sábado, 2 de julho de 2022

0 NEGÓCIO E O SACERDÓCIO NA MEDICINA.

 

O negócio e o sacerdócio na Medicina.
(por Antonio Samarone)

Tenho escutado com frequência relatos de desatinos, charlatanismos, falta de empatia, ambição desmedida e comercialização desenfreada da prática médica em Sergipe. Não sei a real extensão!

Sei que a resistência a desumanização natural da medicina de mercado é frágil. Limita-se a exemplos pessoais ou de pequenos grupos.

É da natureza do mercado: qualquer produto ou serviço que assume a forma de mercadoria, assume a sua lógica. Quando esse mercado funciona sem controle público, sem normas, sem regras, assume um caráter selvagem da maximização dos lucros. Um vale tudo.

Desconheço estudos analisando cientificamente a prática médica de mercado na atualidade sergipana. Tudo é por ouvir dizer, pela aplicação da lógica geral do funcionamento dos mercados, por queixas e relatos dos pacientes e conversas com colegas médicos de minha geração.

Reconheço que o mercado médico é livre em Sergipe, sem amarras, dependendo somente dos valores morais de cada profissional. Nem o código do consumidor é observado. Muitas vezes, os valores morais são muito verbalizados e pouco praticados.

Fiquei curioso: como era a medicina em Sergipe, em sua forma de sacerdócio? Procurei o relato histórico de Helvécio de Andrade, “Os primeiros cem anos da medicina em Sergipe”, texto publicado em 1920.

Transcrevo abaixo, uma breve citação. Vamos a Helvécio de Andrade (1920):

“Contudo posso e devo pôr em relevo, em honra à medicina sergipana, as altas qualidades morais do seu corpo médico, os sentimentos altruísticos, generosos, de coragem, desprendimento e desinteresse, com que em todos os tempos e oportunidades, acorreu, lá onde o perigo era maior e menos provável a recompensa pública.”

“A Clínica de Sergipe é das mais pobres do país. Não há cidade onde desafogadamente possam viver profissionalmente dois clínicos.”

“Na Capital, ainda hoje não existe uma clínica independente dos favores do Estado, quer porque predominem na vida sergipana os velhos conceitos sobre o exercício da medicina, considerada sacerdócio, portanto gratuita, e é esta na maioria dos casos a explicação mais verdadeira, quer porque, o que é raro, predomine a ambição em sua forma mais moderna e ao mesmo tempo mais repugnante – o dinheiro.”

“Seria preferível que fossem bem pagos os serviços médicos. Animaria a clínica a especializar-se, fundando gabinetes, consultórios, em ordem a atender as necessidades da diagnose e do tratamento de certo número de moléstias, nas quais os medicamentos, em geral, pouco valem.”

“Entretanto, quantos talentos médicos viveram em Sergipe, condenados ao ostracismo e ao esquecimento?”

“Ser poeta já é ser desgraçado, mas ser médico e sentir como os poetas, ter alma, contemplar o céu, pedir as suas misteriosas inspirações e alento para os ideais do amor, verdade e justiça. Afagar ilusões de perfeição e beleza, é ser desgraçado duas vezes.”

Acho que essa discussão precisa ser aberta, com todos os interessados.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

Nenhum comentário:

Postar um comentário