Em defesa das causas perdidas
sábado, 23 de março de 2024
GENTE SERGIPANA - EULINA NUNES.
Gente Sergipana – Eulina Nunes.
(por Antonio Samarone)
Itabaiana tem meia dúzia de intelectuais vivendo pelo mundo. Um deles, Luciano de Oliveirinha, mora no Recife. Me mandou uma ordem pelo WhatsApp: escreva sobre Eulina Nunes, senão eu peço a Vladimir.
Fazer o quê?
Eulina Nunes nasceu em primeiro de dezembro de 1908, no povoado Mocambo, Frei Paulo. Filha de Tonho de Zé Nunes e Dona Maria Santiago Nunes.
Logo cedo vieram para Itabaiana. Dona Eulina foi uma líder determinada e se criou em Itabaiana. Professora de corte e costura e culinária. Enviuvou cedo, criando os três filhos: Lutero, Paulo e Marinalva.
Com o Pai, fundou primeira igreja evangélica presbiteriana de Itabaiana.
Aos domingos pela manhã, quando eu voltava da missa, passava na calçada da Igreja presbiteriana. Ficava na ponta dos pés para olhar pela janela. Naquele tempo, os Crentes era gente bem comportada, com roupas austeras, e conduta exemplar.
Gente, eu simpatizava com os Crentes da Igreja de Dona Eulina.
Mamãe dizia: esses são tementes a Deus, gente religiosa, que conhece a bíblia. No final da vida, mamãe virou Crente.
Dona Eulina tinha a fama de ter enfrentado Euclides Paes Mendonça, o poderoso Coronel. No início da década de 1960, Euclides começou a alargar as ruas, abrir avenidas, rasgar Itabaiana de ponta a ponta. Não respeitava a propriedade de ninguém.
Dona Eulina morava num sítio, perto do Colégio das Freiras. Uma das futuras avenidas cortaria o seu sítio no meio. Eulina fincou o pé: “a minha cerca você não derruba”! E não derrubou.
Numa cidade onde o catolicismo romano dominava, os Crentes não passavam de uma meia dúzia.
Só uma igreja (foto), que um dia desses, pela localização privilegiada, foi derrubada para virar galeria comercial. Um crime contra o patrimônio histórico, que Itabaiana assistiu num cúmplice silêncio.
Dona Eulina manteve a sua fé com altivez, até a sua morte, em 03 de janeiro de 1998, aos 90 anos. Os Crentes eram poucos, mais gente digna, exemplar, que vivia a luz do evangelho.
Antonio Samarone.
terça-feira, 19 de março de 2024
O SILÊNCIO DAS SEREIAS
O Silêncio das Sereias.
(por Antonio Samarone)
Eu sei, o título é um conto de Franz Kafka.
Quando Ulisses tapou os ouvidos com cera e amarrou-se no mastro do navio, para resistir ao canto das sereias, ele estava fundando a racionalidade ocidental.
Antes, deuses, natureza e homens eram a mesma substância. Os mitos explicavam o mundo.
Primeiro houve a separação. Depois os homens procuraram dominar a natureza, e tornaram-se a imagem e semelhança de Deus. Com o iluminismo, venceu a razão. O passo seguinte, foi a eliminação de Deus.
Hoje, substituímos a cera de Ulisses pelos fones de ouvidos.
A vida foi dessacralizada. O homem virou a medida de todas as coisas. Esse desencantamento virou correria em busca de nada. Como diz Byung-Chul Han, criamos a sociedade do cansaço.
Ne velhice, percebo o descaminho que tomamos. Em meu exercício pelo desapego, noto a urgência do reencantamento. Deus é a natureza e vice-versa. Só salvamos a humanidade da extinção precoce, se enfrentarmos a crise climática.
Os dinossauros duraram 150 milhões de anos, até o choque da terra com o meteorito. O Homo sapiens apareceu a 100 mil anos. Geologicamente, somos recém chegados. E já estamos indo embora.
Quem ainda acha que a terra não está esquentando, não passou por Aracaju esses dias.
Outra coisa, achar que a consciência, a alma, a psique, seja lá o nome que se prefira, é fruto da evolução darwinista é pura tolice. Alma e psique em francês tem a mesma denominação: “l’amê”.
A razão me levou de volta a metafísica. A ciência não esclareceu o que somos, nem pode, a ciência trata dos fenômenos naturais.
Achar que a alma é fruto da evolução do cérebro é uma fé mais improvável que a atribuir a divindade.
