O Testamento de Oswaldo Cruz.
Cercado pela família e por amigos, entre
eles Carlos Chagas, Belisário Pena e Salles Guerra, o grande sanitarista morreu
em casa, de insuficiência renal, às 21h10 do dia 11 de fevereiro de 1917, aos 44
anos de idade. Num texto escrito a lápis, pouco antes de sua morte, Oswaldo Cruz
formulou as suas últimas vontades, onde se lê no documento aqui reproduzido:
“Desejo com sinceridade que não se cerque
a minha morte dos atavios convencionais com que a sociedade revestiu o ato da
nossa retirada do cenário da vida. Pelo respeito que voto ao pensar alheio não
quero capitular de ridículo esses atos: julgo-os para mim completamente dispensáveis
e espero que a família que tanto quero, se conformem com esses inofensivos
desejos que nasceram da maneira pela qual encaro a morte, fenômeno naturalismo
ao qual nada escapa.
Tão geral, tão normal, tão banal é que
julgo absolutamente dispensável de frisá-la com cerimonias especiais. Por isso
desejaria que se poupasse aos meus a cena de vestimenta do corpo que bem pode
ser envolvido num simples lençol. Nada de convites ou comunicações para enterro,
nem missa de sétimo dia. Nem luto tão pouco. Este traz-se no coração e não nas
roupas. Peço encarecidamente aos meus que não prologuem o natural sentimento
que trará a minha morte. Que se divirtam, que passeiem, que ajudem ao tempo na
benfazeja obra de fazer esquecer. Não há vantagem alguma de amargurar com
lagrimas prolongadas os tão curtos dias de nossa existência. Portanto, que não
se usem roupas negras que além de tudo são anti-higiênicas em nosso clima; que
procurem diversões, teatros, festas, viagens, afim de que desfaçam essa pequena
nuvem que veio empanar a normalidade do viver de todos os dias. É preciso que
nos conformemos com os ditames da natureza.
A meus filhos peço que se não afastem
do caminho da honra, do trabalho e do dever, e que empunhem como fanal e o
elevem bem alto o nome puro e honrado e imaculado que herdei como o melhor
patrimônio da família, e que a eles lego como o maior bem que possuo.
À minha esposa querida, tão sensível,
tão difícil de se conformar com as dores da nossa vida, peço que não encare a
minha morte como desgraça irreparável; peço que se console com rapidez e não deixe
anuviado pela dor esse espírito vivaz, inteligente, espirituoso, que constituía
a alegria do nosso lar e o lenitivo pronto para os sofrimentos que por vezes
deparávamos.
Aí ficam nossos filhos, outros
tantos rebentos em que vamos reviver, garantias seguras da nossa imortalidade
que se encarregarão de levar através do espaço e do tempo as porções de nosso
corpo e de nosso espírito de que os fizemos depositário, quando ao mundo
vieram.
Quanto aos bens de fortuna que
deixo, espero que sejam divididos por minha esposa entre os filhos. Espero e
rogo que nunca a questão de bens materiais venha trazer a menor discórdia entre
os meus: seria para mim a mais dolorosa das contingências. Peço aos meus filhos
que acatem sem discussão a divisão que deles fizer minha esposa. “
Oswaldo Cruz.
Créditos: Projeto gráfico - Mara Lemos Pinhão/SCV/Icict/Fiocruz Colaboração (pesquisa histórica) - Alexandre Medeiros/Biblioteca/ENSP/Fiocruz Fotos - Acervo da COC-Fiocruz / Fiocruz Multimagens -Vinicius Marinho / Publicação - As Grandes Figuras do Brasil em Quadrinhos, ed. Brasil-América, no 2 Cruz, Oswaldo Gonçalves. Testamento. In: Opera Omnia, Rio de Janeiro, 1972, p.740-741
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