quarta-feira, 14 de julho de 2021

DEMÊNCIA, UMA EPIDEMIA SILENCIOSA.


 

Demência – Uma Epidemia Silenciosa.
(por Antonio Samarone)

A demência é um declínio cognitivo crônico e progressivo. A medicina conhece vários tipos: as demências vasculares; por Parkinson; senil; fronto-temporal; de Pick; com corpos de Lewy e o Alzheimer (a mais comentada).

A incidência é assustadora. Em pessoas acima de 80 anos, a demência se aproxima a 30%.

A principal causa das demências é o envelhecimento. O século XX triplicou a vida média. Em pouco tempo, os idosos deixaram de ser uma reduzida minoria. A pirâmide etária foi invertida.

Com exceção do período antediluviano bíblico, onde se vivia muito, Matusalém viveu 969 anos em pleno comando de suas faculdades mentais, a humanidade nunca enfrentou o problema da velhice. A vida média no Brasil era de 29 anos, no início do século XX. Se envelhecia muito cedo, aos 40 anos.

Galeno (130 – 200) acreditava que o declínio associado com a velhice começaria por volta dos 56 anos. A demência (demens – sem mente) vinha a seguir.

Os antigos sonhavam com o “elixir da longa vida”, com a possibilidade de retardamento da velhice e a eterna juventude. Parece que esse sonho continua atual, com o aval da ciência. Se procura até hoje uma cura para a velhice.

O famoso Paracelso (1493 – 1541) acreditava que se poderia viver até 600 anos. Francis Bacon (1561 – 1626) confiava que a ciência iria descobrir uma forma de preservar o calor vital.

O século XIX tentou várias formas de rejuvenescimento, como o implante de testículo e enxerto glandulares. O extrato de testículos bovinos era bem vendido nas lojas de produtos naturais.

Na medicina antiga, a melancolia era um prenuncio da demência.
Cuidar dos caducos que perdiam o tino, era responsabilidade das famílias. A demência era o destino de quem endurecia as artérias, os esclerosados, assim como as vítimas de AVC (o miolo mole, o amolecimento cerebral). Não se conhecia a capacidade de regeneração do cérebro.

A maioria das demências decorriam da arteriosclerose cerebral, que poderia ser causada pelo álcool, fumo, pressão alta, sífilis e envelhecimento (a causa principal). Era a crença médica.

A melhoria da qualidade de vida e a medicina prolongaram a vida, sem ter encontrado uma solução para as doenças crônicas degenerativas, típicas da velhice. No máximo, tornaram os idosos em clientes da indústria farmacêutica.

A Demência é uma doença do espírito, com a abolição da capacidade racional, com o enfraquecimento do entendimento e da memória.

As mudanças sociais tornaram a demência mais visível. A redução do suporte familiar, arrebanhou os idosos em asilos e enfermarias geriátricas. Os problemas dos idosos saíram do secreto “seio familiar” para as instituições médicas.

A Salpêtrière foi a primeira instituição científica geriátrica. Os hospitais parisienses, Salpêtrière e Bicêtre, acumulavam no final do século XIX, mais de 4 mil velhos apinhados como sardinhas.

Charcot (1825 – 1893) incluía entre as doenças típicas da velhice: o marasmo senil; a atrofia do cérebro e a calcificação dos vasos sanguíneos.

Morel (1809 – 1873), psiquiatra francês, acreditava que a demência era uma doença degenerativa do cérebro, hereditária e progressiva.

O estado depressivo nos idosos, a melancolia senil, era tido como uma prova dessa degeneração orgânica. A demência era vista como uma fatalidade. O pessimismo sobre o envelhecimento alcançou o cume.

Emil Kraepelin (1856 – 1926), o papa da psiquiatria orgânica, discordava das teses degeneracionistas das doenças mentais e da conexão direta entre envelhecimento, melancolia e demência. A descoberta de Alois Alzeheimer (1864 – 1915) desafiou a ideia da degenerescência natural da senilidade, reforçando o pensamento de Kraepelin.

A geriatria é filha da neuropsiquiatria. Surgiu no mesmo ninho. Os velhos foram submetidos ao olhar exclusivo dos médicos, ao longo do século XX.

A psiquiatria cuidava da demência aguda (estupor), da demência precoce (esquizofrenia) e das demências vesânicas. E mais nada! Hoje, a velhice está medicalizada. A medicina vende a ilusão de enfrentar os problemas da condição humana.

A ciência resolve alguns problemas e cria outros. Diagnosticar a demência por testes de memória, corre o risco de se patologizar o esquecimento natural e até necessário da vida, o esquecimento benigno.

Ocorre que, os serviços públicos de saúde e a sociedade têm encarado a demência como uma fatalidade esquecida.

A demência não é um estágio obrigatório da vida, mas uma doença definida. Se não existe cura, existe a prevenção; se não podemos evitá-la, podemos retardá-la. É o discurso médico!

O Alzheimer tornou-se um grave problema de Saúde Pública no século XXI? Ou o que está em jogo são os interesses econômicos envolvidos na definição de uma “cultura alzeheimer” e na medicalização da velhice?

As alternativas não são excludentes!

A novidade histórica do envelhecimento em massa das populações suscita novos problemas. Recrudesce e acentua os antigos. O drama da velhice é repleto de surpresas.

Caducos do Mundo, Uni-vos!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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