No grego antigo, “psykhé” é alma.
Enquanto esperamos a Terceira Guerra, dessa vez nuclear, assinei o manifesto pelo reencantamento da vida. Acho que o Armagedom está a caminho.
Eu quero ouvir o Canto das Sereias!
Antonio Samarone. Médico sanitarista.
domingo, 17 de março de 2024
NINGUÉM MORRE DE VÉSPERA
(por Antonio Samarone)
O sonambulismo era frequente. Os sonâmbulos andam durante o sono. Muitas vezes a alma itinerante leva o corpo, para um passeio. Eu só conheço um sonambulo em carne e osso: Zé de Zabelinha. Esse é conhecido, na Moita Formosa.
Seus passeios noturnos pelas bodegas do povoado, são constantes. Zé anda prá cima e prá baixo, em sono profundo. Todos zelam para não acordá-lo.
Não se acorda os sonâmbulos durante a transe. A alma distante, que saiu a passeio ou negócio, pode não acertar o caminho de volta.
Fizeram uma perversidade. Numa dessas sessões de sonambulismo, acordaram o cidadão. Zé de Zabelinha, foi encontrado desacordado, foi dado como morto.
A família não sabe quem fez essa molecagem, pensou em prestar queixa, mas não deu tempo.
Durante o velório, ocorreu outro fenômeno: 16 horas de morto, Zé ressuscitou. Ou melhor, acordou da letargia.
A catalepsia também já foi um fenômeno frequente. Hoje, nem tanto. Para quem esqueceu, a catalepsia é a falsa morte. O corpo para, dá-se o cristão como morto, depois ele acorda. A medicina nem nega, nem confirma.
Jaime ainda é meu parente. Conto essa história por ouvir dizer. A verdade é que ele continua vivo.
Tentei esmiuçar, desconfiado de simulação. Nada, ele não se lembra nem do sonambulismo, nem da catalepsia. Mas a história foi confirmada por muita gente. Dona Josefa, a tia, foi quem vestiu a mortalha no morto vivo.
Zabelinha, a mãe, ficou com medo dessa assombração e, na próxima, ele não acorde. Precavida, procurou um médico naturalista, o Dr. Rafael Schneider, que prescreveu sete sessões de hipnose quântica.
Espero que funcione.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
sábado, 16 de março de 2024
AS PRAIAS DESERTAS DO ARACAJU
As Praias Desertas do Aracaju.
(por Antonio Samarone)
Aracaju foi fundada no Solar do Engenho Unha do Gato, propriedade do Barão de Maruim, a 25 de fevereiro de 1855. Depois aprovaram a Resolução Provincial 413, em 17 de março.
Inácio Barbosa não teve tempo de ver a sua obra. Foi vítima do impaludismo, falecendo em 06 de outubro de 1855, na cidade de Estância, aos 33 anos. A medicina sergipana nada podia contra o Sezão.
No ano da fundação, Aracaju padeceu da sua maior tragédia sanitária. Foi atacada pela pandemia de Cólera Morbo. Aracaju era uma cidade inóspita e doentia.
No momento da fundação do Aracaju (1855), Sergipe possuía cinco médicos: Guilherme Pereira Rabelo, em Aracaju, e José Antonio da Silva Junior, Antonio Ribeiro Lima, Joaquim José de Oliveira, Francisco Sabino Coelho Sampaio e Francisco Alberto de Bragança.
A bela Cajueiro dos Papagaios foi construída dentro de pântanos insalubres, onde a vida parecia inviável. Santo Antonio do Riacho Aracaju está bela. A mão do homem. Luiz Antonio Barreto dizia que Aracaju era um aterro embelezado, uma obra dos sergipanos.
O engenheiro Sebastião Pirro traçou-a primeiro no papel. Tudo bem esquartejado.
No Natal de 1856, celebrou-se a primeira missa na Matriz do São Salvador, ainda em construção no Centro do Aracaju. Essa Igreja, só foi inaugurada em 23 de outubro de 1857.
Em 1856, a população do Aracaju era de 2.831 habitantes, com 4 estrangeiros. Dois sacerdotes, um médico, um boticário e um purgador.
O Atheneu Sergipense, foi inaugurado em Aracaju, em 03 de fevereiro de 1871.
