segunda-feira, 12 de junho de 2023

A FESTA DE SANTO ANTONIO

 A festa de Santo Antonio.
(por Antonio Samarone)

Entrei numa loja pet na Rodovia dos Náufragos, em Aracaju, e fui indagado por um funcionário, com uma certa ironia: “o senhor virou secretário da cultura de Itabaiana. Que cultura, a dos caminhoneiros?”

Eita, acertou! Depois de Santo Antonio, os caminhoneiros são o segundo pilar da nossa cultura. O terceiro é o futebol da Associação Olímpica.

Santo Antonio é a nossa principal raiz.

Se comemora Santo Antonio em Itabaiana, há quatrocentos e vinte anos. O Arraial de Santo Antonio é de 1607. A criação da Freguesia é de 1675. A criação da Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana é de 1687 e a sua instalação de 1698.

“Noites de Santo Antonio em Itabaiana, Santo Antonio, o beato protetor de minha Terra, Santo Antonio Cabaú, o almejado noivo de Nossa Senhora da Conceição, Peba, como me faz lembrar você, nessa noite invernosa, de Sá Linda, Iaiazinha, Almerinda, Paula, Rufino, Batista, Sá Céu, poderosas entidades laicas da Matriz, zeladoras fiéis de tudo o que a ela se referia”. Sebão Sobrinho, 1937.

Nada mais justo que as duas festas, Santo Antonio e caminhoneiros, sejam juntas.

Tenho saudade das alvoradas e do toque festivo dos sinos, durante as Trezenas. Saudade dos foguetórios, comandados por Capitulino.

Saudades de Mestre Fio, Boanerges, Zé da Serra e Pedro Cezário, hábeis pirotécnicos. Das Filarmônicas Santo Antonio (dos Cabaús) e a Nossa Senhora da Conceição (dos Pebas), tocando os seus dobrados.

Saudades do velho Coro da Igreja: Teodorico, Balbino, Joaozinho de Totoinho, Chumbinho, Soledade, Antonio Batatinha, Teonila, Normélia, Sita e Zefinha de Antonio de Joaquim da Rua da Vitória. Todos entoando os hinos a Santo Antonio.

A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição sob a batuta do maestro Esperidião Noronha, composta pelos músicos: Francisquinho, Sizino, Melinho do Vigário, Paulino, Osório, Franco Gia, Magó, Janjão, Assanhaço, Nacum, Joviniano, mestre Antonio Silva, Manuelzinho da Viúva, Oscar de Samuel, Sulino, Otávio de Piquita e Zé Macaquinho.

Na Filarmônica Santo Antonio (a Lira dos Cabaús), os músicos Chumbinho, Nilo, Juvenal, Zezé Camaleão, Manuelzinho de Meira, Enóque, Jeto, Zé Pato, Boito, Jerome de seu Santo, Jardelino e Zau de Fessora.

Itabaiana é a capital sergipana da música. Alguma discordância?

Quem quiser saber detalhes sobre esse povo antigo, é só procurar Vladimir ou Baldochi.

Com o tempo, a filarmônica Santo Antonio se juntou a Nossa Senhora da Conceição.

Entretanto, Itabaiana continua com duas Filarmônicas: a centenária Nossa Senhora da Conceição, fundada em 1745, pelo padre Francisco da Silva Lobo; e a Filarmônica 28 de Agosto, do carismático Popó.

Sexta Feira, dia 06 de maio, o Prefeito Adailton vai anunciar a programação da próxima festa de Santo Antonio e dos Caminhoneiros. Mantendo a tradição das alvoradas, o anúncio será as 6:30 da manhã. Acredito que terá fogos, mesmos poucos, só para relembrar.

Viva Santo Antonio e Vivam os caminhoneiros!

Observação: na Imagem do Santo Antonio de Itabaiana, o Cristo está nu!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

OS NEGROS DE ITABAIANA


 Os Negros de Itabaiana...
(por Antonio Samarone)

Em minha infância eu ouvia: Itabaiana não tem negros! Éramos uma cidade só de branco, os poucos negros vinham de fora. Os negros eram invisíveis, escondidos, negados. Uma forma negacionista de racismo.

Ao contrário, Itabaiana possuía muitos negros.

Eu não entendia. Os meus amigos eram quase todos pretos, ou quase pretos... Depois de meio século, percebo que a cultura negra é pujante em Itabaiana.

O Tabuleiro dos Caboclos (Abaoarapetaba), hoje Bairro São Cristóvão, foi um mocambo de paneleiros. Foi lá que nasceu o futebol em Itabaiana. São de lá os nossos craques. Passei a minha infância no Tabuleiro dos Caboclos, jogando futebol no campo de Mané Barraca.

Para os mais novos, o campo de Mané Barraca era onde a Prefeitura está construindo o Briozão. O futebol era lá! Ficavam na sequência: o antigo Etelvino Mendonça, o campo do Cantagalo e o campo de Seu Mané. O único que não era murado.

A quadrilha “Balança mais não Cai”, a capoeira, o maculelê, o samba de roda, as religiões de origem afro, continuam lá, fortes e atuante. No São João do Bairro São Cristóvão ainda tem pau de sebo, quebra pote, se salta fogueiras e se dança forró pé de serra.

No povoado Flechas, havia uma comunidade negra de malês, todos alfabetizados. A professora primária de minha mãe era negra, na década de 1940. Quintino de Lacerda, líder abolicionista em Santos, SP, é das Flechas.

