sábado, 2 de julho de 2022

ANTIGOS MEDOS

 Antigos Medos!
(por Antonio Samarone)

Quando mataram o deputado federal Euclides Paes Mendonça (08/08/1963), em Itabaiana, a cidade ficou apavorada. O medo da morte dominava os inconscientes.

Para agravar, resolveram exumar o corpo do deputado, que já descansava há dias na sepultura. Desenterrar o morto para novas perícias. A notícia criou pânico. Itabaiana vivia sob a crença nos miasmas. Mortos insepultos, sepulturas rachadas era causa de epidemias, imagine desenterrar.

A medicina brasileira nasceu no Mosteiro Santa Cruz, em Coimbra. Sempre foi uma medicina religiosa, dos sacerdócios, das Santa Casas; só passamos para a atual medicina de mercado, dos negócios, no final do século XX.

Na igreja de Itabaiana tinha uma gravura do Papa João XXI. O livro escrito por ele, “Thesaurus pauperum,” estava nos baús da biblioteca da Paroquia. Para quem não é versado na história do catolicismo, João XXI era o médico português Pedro Julião (Petrus Lusitanus).

Dante, na Divina Comédia, colocou o médico português, que virou o Papa João XXI, no Paraíso. Isso assinala o prestígio desse médico de batina.

Outro livro raro que vi em mãos do Padre Everaldo, em Itabaiana, foi o clássico “Colóquios dos Simples, Drogas e Causas Medicinais da Índia”, do sábio português Garcia da Orta, com o prefácio escrito em versos por Camões. Vi ou sonhei depois de velho. O certo é que ficou gravado em minha memória. Lembro-me até da capa. Esse livro foi publicado em 1563.

Itabaiana vivia culturalmente na Idade Média. Reagiu assombrada a exumação do deputado.

Quem teve essa ideia de Jerico, todos perguntavam. Ninguém sabia, eram ordens da Câmara Federal. Tratava-se do corpo de um deputado federal. Foram dias de pavor e incredulidade.

O dia da exumação chegou! O médico perito veio de Brasília. Antonio Jurubeba foi contratado para cavar, pois nenhum coveiro aceitou. Os prognósticos eram terríveis. Para aumentar o medo, o médico perito faleceu poucos dias depois, em Aracaju. Certamente de causas naturais. Mas o povo não se conformava. Tá vendo, até o médico morreu.

No dia seguinte a exumação, no Beco do Ouvidor, acendemos fogueiras e queimamos cinco quilos de alcatrão real, comprados no Armazém de Filomeno. A minha casa ficou cheirando por 15 dias.

Ficou todo o mundo esperando o dia de Antonio Jurubeba bater as botas. Só se falava nisso. É hoje, não passa do final de semana. E nada! Antonio Jurubeba vivo e contando estórias da exumação.

O povo não é brincadeira. Foram perguntar: e aí, seu Antonio, o que é que o senhor tomou para escapar?

Seu Antonio deu uma gaitada: “eita povo besta, antes do serviço, caladinho, tomei meio litro da cachaça. São Bento antes das Cobras!”

Como se sabe, a cachaça corta tudo e Antonio Jurubeba escapou da morte certa. Essa estória correu de boca em boca.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

Nenhum comentário:

Postar um comentário