“Em 1872, Aracaju contava com oito anos de impaludismo, de febre intermitente, de cólera morbo, de febre-amarela, seguida de varíola, de quilombadas, da guerra do Paraguai, com o seu voluntariado recrutado, da queda do açúcar e das secas.” – Sebrão Sobrinho.
No final de 1875, foi concluída a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, atua Catedral. O primeiro vigário da Freguesia foi o reverendo Eliziário Vieira Muniz Teles.
O Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição (atual Santa Izabel), foi inaugurado em 16 de fevereiro de 1862, com recursos imperiais.
Em 1856, os médicos Guilherme Rabelo e Pedro Autran fizeram um diagnóstico das condições sanitárias do Aracaju, elaborando um competente relatório. (Tenho a cópia) O primeiro documento de Saúde Pública do Aracaju.
Aracaju já foi a Sultana dos Mares, entrecortada por rios e lagoas. Tudo limpo.
O primeiro palácio foi uma casa cedida por Dona Rufina a Dr. Inácio Barbosa. A Rua da frente chamava-se rua da Aurora, a Praça Fausto Cardoso era a Praça do Mercado. A outra Praça era da Alfândega.
Não adiantou a meritória resistência de João Policarpo Borges (João Bebe Água). Aracaju tomou prumo, foi crescendo aos poucos, e hoje é essa reluzente metrópole. A chegada da Petrobras, década de 1960, foi a locomotiva.
“Em cidades tornei fétidos brejos/ E fiz dos charcos ressurgir o Império.” – Júlio César.
Antonio Samarone – médico sanitarista.
sexta-feira, 15 de março de 2024
A MÃE DO CORPO
A Mãe do Corpo.
(por Antonio Samarone)
A histeria e a epilepsia são doenças milenares.
Hipócrates, em seu livro Doenças das Mulheres, considerava o útero um pequeno animal caprichoso e autônomo, que circula pelo corpo. Na ausência do coito, a matriz secava e o útero ficava mais leve, subindo para comprimir a caixa torácica.
Nesses casos, ocorria uma sufocação da mulher pela matriz: com rotação dos olhos, pele fria e lívida, vômitos, perturbações cerebrais e perda da fala. Depois, essa concepção foi sendo alterada.
A histeria desapareceu por mil anos. Voltando no período da “caça às bruxas, na idade média. Os padres atribuíam a possessão demoníaca das mulheres acusadas de bruxas; e os médicos diagnosticavam histeria, epilepsia e melancolia.
O fim dos julgamentos de feitiçaria foi uma vitória dos médicos sobre os teólogos.
Para Thomas Synderam, o Hipócrates inglês (1680), a histeria era a mais comum de todas as doenças, ao agir através dos nervos, tanto por emoções mentais como por desarranjos corporais ela pode imitar qualquer doença.
Charcot se interessou pela histeria em 1870. Substituiu o exorcismo pela hipnose. Transformou o Salpêtrìere num espaço científico.
O famoso médico francês, Jean-Martin Charcot, pai da neurologia, o Napoleão das neuroses, promoveu no “fin-de-siècle”, um espetáculo semanal com as mulheres pobres de Paris, internadas no Salpêtrière, expondo-as seminuas aos olhares masculinos. Os gestos, convulsões, gritos e sussurros emocionais eram marcados pela insinuação erótica.
O Salpêtrìere era uma cidade no estilo do século XVII. Um local onde São Vicente de Paula realizou as suas obras de caridade. Luís XIV converteu-o em abrigo para mendigos, prostitutas e insanos.
As cenas públicas de histeria eram cuidadosamente fotografadas.
Eram os chamados ataques histéricos, expostos de forma desprezível. A histeria e a neurastenia eram os transtornos mentais mais frequentes no início do século XX.
O que a medicina fez com a histeria, que fim levou? Charcot apontava a hipnose, como tratamento da histeria.
Charcot foi gênio e charlatão. Um prince de la sciencia. Ao lado de Pasteur, orgulho da França. Um homem muito rico, culto, produzia suntuosas recepções em sua casa, para cientistas, políticos, artistas e escritores. Conta-se que o nosso Pedro II, quando em Paris, era frequentemente convidado.
Freud foi aluno do serviço de Charcot, no Salpêtrière. Voltou a Áustria para tratar os casos de histeria, mas não aceitou a hipnose como recurso terapêutico.
Até onde entendi, Freud achava que a histeria era a transformação das memórias sexuais reprimidas em sintomas corporais. Me corrijam...
