terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

CAMINHO SEM VOLTA


Caminho sem volta.
(por Antonio Samarone)

Serafim de Zé de Germano, de Maria Gorda, 68 anos, velho malufista, já embarcou. Aproveitou uma vaga na boleia da Mercedinha de Berro Grosso, que, quinzenalmente, leva castanha do Carrilho para a baixada santista.

Serafim foi ao protesto de Bolsonaro na Paulista.

Serafim levou no matulão as frutas que mais gosta: ingá, juá, imbu, murici, pitomba, seriguela e cajarana. Duas mangas e três pencas de bananas pratinhas. Uma mochila com castanha assada, farofa e torresmos.

Ele vai na esperança que o golpe ainda tenha jeito. E, quem sabe, ele não esteja de todo errado. No Brasil, a fascismo está a caminho, dizem os mais velhos. Serafim teme a volta da Coluna Prestes.

Um tio de Serafim, que morava no Aracaju na década de 1950, era integralista, daqueles que desfilava de camisa verde com o sigma na manga e gritava anauê, mesmo em saudações banais.

Um sobrinho, foi preso no quebra-quebra de Brasília. Não ficou na Papuda, mas ainda não voltou para Itabaiana. Caiu na clandestinidade. Talvez, eles se encontrem na Paulista.

Ele espera que Lula não tenha mais idade para disputar a reeleição, ou morra antes. Nesse caso, a direita voltaria ao poder pelo voto. Mas não é esse o seu desejo. Serafim quer um regime de força.

Se fala que o seu bisavô, Germaninho, morreu em Canudos, guiando as tropas contra Conselheiro e o seu avô, Germano, lutou contra a Coluna Prestes, na Paraíba. Serafim teve a quem puxar.

Serafim é natural do povoado Flechas. Professor aposentado. Mora num pequeno sítio improdutivo. Meia tarefa. Ele é obreiro de uma igreja de crentes, na Sambaíba. O Pastor só vai a cada 15 dias, recolher o dízimo sagrado.

Ele deixou as chaves da igreja com a esposa. Não sabe quando volta. O pagamento do dízimo foi suspenso.

Eu conheço a família, a mulher e os filhos de Serafim. O seu avô foi ajudante de ferreiro, quando retornou da Paraíba. Muito conhecido nas Flechas.

Serafim é cabeça dura, acredita que os comunistas estão em Brasília, no Governo Lula. Aquele comuna do Maranhão, Flávio Dino, é o chefe. Compara Xandão a Stalin. E lá se foi, cumprir uma sina familiar.

A família não concorda, acha que isso é coisa do passado, mas não sabe como impedi-lo. Serafim é do tempo do carrancismo.

Ele viajou só, sem mala, duas camisas amarelas amarrotadas, um matulão, carteira de identidade e trezentos contos no bolso. Levou o número do telefone de uma prima, que ele não vê há 30 anos. Zefa de Caçulo, a parente, mora em Heliópolis, a maior favela de São Paulo.

É o Brasil! Quem pensa que o pensamento de direita é exclusividade da classe média, engana-se. Serafim já seguiu Maluf, Collor e agora Bolsonaro.

Fazer o quê? Ele acha que está indo salvar o Brasil do credo vermelho.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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