domingo, 10 de dezembro de 2017

O TESTAMENTO DE OSWALDO CRUZ


O Testamento de Oswaldo Cruz.

Cercado pela família e por amigos, entre eles Carlos Chagas, Belisário Pena e Salles Guerra, o grande sanitarista morreu em casa, de insuficiência renal, às 21h10 do dia 11 de fevereiro de 1917, aos 44 anos de idade. Num texto escrito a lápis, pouco antes de sua morte, Oswaldo Cruz formulou as suas últimas vontades, onde se lê no documento aqui reproduzido:

“Desejo com sinceridade que não se cerque a minha morte dos atavios convencionais com que a sociedade revestiu o ato da nossa retirada do cenário da vida. Pelo respeito que voto ao pensar alheio não quero capitular de ridículo esses atos: julgo-os para mim completamente dispensáveis e espero que a família que tanto quero, se conformem com esses inofensivos desejos que nasceram da maneira pela qual encaro a morte, fenômeno naturalismo ao qual nada escapa.

Tão geral, tão normal, tão banal é que julgo absolutamente dispensável de frisá-la com cerimonias especiais. Por isso desejaria que se poupasse aos meus a cena de vestimenta do corpo que bem pode ser envolvido num simples lençol. Nada de convites ou comunicações para enterro, nem missa de sétimo dia. Nem luto tão pouco. Este traz-se no coração e não nas roupas. Peço encarecidamente aos meus que não prologuem o natural sentimento que trará a minha morte. Que se divirtam, que passeiem, que ajudem ao tempo na benfazeja obra de fazer esquecer. Não há vantagem alguma de amargurar com lagrimas prolongadas os tão curtos dias de nossa existência. Portanto, que não se usem roupas negras que além de tudo são anti-higiênicas em nosso clima; que procurem diversões, teatros, festas, viagens, afim de que desfaçam essa pequena nuvem que veio empanar a normalidade do viver de todos os dias. É preciso que nos conformemos com os ditames da natureza.

A meus filhos peço que se não afastem do caminho da honra, do trabalho e do dever, e que empunhem como fanal e o elevem bem alto o nome puro e honrado e imaculado que herdei como o melhor patrimônio da família, e que a eles lego como o maior bem que possuo.

À minha esposa querida, tão sensível, tão difícil de se conformar com as dores da nossa vida, peço que não encare a minha morte como desgraça irreparável; peço que se console com rapidez e não deixe anuviado pela dor esse espírito vivaz, inteligente, espirituoso, que constituía a alegria do nosso lar e o lenitivo pronto para os sofrimentos que por vezes deparávamos.

Aí ­ficam nossos filhos, outros tantos rebentos em que vamos reviver, garantias seguras da nossa imortalidade que se encarregarão de levar através do espaço e do tempo as porções de nosso corpo e de nosso espírito de que os ­fizemos depositário, quando ao mundo vieram.

Quanto aos bens de fortuna que deixo, espero que sejam divididos por minha esposa entre os ­filhos. Espero e rogo que nunca a questão de bens materiais venha trazer a menor discórdia entre os meus: seria para mim a mais dolorosa das contingências. Peço aos meus ­filhos que acatem sem discussão a divisão que deles ­fizer minha esposa. “
Oswaldo Cruz.

Créditos: Projeto gráfico - Mara Lemos Pinhão/SCV/Icict/Fiocruz Colaboração (pesquisa histórica) - Alexandre Medeiros/Biblioteca/ENSP/Fiocruz Fotos - Acervo da COC-Fiocruz / Fiocruz Multimagens -Vinicius Marinho / Publicação - As Grandes Figuras do Brasil em Quadrinhos, ed. Brasil-América, no 2 Cruz, Oswaldo Gonçalves. Testamento. In: Opera Omnia, Rio de Janeiro, 1972, p.740-741

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