O Infarto da Alma.
(por Antonio Samarone).
Em tempos de farinhadas, o meu avô Totonho de Bernardino, recrutava a família para ajudar na labuta. Os meninos iam juntos. Dormíamos no sítio à luz dos candeeiros e acordávamos com o cantar festivo dos galos.
Era uma festa!
Eu não parava de me danar. Quando não tinha nada para fazer, saia fechando e abrindo as portas, sem propósitos, só para não ficar parado.
O meu avô sentenciou: “esse menino é da pá virada, não pára, vai ser trabalhador.” Eu era um vocacionado para as traquinagens. Irrequieto, impulsivo e buliçoso.
Quando a peraltice era exagerada, podia ser taxada como um defeito de caráter moral, má criação, falta de quem desse cobro.
A medicina depois botou o seu carimbo: essas crianças sofrem de hiperatividade. Era a doença hipercinética da infância. Com o tempo, os meninos criavam juízo e a traquinagem ia diminuindo.
Essas crianças, além da hiperatividade, não tinham muito foco, disciplina, não se concentravam, não prestava a atenção em nada.
No geral, tinham dificuldades na escola, por completa falta de atenção e interesse. Hoje, a medicina estendeu a hiperatividade para os adultos e fez dobradinha com a desatenção (a falta de foco).
Segundo a medicina, a hiperatividade leva a uma desatenção patológica.
Em 1968, o DSM – II classificou a traquinagem como “Reação Hipercinética da Infância”. O CID – 9, batizou de Síndrome Hipercinética. DSM é um sistema de classificação de transtorno mentais da psiquiatria americana e o CID é o Código Internacional de Doenças.
Em 1970, o DSM – III avançou e fez a ligação da hiperatividade com a desatenção: a traquinagem passou a ser o “Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esse mesmo, que o Dráuzio Varela está divulgando na Globo.
A ênfase maior atualmente é na desatenção. A falta de foco reduz o desempenho e a produtividade. A hiperatividade produtiva é desejada.
Essa falta de atenção, sobretudo nas escolas, sempre foi motivo de debates profundos entre pedagogos, professores e psicólogos.
Como melhorar o aprendizado? A desatenção reduz a competividade e isso é muito grave, numa sociedade centrada no desempenho.
A falta de atenção dos alunos, a pedagogia do meu tempo resolvia à base dos castigos físicos e punições acadêmicas. A reprovação era a mais leve.
Sei que os doutores da psiquiatria não concordam, mas o cientista americano Leon Eisenberg (1922 – 2009), dizia ter sido o inventor do TDAH. Sendo ou não verdade, a Industria Farmacêutica é eternamente agradecida a quem inventou.
A Indústria Farmacêutica produz para o “déficit de atenção”, com ou sem hiperatividade, a tradicional “Ritalina”. Com a mesma droga, o metilfenidato, também está à venda o “Concerta”. (o nome é ótimo).
Para os hiperativos desatentos mais modernos, tem o “Venvanse”. A droga é a Lisdexanfetamina, de liberação lenta e longa. O “Concerta” e o “Venvanse”, custam cerca de R$ 250,00 a caixa.
Não sei se já foi liberado no Brasil, mas ainda existe o “Adderal”, um mix de anfetaminas.
Qual é a questão?
Sendo ou não a hiperatividade e a desatenção uma doença ou um transtorno, o doping funciona e aumenta a competitividade dos usuários. De qualquer usuário! Com a ressalva de todas as drogas, causam dependência.
No clássico “Mal-estar da Civilização”, o grande Freud alertou para a única inconveniência da saída química: é a dependência e os efeitos colaterais.
Essas drogas produzem um “neuro-enhancement”, no dizer de Chul Han.
A minha hiperatividade, vista pelo meu avô com um bom presságio, hoje me levaria para os ambulatórios da saúde mental, como cliente de médicos, psicólogos e da indústria farmacêutica.
“Cada época possui as suas enfermidades fundamentais” – Chul Han.
Escapei!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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