domingo, 21 de agosto de 2022

PEREBAS E PEREBENTOS.

 Perebas e Perebentos.
(Antonio Samarone).

“Procurando bem/ Todo mundo tem pereba/ Marca de bexiga ou vacina/ E tem piriri, tem lombriga, tem ameba...” Chico Buarque

A higiene pessoal nos primórdios da humanidade está relacionada com a religiosidade. “As pessoas se mantinham limpas para se apresentarem puras aos olhos dos deuses, e não por razões higiênicas. Egípcios, mesopotâmios e hebreus, e outros povos, davam valor a esses hábitos”.

Herdamos o desleixo com o asseio pessoal dos portugueses. Os índios tomavam vários banhos por dia, mas urinavam dentro da Oca e defecavam nas bananeiras, nas margens dos rios.

“Os cristãos peninsulares dos séculos VIII e IX eram indivíduos que nunca tomavam banho, nem lavavam a roupa, nem a tiravam do corpo senão podre, largando os pedaços. O horror a água, o desleixo pela higiene do corpo e do vestuário permanecem entre os portugueses.” Gilberto Freyre

Foi na escola primária onde aprendemos a tomar banho, escovar os dentes, limpar as unhas e as orelhas, evitar os piolhos, lêndeas, bicho do pé e impinges.

Em Sergipe, relacionados, direta ou indiretamente, com a precariedade da higiene pessoal e alimentar, nossos escolares pobres eram acometidos de bicho de pé, frieira, terçol, conjuntivite, sarna, lêndea, piolho, pulga, dermatite seborréica (caspa), tinha corporis (empinge), pyteriase versicolor (pano branco), ancilostomíase (amarelão), ascaris (lombriga), ameba, anemia, boqueira, dor de dente, halitose (fedor de boca), dor de ouvido, unheiro, pelagra, nanismo, raquitismo, escorbuto, piodermite (pereba), furunculose, fleimão (maldita), chulé, subaqueira, cegueira noturna, oxiúros (caseira), infecção respiratória (catarro) e gastrenterite (diarréia ou caganeira).

A infestação por piolhos era combatida com cafuné, na tentativa de diminuir a população de parasitas. Se catavam os insetos adultos, esmagando-os entre as unhas, e os ovos fixados na raiz dos cabelos, carinhosamente chamados de lêndeas.

Outro método bastante usado na caça aos insistentes parasitas era a aplicação de banha de porco nos cabelos e posterior alisamento com o pente fino. Colocava-se uma pequena toalha no colo para não deixar que os piolhos e ovos caídos do pentear não se espalhassem pelo resto da casa.

Uma vez removidos, os pequenos insetos eram triturados mecanicamente com as unhas, resultando numa massa imunda de pus e sangue, quase nunca removidas, pois o modesto hábito de se lavar as mãos com água e sabão, era pouco apreciado.

Tardes inteiras ocupadas na inútil tarefa de erradicação manual dos piolhos. Com a tecnologia química do DDT (Neocid pó), a matança tornou-se eficiente, mas com graves consequenciais para os hospedeiros.

Os banhos de rio, tanque, gamela, assento, cuia, lata furada e o lava pé na pedra, nos livraram da sarna gaiteira e das perebas.

Não se conhecia sabonetes, isso era um luxo dos ricos. O sabão era feito em casa. (sebo de boi, hidróxido de sódio - NaOH (soda cáustica), água). Cansei de tomar banho com sabão de soda, que mamãe fazia.

Não foi fácil trocar a touceira de bananeira pela latrina. O grosso dos meninos do Beco Novo defecava no mato, nos fundos de quintais, ao pé dos murros e até nas praças. Era de costume dos homens urinarem nas ruas; e de nas ruas se jogar a urina choca das casas.

As tecnologias dos “walter closet” WC, inglês e do bidet francês chegaram tarde a Sergipe, o povo demorou a ter acesso a esses avanços sanitários.

A falta de higiene pessoal estendia-se aos domicílios. A permanência de pocilgas perto das casas, a convivência intima com animais domésticos, gatos, cães, galinhas, patos, sagüis, pássaros, cágados, habitando o mesmo espaço, as camas, sofás, redes, etc.

A proliferação de insetos de todas as espécies, principalmente as baratas e ratos completavam o zoológico familiar brasileiro.

Muito da mortalidade infantil decorria da completa falta de higiene no momento do corte do couto umbilical.

Mãos sujas, tesouras infectadas, uso de fezes de galinha como unguento anti-hemorrágico, entre outras barbaridades, apressava a morte dos anjinhos. Era o temido “mal dos sete dias”, ou simplesmente tétano umbilical, que por ignorância e falta de higiene aumentava os habitantes do “Limbo”.

Eu perdi três irmãs com o mal dos sete dias.

Foi com a criação da Inspetoria de Higiene Infantil e Assistência Escolar, sob a direção do pediatra Lauro Dantas Hora, que se estabeleceram açoes efetivas de higiene nas escolas.

Foi o tempo em que o escolar sergipano recebeu a melhor e mais rigorosa assistência médico higiênica: correção de vícios, prevenção de estados mórbidos, tratamento de verminoses, assistência dentária, educação sanitária, inspeção de prédios e classes escolares. Uma transformação de mentalidade, realmente digna de registro.

A saúde escolar foi prioridade no Governo Luiz Garcia. Devemos essa revolução nos hábitos de higiene pessoal a escola pública, que nos tirou do analfabetismo e do lodo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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