Memento mori
(por Antonio Samarone)
Amanheci na Igreja dos Capuchinhos, no Bairro América, para submeter-me a imposição das cinzas. Talvez o mais humano dos rituais cristãos. Um cego procurando a luz na imensidão do Cosmo.
Aceitar a imposição das cinzas é um reconhecimento da fragilidade da condição humana. Um ritual do cristianismo primitivo.
A única verdade absoluta: “Tu és pó e ao pó retornarás.” Crentes e ateus submetem-se a esse destino. É um sinal de penitência, arrependimento e conversão.
Na Roma antiga, quando um general vencia uma batalha, percorria a cidade em triunfo, saudado pelos cidadãos e acompanhado de um escravo que sussurrava em seu ouvido uma expressão em latim: “memento mori”, Lembra-te de que morrerás.
O ateu materialista, puro-sangue, deu lugar ao agnóstico, ao cético. Hoje, luta é pelo ré encantamento do mundo. A fronteira entre o crente e o descrente estreitou-se.
O Frade capuchinho, para minha surpresa, não falou da morte. Nem da condição humana. Disse que era a entrada da quaresma e mudou de toada. Pregou sobre a vida! Glorificou o lema da Campanha da Fraternidade: “Ecologia Integral – Deus viu que tudo era muito bom”. Igreja sai em defesa do planeta.
A teologia da libertação voltou, pela via ambiental. Enquanto o César americano, cheio de soberba, prega o avanço sobre a terra, a exploração sem limites dos combustíveis fósseis. Nega a crise climática! Rompe com o acordo de Paris. A Igreja do Papa Francisco clama em defesa da natureza.
“Estou corajoso para falar ao meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18, 27).
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana)
quarta-feira, 5 de março de 2025
domingo, 2 de março de 2025
O CARNAVAL DO DESCANSO
O Carnaval do Descanso.
(por Antonio Samarone).
O domingo de carnaval em Aracaju, amanheceu em silêncio. O reinado de Momo é tempo de descanso. Por aqui, quem gosta de folia já viajou. O carnaval é comer, beber e descansar.
Culturalmente, Aracaju é uma cidade neutra. Sem uma marca cultural. Sem manifestações originais. Procurei saber as opções para o carnaval e são oferecidos passeios (Orla Por do Sol, Croa do Goré, Museu da Gente Sergipana, Orla da Atalaia e a Passarela dos Caranguejos).
Não estou me queixando, nada pessoal. Estou falando do carnaval que vejo no Aracaju. Por mim, passaria o carnaval em trilhas ambientais, fazendo ecoturismo. Adoro esses passeios no Vaza Barris.
Em Aracaju nada de blocos, desfiles, carnaval de rua. Nem os antigos bailes de carnaval em clubes. Sim, eu sei, tem o rasgadinho. Existem manifestações isoladas de foliões insistentes. Aqui, ali e acolá.
As festas em Aracaju são plágios da Bahia. Não do tropicalismo, da boa música baiana; plagiamos a raiz mercadológica do axé. As festas são organizadas, via de regra, pelo Poder Público, em busca de legitimidade entre os jovens.
Aracaju, culturalmente, produz e consome o que vem de fora. A nossa principal TV aberta está transmitindo o circuito Barra/Ondina. A política cultural em Sergipe é ditada pelos empresários da cultura. Vai do folclorismo ao provincialismo.
A Prefeita Emília, Leoa de Judá, poderia aproveitar a tranquilidade carnavalesca de Aracaju, para promover o turismo de descanso, para quem não gosta do furdunço. Tenho certeza que seria um destino muito procurado.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
(por Antonio Samarone).
O domingo de carnaval em Aracaju, amanheceu em silêncio. O reinado de Momo é tempo de descanso. Por aqui, quem gosta de folia já viajou. O carnaval é comer, beber e descansar.
Culturalmente, Aracaju é uma cidade neutra. Sem uma marca cultural. Sem manifestações originais. Procurei saber as opções para o carnaval e são oferecidos passeios (Orla Por do Sol, Croa do Goré, Museu da Gente Sergipana, Orla da Atalaia e a Passarela dos Caranguejos).
Não estou me queixando, nada pessoal. Estou falando do carnaval que vejo no Aracaju. Por mim, passaria o carnaval em trilhas ambientais, fazendo ecoturismo. Adoro esses passeios no Vaza Barris.
Em Aracaju nada de blocos, desfiles, carnaval de rua. Nem os antigos bailes de carnaval em clubes. Sim, eu sei, tem o rasgadinho. Existem manifestações isoladas de foliões insistentes. Aqui, ali e acolá.
