domingo, 3 de novembro de 2019

ASSIM FALOU PEDRO DE ANITA



Assim falou Pedro de Anita. (por Antônio Samarone) 

Um dos males da velhice, da inatividade obrigatória, é o fim dos domingos, feriados e dias santos. Os dias tornam-se iguais. Natal, São João, Carnaval, tudo vira um segunda-feira cinzenta. O feriadão só é dadivoso para quem trabalha por necessidade.

Pedro gostava do ócio em si, do ócio pelo ócio. Para ele, todos os dias eram santos.

Pedro só usava óculos com armação de “casco de tartaruga”, escuras, pesadas, daquelas que envelhecem as aparências em pelo menos 20 anos. Para evitar a falsidade natural dos amigos nos cumprimentos: “como você está novo, não envelhece, qual é a fórmula?”

Essa cortesia era abusiva, todos diziam a mesma coisa: “você está muito bem”. É como se as pessoas esperassem nos encontrar moribundos, caquéticos, acabados, ou quisessem o mesmo afago de volta.

Pedro definia-se como um “saudável moribundo”. Nunca teve pretensões à imortalidade e gostava da velhice.

A leitura de Nietzsche agravou a confusão na mente de Pedro. Ele citava de memória:

“A terra será ocupada pelo derradeiro homem, que vai apequenar todas as coisas. Sua laia é indestrutível, ele viverá por muito tempo. Um pouco de veneno tornará os seus sonhos agradáveis.”

Pedro acreditava que esse veneno era o álcool. Ainda não existiam outras drogas em Itabaiana. A maconha só era usado ritualisticamente por iniciados.

“Meu amigo! Os homens mataram Deus e não sabem o que fazer sem ele. O que Nietzsche queria dizer com a criação do super-homem?” Pedro de Anita perguntava sem saber a resposta, nem ninguém em Itabaiana sabia. Aquilo parecia conversa de doido.

Pedro encerrava as conversas com uma exortação nietzschiana: “Dai-me a loucura, divino mestre, para que eu possa acreditar em mim mesmo”. 

Esse pedido, Deus atendeu!

Antônio Samarone.

A tela acima é de Tolstoi. 

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