sexta-feira, 26 de abril de 2024

OS MODOS DE SEU NEZINHO.

Os modos de Seu Nezinho.
(por Antonio Samarone)

Não se conhecia garfo no Beco Novo. As comidas sólidas comiam-se com as mãos, e as líquidas, com colheres. As sopas, virava-se geralmente o prato, fazendo-se aquele barulho dos cacarejos.

Os garfos são recentes, do final da Idade Média.

O apelido de “ceboleiro”, não se deve a produção de cebolas. Os feirantes de Itabaiana, na feira de Laranjeiras, na hora do almoço, abriam as mochilas e, com as mãos, faziam bolos de feijão.

Molhavam-se esses bolos no molho de vinagre, cebola, coentro e pimenta. Era um espanto: os feirantes de Itabaiana comiam cebolas, na hora do almoço. São ceboleiros!

No Beco Novo, comia-se com as mãos desde cedo. As mães alimentavam os recém-nascidos, com papas de farinha pó, usando os dedos indicador e médio. Ia-se comendo-se pelas beiras, para a comida esfriar.

Havia uma exceção: Seu Nezinho! Contínuo do Banco do Brasil.

Nezinho estudou Frances, por correspondência. Ele ganhou, do gerente do BB, um clássico de boas maneiras: “De civilitate morum puerilium”, um livro de Erasmo de Roterdã, de 1530. Seu Nezinho, além de bons modos, gostava de música clássica. Possuía a única radiola da rua.

Nezinho era baixo, mestiço, discreto, relógio de pulso e sapato e meia. Bem-casado e pai de filha única. (esqueci o nome da esposa). Para os padrões, uma aristocrata.

Aos domingos, a partir das 9 horas, o Beco Novo era invadido com a boa música. Até a hora do almoço. Galinha de capoeira, arroz amigo, doce de leite, e durante a tarde, uma rede no alpendre e o programa de Sílvio Santos.

Seu Nezinho comia de garfo e faca. Era motivo da curiosidade pública. Se dizia, que em sua casa se assoava o nariz com lenços de cambraia de linho e se limpava a boca com guardanapos de algodão egípcio. Muitos achavam gabolice. Eu mesmo, nunca vi.

No Beco Novo, se assoava o nariz com os dedos. O polegar e o indicador, em forma de pinça.

Na casa de Seu Nezinho, o contínuo, existia uma extravagância na sala de visita: uma escarradeira de porcelana, pintada com flores silvestre e leões esculpidos.

Naquele tempo se cuspia muito. Não sei o que houve, hoje, só jogador de futebol continua cuspindo, durante as partidas. Ninguém cospe mais. Cuspir saiu da moda.

Lá não se cuspia no chão, muito menos nas paredes. A escarradeira era o anteparo. Seu Nezinho era um fidalgo, um homem refinado, cheio de cortesias (courtoisie).

No Beco Novo, ser contínuo do Banco do Brasil, era um privilégio quase divino.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

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