domingo, 30 de agosto de 2015

AS DOENÇAS DO MUNDO


AS DOENÇAS DO MUNDO.

Antonio Samarone
Academia Sergipana de Medicina


As doenças do mundo perderam a sua relevância cultural, passaram a se chamar “doenças sexualmente transmissíveis (DST), surgiu a AIDS, e as temidas doenças venéreas perderam o encantamento, deixaram de simbolizar o pecado, a perda da virgindade masculina, o rito de passagem para a maturidade. Os adolescentes enchiam o peito com orgulho e se gabavam: - “peguei uma gonorreia”, ou, querendo ser discreto: - “porra, como a benzetacil dói”, que todo mundo entendia.  Ninguém mais alardeia que tem gonorreia ou blenorragia...
A milenar gonorreia (gonos = espermatozoide + rhoia = corrimento), pela confusão do exsudato purulento com o sêmen; a mais disseminada, era conhecida na china antiga, citada no antigo testamento e batizada por Galeno. O germe causador só foi descoberto em 1879, pelo médico alemão Albert Neisser, e recebeu o nome de “Neisseria gonorrehoea”, em homenagem ao descobridor. A gonorreia só encontrou tratamento na década de 1930, com as sulfas; e com mais eficácia, a partir de 1942, com a penicilina.
Havia uma crença que a doença voltava com o uso de alimentos reimosos ou carregados, em quem sentasse em cadeira quente, principalmente de barbeiro, ou quem usa-se vestuário de pessoa infectada. Os cabarés eram chamados de pinga pus, por conta da devastação da gonorreia nas “mulheres da vida”.
O intrigante é que a doença não foi controlada, pelo contrário, a incidência tem aumentado muito, mas ninguém se dar mais conta da sua existência. A temível gonorreia não mete mais medo, não assusta, tornou-se uma doença ignorada.
Outra doença do mundo, bem mais nova e bem mais grave, surgida no século XVI, a grande pústula, morbus gallicus, mal napolitano, entre tantas denominações, assustou o mundo. Em 1530, Girolamo Fracastoro, médico e poeta de Verona, publicou seu poema “Syphilis Sive Morbus Gallicus”, no modelo das Geórgicas de Virgílio, onde a doença é descrita como uma punição de Apolo ao jovem e bonito pastor Sífilo, por ter sido insultado pelo mesmo. A fama do poema consolidou sífilis como o nome da doença. A descoberta que Treponema pallidum era a causa da sífilis, ocorreu em 1905, por Fritz Schaudinn e Erich Hoffmann.
A sífilis primária despontava como nome de cranco duro. Mesmo sendo doenças bem menos agressivas, curioso, o medo maior era do cranco mole, conhecido como “cavalo”, causado pelo Haemophilus ducreyi, com pequenas feridas purulentas nos órgãos genitais e que terminavam numa íngua insuportável; e do linfogranuloma venéreo, conhecido como “mula”, causada pela Chlamydia trachomatis, gerando um bulbo purulento na região inguinal. Em Itabaiana, chegou um desavisado com mula, Dr. Pedro Garcia Moreno rasgava, e ainda por cima, não abria mão de um exame da próstata, com o seu enorme dedo rombudo. Tudo pela saúde pública.
A distorção devia-se ao fato do cranco duro “recolher” com o tempo, ficando o infeliz à espera da sífilis secundária; já a mula, os médicos acreditavam que deveria ser “rasgada”, mesmo sem evidencias do menor benefício, e o cavalo causava uma dor insuportável. A sífilis (cranco duro), o cavalo e a mula também saíram de moda, acompanharam a gonorreia. Nunca mais soube-se de alguém conhecido reclamando nem de mula nem de cavalo, mas a sua ocorrência continua avançando.
Claro, a infestação por “chatos”, o popular Phthirus púbis; atingia até as sobrancelhas; a “crista de galo”, causado pelo Papilomavirus humano; essas desapareceram de vez. Para evitar desmentidos, as doenças do mundo desapareceram do universo de preocupação das pessoas, mas continuam vivas e saudáveis, apenas deixaram de ser do mundo. 

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