Médicos e Curandeiros (parte I)
Antônio Samarone.
Academia Sergipana de Medicina.
A partir da
segunda metade do século XIX, os médicos no Brasil, desenvolveram um amplo
programa de lutas para consolidarem a exclusividade do exercício da assistência
à saúde no Brasil. No período do Brasil colônia o exercício da atividade médica
foi informe e dispersa, não exercendo os médicos funções socialmente relevante.
A luta pela constituição de um campo
médico sólido e reconhecido, foi uma batalha travada com acentuadas
dificuldades e muitos enfrentamentos.
“Nos dois primeiros séculos, os profissionais da Arte de
curar foram de humilde condição, classificando-se como homens de ofício,
socialmente inferiores a nobres e burgueses. Não ocuparam posições de relevo na
sociedade ou na administração. Não alcançaram prestígio ou fortuna.” (Santos,
1981, p. 309).
A disputa
ocorreu principalmente com outras formas de medicina, com outros saberes, com
curandeiros e charlatães. O discurso da higiene, as medidas de engenharia
sanitária e a comprovada eficácia no combate a algumas enfermidades contagiosas,
a partir da revolução bacteriológica, deram aos médicos expressiva vantagem
diante dos concorrentes.
A disputa pela
hegemonia entre os médicos de formação européia e os curandeiros nativos nem
sempre apontava vantagens para os primeiros. O uso dos simplices importados,
pouco conhecidos em nossas doenças, muitas vezes não tinha resultados
satisfatórios. O herbanário local era rico e variado, e de domínio pelos
curandeiros. A aceitação pública da medicina científica ocorreu com muita
resistência no Brasil do século XIX. A identificação da etiologia microbiana, a
eficácia no combate a algumas moléstias contagiosas, a redução da mortalidade
foram decisivos no processo de aceitação e convencimento. O Estado, ao
regulamentar o exercício profissional, aplicou o golpe fatal nas medicinas
alternativas (indígena, africana, popular portuguesa, etc.).
No inicio do
século XX a hegemonia era absoluta. O exercício profissional por pessoas não
diplomadas foi criminalizadas, e apresentada com um risco em potencial para a
sociedade. A medicina estendeu seus tentáculos para quase todos os aspectos da
vida: nascer, morrer, trabalhar, estudar, casar, etc. passaram a necessitarem
da supervisão médica. Mesmo outros profissionais diplomados, como Dentistas,
Parteiras, Enfermeiros e Farmacêuticos foram consideradas “profissões anexas” à
medicina, “Paramédicos”, ou que nome recebessem, eram consideradas linhas
auxiliares dos médicos, sem, contudo, jamais ameaçarem a tranqüila hegemonia
dos Esculápios.
O surgimento
da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1829), expressou o
inicio da organização da fração médica para hegemonizar o campo da Saúde. A
Sociedade centra-se em dois objetivos: lutar pela higiene pública e pela defesa
da ciência médica. As criações das Faculdades de Medicina (Salvador e Rio de
Janeiro) foram determinantes nessa luta.
“Desde a sua criação, as Faculdades tratam de controlar o
exercício da profissão. A lei de 03 de outubro de 1832, que as instituiu,
determinou que sem título conferido ou aprovado pelas Faculdades de Medicina do
Brasil ninguém poderá curar, partejar ou ter botica”. (MACHADO, 1978, P. 192 e 193).
Após a
garantia de exclusividade no exercício da atenção à saúde, os charlatões foram
impedidos por lei de exercerem suas atividades, os médicos ampliam seus
objetivos para dentro do próprio campo. Os primeiro visados são os cirurgiões
em suas várias formas (barbeiros, cirurgiões-barbeiros, cirurgiões práticos,
sarjardores, dentistas, sangradores, aplicadores de ventosas, etc).
Barbeiros
foram os indivíduos que, além de cortar cabelo e fazer a barba, praticavam a
pequena cirurgia, isto é, sangravam, escarificavam, aplicavam ventosas,
sanguessugas e clisteres, lancetava abscessos, faziam curativos, incisavam
prepúcios, tratavam mordeduras de cobras, arrancavam dentes.
Foram dados
prazos a todos para encerarem suas atividades. Aos cirurgiões diplomados foi
dada a chance de revalidar seus diplomas, defenderem tese nas Faculdades, e
transformarem-se em médicos. Médicos e Cirurgiões passaram a sem uma mesma
atividade profissional. Um decreto legislativo (15.07.1848) considerou
habilitado para exercer qualquer ramo da medicina no Brasil os cirurgiões
aprovados pelas Academias do Império. Era o fim da discriminação e o
desaparecimento das diferenças entre cirurgiões e médicos (físicos).
“Considerada indigna dos Físicos, durante séculos a
cirurgia foi exercida por gente de baixa condição social, pois não passava de
um ofício manual. O ensino era feito diretamente por um mestre. Era o cirurgião
barbeiro. Outra forma de ensino de cirurgia era a que ocorria nos hospitais.
Nos séculos XVII e XVIII a alta cirurgia constava de trepanação, operação de
hérnia, cauterização de tumores, lancetamento de abscessos e tumorações,
extração de cálculos vesicais e operação de catarata”. (SANTOS, 1981, P. 294).
O segundo
grupo enquadrado foi o das Parteiras. Durante todo o período de Colônia e mesmo
durante o século XIX a obstetrícia era praticada pelas parteiras e pelas
comadres ou aparadeiras. Os médicos só eram chamados nos casos complicados.
As parteiras
francesas não só realizavam os partos, como também sangravam, vacinavam e
tratavam das moléstias do útero. A mais célebre e a mais conhecida foi à madame
Durocher, Maria Josefina Matilde Durocher, nasceu em Paris em 1908 e faleceu no
Rio de Janeiro em 1893. Foi membro titular da Academia Imperial de Medicina. A
primeira mulher a merecer tal distinção.
Para exercer
a profissão, tanto as parteiras estrangeiras como as nacionais, precisava
submeter-se a um exame perante o delegado do Cirurgião Mor, para obter a “carta
de examinação”, que deveria ser registrada nos livros das Câmaras Municipais.
Com a
criação das Faculdades (1832), três cursos passaram a serem ofertados:
medicina, parto e farmácia. Inicialmente a intervenção restringiu-se ao
controle na formação e no exercício da atividade de partejar, mas logo em
seguida as habilidades inerentes à profissão foram incorporadas como uma fração
do corpo médico (a obstetrícia). As pessoas que já possuíam o diploma de
parteira, e mesmo as curiosas, continuaram a exercerem as suas atividades,
consentidamente, por boa parte de todo o século XX.
Durante o
século XIX não houve a criação de maternidades anexas às faculdades de
medicina. Data de 1877 a fundação da primeira maternidade na Capital do
Império. A Maternidade Santa Isabel, que teve o Dr. José Rodrigues dos Santos
como seu diretor.
muito legal o texto. Parabéns, bem explicado e tudo mais.
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