O Direito a Ranzinzice.
(por Antonio Samarone)
Nos últimos 50 anos, assisti um empoderamento das crianças e uma perda de importância dos velhos.
Eu peguei a transição: quando eu era menino os velhos eram poucos, mas pesavam socialmente. Os meninos não tinham vontades, nem quereres. Eu envelheci e tudo mudou: os meninos se empoderaram, mandam até nos pais e nos professores. Já os velhos foram renegados.
Antes.
Num congresso estudantil, os jovens pediram um conselho a Nelson Rodrigues. Ele foi sucinto: - “Envelheçam!”. Era uma velhice ciosa da sua importância.
Atualmente.
Assisti a um seminário estudantil recente, na Faculdade de Medicina da UFS, onde uma consagrada decana, experiente, professora doutora, acrescentava um exagerado comentário elogioso após cada apresentação dos alunos. Ela sabia da superficialidade, mas fazia média, jogava para a plateia, para agradar aos poderosos jovens.
“Apresentação encantadora”, repetia acriticamente a decana. São tempos!
A ideologia da eterna juventude nega a velhice, como se fosse possível. É mentira, que só é velho quem quer ou que a velhice é a melhor idade. A velhice é uma experiência onde entramos derrotados. Não se vence a morte.
Essa negação da velhice tornou a empatia dos mais jovens com os velhos difícil. A velhice e a morte são afastadas da reflexão, escondidas, negadas. Não existe interesse pelas experiências dos que estão envelhecendo.
Os velhos não são mais os depositários da cultura e de sabedoria. Quando se tem dúvidas, consulta-se o Google. Se consome avidamente as novidades. As ideias antigas perderam imotivadamente o prestígio.
A ideia do próprio envelhecimento não é objeto de reflexão.
Abandonou-se a convivência com a velhice. Perdemos os benefícios das poucas, más valiosas vantagens.
Por exemplo:
Exercer o direito a ranzinzice. O direito a dizer o que se pensa na cara do mal-assombrado, quando quiser, sem mediações nem arrodeio.
Exercer plenamente o direito a impaciência. Usar a surdez como proteção à enxurrada diária de bobagens.
Fazer o bom uso do enfraquecimento natural da memória, facilitadora do desapego. As boas lembranças fortalecem e a saudade nos apega à vida. Não falo do fim da memória, O fim da memória é a demência, o apagamento, a morte antecipada do espírito.
Falo dos benefícios do esquecimento seletivo.
Estive pensando em nossos asilos, hoje chamados “casas de repouso”, são desertos de solidão. Somos obrigados a conviver com gente desconhecida. Por que não pensamos em comunidades de amigos?
No Brasil, os velhos estão condenados a solidão e muitos ao desamparo e maus tratos.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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