamina C mais zinco; metformina, para reduzir a glicemia; alopurinol, para
reduzir o ácido úrico; striverdi, um brônquio dilatador; oximax, um corticoide;
diovan, para hipertensão; clorid sertralina, outro para a pressão; spiriva,
para depressão; macrodantina, para evitar infecções, talvez pelo uso frequente
de sonda para urinar; DEA, que não sei para que serve, nem vou procurar saber;
clorid propranolol, para ansiedade; e cialis, que vocês sabem para que serve.
Sinceramente, são 14 medicamentos diários, e nenhum para a neuropatia
progressiva. As 9 horas ele toma 12 medicamentos de uma só vez, a cuidadora me
observou contente: - “ele engole com facilidade, não me dar trabalho”. Como um
organismo, já debilitado, reage a isso?
Tenho uma profunda desconfiança
que não estamos no caminho certo. Talvez o que a medicina por procedimentos tem
a oferecer aos que precisam aliviar os seus sofrimentos nessas horas, que todos
haveremos de passar, não seja um conforto, uma ajuda, uma boa companhia.
Tela: Einsam? (Solidão?), de
Martin Kippenberger.
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