A histeria foi historicamente uma doença do útero. No grego, histero significa útero. Na histeria, o útero, a mãe do corpo, fica desgovernado. O povo chamava de furor uterino.
Claro, para Charcot, a histeria era uma doença neurológica.
No início do século XX, as histéricas que lotavam as enfermarias dos hospitais públicos desapareceram. A neurologia empurrou a histeria para o campo da psiquiatria, que, por sua vez, inclui-a na categoria dos fingimentos.
Freud reelaborou os sintomas da histeria, dando-lhes outros significados. Por desconhecer a sua obra em profundidade, não me arrisco em sintetizar o ocorrido.
O que fica claro, é que as “evidencias” na medicina são fluídas, aparecem e desaparecem sem dar explicações. Tolo é acreditar nessas verdades provisórias.
A medicina esqueceu a histeria, trocou o nome ou ela deixou de existir?
Não se fala mais em sufocação uterina, furor uterino, dor de amor ou histeria. Uma neurose enganadora. Histeria virou um rótulo inaceitável.
Antonio Samarone – médico sanitarista.
quinta-feira, 14 de março de 2024
O ANFITEATRO DA FILARMONICA
O Anfiteatro da Filarmônica.
Por Antonio Samarone.
Os gregos criaram o teatro e os romanos o anfiteatro. Um local ao ar livre, destinado aos espetáculos. Lutas de gladiadores, espetáculos circenses, corrida de bigas, enfrentamentos entre animais ou simulações de batalhas navais.
O anfiteatro da Filarmônica será um local de concertos, musicais, teatro e danças.
O famoso Coliseu romano é um anfiteatro.
Não sei as razoes, mas Itabaiana é infestada de anfiteatros. São dezenas! Em quase todas as avenidas. Tem até nos povoados. Nenhum ocioso.
A arte nunca é demais!
A vetusta Filarmônica Nossa Senhora da Conceição anunciou a construção de um novo anfiteatro, com a promessa de ser um novo cartão postal, uma joia da arquitetura. Não é uma concha acústica, dessas de Universidade.
O anfiteatro da Filarmônica é o que tem de mais avançado em acústica, onde os concertos se sentirão à vontade. Viva! Itabaiana aplaude a iniciativa.
A Filarmônica de Itabaiana não tem dono, não deve ter, ela é patrimônio cultural do povo.
Será um anfiteatro como os de Berlim, Siracusa, Tunísia e Milão. O Campus Martius.
Mas, tem um porém.
Em um momento infeliz, o empresário da construção civil, Edson Passos, resolveu retomar o terreno da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, por ele doado há quase uma década: alegou razões burocráticas: a Filarmônica demorou a construir.
Agora, que a Filarmônica recebeu uma promessa de ajuda financeira, tem um projeto e anuncia a construção de um anfiteatro, as coisas podem emperrar na Justiça.
Um apelo ao arquiteto Edson Passos, retire essa causa, lesiva a cultura de Itabaiana.
Antonio Samarone. Secretário de Cultura.
terça-feira, 12 de março de 2024
A LOUCURA DE SAUL.
A loucura de Saul.
(por Antonio Samarone)
Saul foi o primeiro Rei de Israel, ungido por Javé. Sua missão era exterminar os povos vizinhos.
Javé ordenou: “vai, pois, agora, e investe contra Amalec, condena-o ao anátema com tudo o que lhe pertence, não tenha piedade dele, mata homens e mulheres, crianças e recém nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos.”
Nada diferente da atual carnificina contra os palestinos.
Entretanto, Saul poupou a vida de Agag, Rei dos Amalequitas. Javé não aceitou a desobediência e acometeu Saul de fortes tormentos mentais. Ora amedrontado, ora furioso, ora homicida, ora deprimido, ora delirante.
A loucura se apossou de Saul até o fim de sua vida.
A turbulência mental de Saul foi atribuída aos espíritos malignos. O tratamento foi tentado. Davi tocou a harpa, para acalentá-lo. (veja a pintura)
A música da harpa de Davi nem sempre acalmava Saul. Por duas vezes, Saul quis matar o próprio Davi. Com a lança na mão, Saul bradou: “encravarei Davi na parede”. Deus livrou Davi.
Javé abandonou Saul, que perdeu três filhos na batalha contra os filisteus. Quando os inimigos se aproximaram para matá-lo, ele caiu sobre a própria espada, cometendo o suicídio.
Depois, Davi derrotou os filisteus.
O povo palestino pede misericórdia.
Antonio Samarone.