As festas em Aracaju são plágios da Bahia. Não do tropicalismo, da boa música baiana; plagiamos a raiz mercadológica do axé. As festas são organizadas, via de regra, pelo Poder Público, em busca de legitimidade entre os jovens.
Aracaju, culturalmente, produz e consome o que vem de fora. A nossa principal TV aberta está transmitindo o circuito Barra/Ondina. A política cultural em Sergipe é ditada pelos empresários da cultura. Vai do folclorismo ao provincialismo.
A Prefeita Emília, Leoa de Judá, poderia aproveitar a tranquilidade carnavalesca de Aracaju, para promover o turismo de descanso, para quem não gosta do furdunço. Tenho certeza que seria um destino muito procurado.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
sábado, 1 de março de 2025
GENIOS ESQUECIDOS - ITABAIANA, 350 ANOS.
Gênios esquecidos – Itabaiana, 350 anos.
(por Antonio Samarone)
O sucesso musical não depende só do talento. Nas décadas de 1970/80, a centenária filarmônica de Itabaiana hibernava, sob o comando do maestro Antonio Melo: um exímio saxofonista, portador de impaciência crônica.
Vindo de Riachão dos Dantas, chegou em Itabaiana o Camarada João de Matos, operário, marceneiro, uma divindade da música.
Como o mundo não para. A diretora do Colégio Murilo Braga, Maria Pereira, recebeu um estoque de instrumentos musicais, com a tarefa de criar uma banda marcial.
Faltavam os músicos. Dona Maria Pereira contratou o maestro João de Matos para formá-los. O que ninguém sabia: o maestro, um carpinteiro comunista, vindo do Riachão dos Dantas, era um excepcional professor de música.
Com a missão de organizar a banda do Colégio, João de Matos formou uma geração de músicos, uma safra talentosa, que depois, sob o comando de Valtênio, retomaram a velha Filarmônica e outros saíram pelo Brasil fazendo sucesso.
Das aulas do comunista João de Matos, despontaram:
Wellington Mendes (professor de música na Bahia); Zé Aroldo (saxofonista e professor do Conservatório); Valtênio (trompete, maestro da filarmônica); Gustavo de Bobó; Jorge Pi, compositor de sucesso; Roberto Wagner, sobrinho de Dr. Millet (trombone com vara, maestro da sinfônica de Goiás); Hipólito na Tuba; Gene, um virtuose no Pistom e Alexandre Abraham, um gênio no trompete, que morreu cedo.
Uma enxurrada de músicos talentosos, todos alunos do Maestro João de Matos. Devo ter esquecido alguns. Itabaiana é uma terra de músicos, há 280 anos, desde a criação da Filarmônica, pelo Padre Francisco da Silva Lobo.
O clarinetista Luiz Americano foi um nome nacional, nasceu na Rua do Canto Escuro, em Itabaiana, mas como nunca declarou. Ao contrário de Mestrinho e Natanzinho.
Gente, além de Natanzinho (arrocha) e Mestrinho (forró), a produção musical em Itabaiana é profunda. Lembrei-me de Melciades (contrabaixo), Luiz de Mané de Jason (guitarra) e Raimundo (violão), ouvidos absolutos, que honram Itabaiana. Não esquecemos o talento da poetisa e cantora Antônia Amorosa.
Entre os gênios discípulos de João de Matos, destaco Alexandre Abraham, filho de Maria Agda Menezes e do judeus, José Abraham. Um bisneto de Alexandre Fava Pura.
Dedé Cachaça vaticinava: esse menino vai longe, filho de judeus, neto de Josué do Vinagre e sobrinho de Anchieta, será um gênio. E foi!
Para quem não é de Itabaiana: Anchieta foi a maior inteligência da minha geração. Descobria o segredo de qualquer cofre, no escuro. Educado, fala mansa, mas disposto a tudo. Anchieta metia medo e inspirava respeito.
Segundo a jornalista Clara Angélica Porto, Alexandre Abraham era um menino lindo. Pele bem branquinha, olhos verdes azeitona, loirinho.
Sobre o gênio musical de Alexandre, escreveu Clara: “Viveu em staccatos noturnos, dias em semibreves e fermatas; bebia a lua e adormecia o sol na melodia; gorjeava como um pássaro com as cornetas de onde arrancava sons voadores em golpes de língua com maestria.”
