segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Médicos e Curandeiros (parte I)



Médicos e Curandeiros (parte I)
 
Antônio Samarone.
Academia Sergipana de Medicina.

 
A partir da segunda metade do século XIX, os médicos no Brasil, desenvolveram um amplo programa de lutas para consolidarem a exclusividade do exercício da assistência à saúde no Brasil. No período do Brasil colônia o exercício da atividade médica foi informe e dispersa, não exercendo os médicos funções socialmente relevante. A luta  pela constituição de um campo médico sólido e reconhecido, foi uma batalha travada com acentuadas dificuldades e muitos enfrentamentos.
“Nos dois primeiros séculos, os profissionais da Arte de curar foram de humilde condição, classificando-se como homens de ofício, socialmente inferiores a nobres e burgueses. Não ocuparam posições de relevo na sociedade ou na administração. Não alcançaram prestígio ou fortuna.” (Santos, 1981, p. 309).

A disputa ocorreu principalmente com outras formas de medicina, com outros saberes, com curandeiros e charlatães. O discurso da higiene, as medidas de engenharia sanitária e a comprovada eficácia no combate a algumas enfermidades contagiosas, a partir da revolução bacteriológica, deram aos médicos expressiva vantagem diante dos concorrentes.
A disputa pela hegemonia entre os médicos de formação européia e os curandeiros nativos nem sempre apontava vantagens para os primeiros. O uso dos simplices importados, pouco conhecidos em nossas doenças, muitas vezes não tinha resultados satisfatórios. O herbanário local era rico e variado, e de domínio pelos curandeiros. A aceitação pública da medicina científica ocorreu com muita resistência no Brasil do século XIX. A identificação da etiologia microbiana, a eficácia no combate a algumas moléstias contagiosas, a redução da mortalidade foram decisivos no processo de aceitação e convencimento. O Estado, ao regulamentar o exercício profissional, aplicou o golpe fatal nas medicinas alternativas (indígena, africana, popular portuguesa, etc.).
No inicio do século XX a hegemonia era absoluta. O exercício profissional por pessoas não diplomadas foi criminalizadas, e apresentada com um risco em potencial para a sociedade. A medicina estendeu seus tentáculos para quase todos os aspectos da vida: nascer, morrer, trabalhar, estudar, casar, etc. passaram a necessitarem da supervisão médica. Mesmo outros profissionais diplomados, como Dentistas, Parteiras, Enfermeiros e Farmacêuticos foram consideradas “profissões anexas” à medicina, “Paramédicos”, ou que nome recebessem, eram consideradas linhas auxiliares dos médicos, sem, contudo, jamais ameaçarem a tranqüila hegemonia dos Esculápios.
O surgimento da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1829), expressou o inicio da organização da fração médica para hegemonizar o campo da Saúde. A Sociedade centra-se em dois objetivos: lutar pela higiene pública e pela defesa da ciência médica. As criações das Faculdades de Medicina (Salvador e Rio de Janeiro) foram determinantes nessa luta.
“Desde a sua criação, as Faculdades tratam de controlar o exercício da profissão. A lei de 03 de outubro de 1832, que as instituiu, determinou que sem título conferido ou aprovado pelas Faculdades de Medicina do Brasil ninguém poderá curar, partejar ou ter botica”. (MACHADO, 1978, P. 192 e 193).
   
Após a garantia de exclusividade no exercício da atenção à saúde, os charlatões foram impedidos por lei de exercerem suas atividades, os médicos ampliam seus objetivos para dentro do próprio campo. Os primeiro visados são os cirurgiões em suas várias formas (barbeiros, cirurgiões-barbeiros, cirurgiões práticos, sarjardores, dentistas, sangradores, aplicadores de ventosas, etc).
Barbeiros foram os indivíduos que, além de cortar cabelo e fazer a barba, praticavam a pequena cirurgia, isto é, sangravam, escarificavam, aplicavam ventosas, sanguessugas e clisteres, lancetava abscessos, faziam curativos, incisavam prepúcios, tratavam mordeduras de cobras, arrancavam dentes.
Foram dados prazos a todos para encerarem suas atividades. Aos cirurgiões diplomados foi dada a chance de revalidar seus diplomas, defenderem tese nas Faculdades, e transformarem-se em médicos. Médicos e Cirurgiões passaram a sem uma mesma atividade profissional. Um decreto legislativo (15.07.1848) considerou habilitado para exercer qualquer ramo da medicina no Brasil os cirurgiões aprovados pelas Academias do Império. Era o fim da discriminação e o desaparecimento das diferenças entre cirurgiões e médicos (físicos).
“Considerada indigna dos Físicos, durante séculos a cirurgia foi exercida por gente de baixa condição social, pois não passava de um ofício manual. O ensino era feito diretamente por um mestre. Era o cirurgião barbeiro. Outra forma de ensino de cirurgia era a que ocorria nos hospitais. Nos séculos XVII e XVIII a alta cirurgia constava de trepanação, operação de hérnia, cauterização de tumores, lancetamento de abscessos e tumorações, extração de cálculos vesicais e operação de catarata”. (SANTOS, 1981, P. 294).

O segundo grupo enquadrado foi o das Parteiras. Durante todo o período de Colônia e mesmo durante o século XIX a obstetrícia era praticada pelas parteiras e pelas comadres ou aparadeiras. Os médicos só eram chamados nos casos complicados.
As parteiras francesas não só realizavam os partos, como também sangravam, vacinavam e tratavam das moléstias do útero. A mais célebre e a mais conhecida foi à madame Durocher, Maria Josefina Matilde Durocher, nasceu em Paris em 1908 e faleceu no Rio de Janeiro em 1893. Foi membro titular da Academia Imperial de Medicina. A primeira mulher a merecer tal distinção.
Para exercer a profissão, tanto as parteiras estrangeiras como as nacionais, precisava submeter-se a um exame perante o delegado do Cirurgião Mor, para obter a “carta de examinação”, que deveria ser registrada nos livros das Câmaras Municipais.
Com a criação das Faculdades (1832), três cursos passaram a serem ofertados: medicina, parto e farmácia. Inicialmente a intervenção restringiu-se ao controle na formação e no exercício da atividade de partejar, mas logo em seguida as habilidades inerentes à profissão foram incorporadas como uma fração do corpo médico (a obstetrícia). As pessoas que já possuíam o diploma de parteira, e mesmo as curiosas, continuaram a exercerem as suas atividades, consentidamente, por boa parte de todo o século XX.
Durante o século XIX não houve a criação de maternidades anexas às faculdades de medicina. Data de 1877 a fundação da primeira maternidade na Capital do Império. A Maternidade Santa Isabel, que teve o Dr. José Rodrigues dos Santos como seu diretor.

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