O doutor Rômulo, filho do goleiro Lessa, poeta, médico e filosofo, me fez um relato esclarecedor: “Alexandre tornou-se profissional da música, com grande capacidade de improvisação, jazzista e, com Aroldo e Melciades, fundaram a banda "Excalibur", que tocava nas noites aracajuanas.”
Alexandre morreu em casa, no Pereira Lobo, sozinho, com quarenta e poucos anos. Morreu como Chet Baker, o grande trompetista americano. Alexandre está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana.
Minhas homenagens a esses itabaianenses, virtuoses da música, que encantaram e encantam a vida.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
(por Antonio Samarone)
O sucesso musical não depende só do talento. Nas décadas de 1970/80, a centenária filarmônica de Itabaiana hibernava, sob o comando do maestro Antonio Melo: um exímio saxofonista, portador de impaciência crônica.
Vindo de Riachão dos Dantas, chegou em Itabaiana o Camarada João de Matos, operário, marceneiro, uma divindade da música.
Como o mundo não para. A diretora do Colégio Murilo Braga, Maria Pereira, recebeu um estoque de instrumentos musicais, com a tarefa de criar uma banda marcial.
Faltavam os músicos. Dona Maria Pereira contratou o maestro João de Matos para formá-los. O que ninguém sabia: o maestro, um carpinteiro comunista, vindo do Riachão dos Dantas, era um excepcional professor de música.
Com a missão de organizar a banda do Colégio, João de Matos formou uma geração de músicos, uma safra talentosa, que depois, sob o comando de Valtênio, retomaram a velha Filarmônica e outros saíram pelo Brasil fazendo sucesso.
Das aulas do comunista João de Matos, despontaram:
Wellington Mendes (professor de música na Bahia); Zé Aroldo (saxofonista e professor do Conservatório); Valtênio (trompete, maestro da filarmônica); Gustavo de Bobó; Jorge Pi, compositor de sucesso; Roberto Wagner, sobrinho de Dr. Millet (trombone com vara, maestro da sinfônica de Goiás); Hipólito na Tuba; Gene, um virtuose no Pistom e Alexandre Abraham, um gênio no trompete, que morreu cedo.
Uma enxurrada de músicos talentosos, todos alunos do Maestro João de Matos. Devo ter esquecido alguns. Itabaiana é uma terra de músicos, há 280 anos, desde a criação da Filarmônica, pelo Padre Francisco da Silva Lobo.
O clarinetista Luiz Americano foi um nome nacional, nasceu na Rua do Canto Escuro, em Itabaiana, mas como nunca declarou. Ao contrário de Mestrinho e Natanzinho.
Gente, além de Natanzinho (arrocha) e Mestrinho (forró), a produção musical em Itabaiana é profunda. Lembrei-me de Melciades (contrabaixo), Luiz de Mané de Jason (guitarra) e Raimundo (violão), ouvidos absolutos, que honram Itabaiana. Não esquecemos o talento da poetisa e cantora Antônia Amorosa.
Entre os gênios discípulos de João de Matos, destaco Alexandre Abraham, filho de Maria Agda Menezes e do judeus, José Abraham. Um bisneto de Alexandre Fava Pura.
Dedé Cachaça vaticinava: esse menino vai longe, filho de judeus, neto de Josué do Vinagre e sobrinho de Anchieta, será um gênio. E foi!
Para quem não é de Itabaiana: Anchieta foi a maior inteligência da minha geração. Descobria o segredo de qualquer cofre, no escuro. Educado, fala mansa, mas disposto a tudo. Anchieta metia medo e inspirava respeito.
Segundo a jornalista Clara Angélica Porto, Alexandre Abraham era um menino lindo. Pele bem branquinha, olhos verdes azeitona, loirinho.
Sobre o gênio musical de Alexandre, escreveu Clara: “Viveu em staccatos noturnos, dias em semibreves e fermatas; bebia a lua e adormecia o sol na melodia; gorjeava como um pássaro com as cornetas de onde arrancava sons voadores em golpes de língua com maestria.”
O doutor Rômulo, filho do goleiro Lessa, poeta, médico e filosofo, me fez um relato esclarecedor: “Alexandre tornou-se profissional da música, com grande capacidade de improvisação, jazzista e, com Aroldo e Melciades, fundaram a banda "Excalibur", que tocava nas noites aracajuanas.”
Alexandre morreu em casa, no Pereira Lobo, sozinho, com quarenta e poucos anos. Morreu como Chet Baker, o grande trompetista americano. Alexandre está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana.
Minhas homenagens a esses itabaianenses, virtuoses da música, que encantaram e encantam a vida.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
Assinar:
Postagens (Atom)