Entretanto o quilombo mais documentado de Itabaiana foi o Carrilho, atual capital brasileira da castanha de caju, mesmo com poucos cajueiros. O nome é a memória de Fernão Carrilho. Os povoados vizinhos Tabocas, Dendezeiro e Carrilho são comunidades de maioria negra.

Edison Carneiro, em seu livro “O Quilombo dos Palmares (1946)”, cita com documentos, um quilombo dominado em Itabaiana, por Fernão Carrilho. Em 1670, o Governador Geral do Brasil, Alexandre de Souza Freire, mandou Fernão Carrilho destruir todos os mocambos da Província de Sergipe.
O maior mocambo em Sergipe, estava nas cercanias da Serra de Itabaiana, com mais de duzentos negros. Nina Rodrigues, também cita esse mocambo.

Em 1673, Fernão Carrilho acompanhou com os seus homens, a expedição de Rodrigo de Castelo Branco, no descobrimento das minas de prata em Itabaiana.

Em 1683, Fernão Carrilho comandou uma Entrada, com trezentos homens, para destruição do Quilombo dos Palmares. Em 1686, Fernão Carrilho fez outra Entrada, sem sucesso, contra Palmares.

Fernão Carrilho Foi Capitão Mor do Ceará em 1693. Em 1703, foi o lugar tenente do Presidente da Província do Maranhão,
substituindo-o em seus impedimentos.

Não se sabe ao certo nem quando Fernão Carrilho nasceu (1640), nem quando morreu (1703). A única marca deixada por esse guerreiro português em Sergipe, foi o seu nome em um povoado em Itabaiana.

A consciência negra nos povoados Carrilho, Tabocas e Dendezeiro é frágil, chegando-se a negar essa origem. Como me disse uma professora local: os próprios negros não assumem a sua negritude. Foram negados por séculos.

A resistência é cultural.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A foto é de José Airton, (Grilo de Firmino do Fósforo), o goleiro do meu primeiro time de futebol. Ganhamos um Campeonato de pelada (1968). (Grilo, Vadinho de Nilo, Baldochi, Beijo de Bebé, Nego Gato e Samarone).

DOCE PROVÍNCIA

 Doce Província.
(por Antonio Samarone)

Não tem jeito, sou um provinciano estrutural.

Apresento o sintoma patognomônico do provincianismo: o interesse pela vida alheia. No bom e no mau sentido.

Ao ser apresentado a alguém, uma pergunta está na ponta da minha língua: você é filho de quem? Quem é a sua família, são de onde? E por aí vai...

Na antiga Itabaiana provinciana, ser detetive particular era um profissão invejada. Se fazia um curso por correspondência, no Instituto Universal Brasileiro (1941), com direito a diploma e carteirinha.

Ser detetive particular era um sonho. Os filmes de James Bond enchiam o cinema de Zeca por semanas.

Getúlio de Gumercindo era formado nessa escola. Depois de diplomado, Getúlio passou a ter hábitos dissimulados. Qualquer que fosse o segredo, a fofoca, o disse-me-disse, Getúlio dava um sorriso irônico, como soubesse os detalhes de tudo o que a gente suspeitava.

Foi Getúlio quem descobriu o roubo das galinhas de Messias do Gringo. Foi um afilhado do próprio Messias. Um roubo familiar. O delegado Joãozinho da Padaria mandou soltar os acusados, os três filhos de Zabilinha. Esse caso ficou famoso, na crônica policial da cidade.

Getúlio ganhou fama e prestígio, menos dinheiro.

Getúlio passou a andar pelas sombras. Rondar o beco do cemitério, as ruas do Canto Escuro, o Cassete Armado, o Beco Novo e a rua do Fato. Sempre em soslaio.

Getúlio sabia de tudo, dos podres e das traquinagens dos outros, mas não podia contar. A ética dos detetives não permitia. Não fala nem em juízo.

Os detetives são iguais aos padres e aos médicos. As confissões dos padres, as consultas dos médicas e as investigações dos detetives são secretas.

Andei procurando pelos atuais detetives particulares. Quantos e quem são? Ninguém sabia mais do que se tratava. Eles não existem mais em Itabaiana, acabaram. O Instituto Universal continua oferecendo o curso, sem interessados.

Itabaiana cresceu, passou de cem mil habitantes, virou uma jovem metrópole. A vida dos outros só interessa aos outros. O mercado para os detetives particulares acabou.

O fim dos detetives particulares é um indicativo que Itabaiana deixou de ser Província. Uma prova irrefutável.

Entretanto, Eu permaneço docemente provinciano. No bom sentido.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A ARTE DE MORRER

 Ars Moriendi (A arte de morrer).
(por Antonio Samarone)

A derrota foi inevitável.

Depois de quase setenta anos de resistência, entreguei-me aos caprichos da medicina de mercado. Para ser mais preciso, da biomedicina, da medicina do corpo, da medicina dos procedimentos. Submeti-me a 137 exames laboratoriais.

Senti o peso da medicina de mercado. Falei baixo. Sussurrei. Esqueci-me de coisas rotineiras. O ambiente médico é ritualizado. Ali, naquela sala fria, cada um pensa que o seu caso é o mais grave. Notei que ninguém prestava a atenção numa TV ligada, à meio som.

Fiz tantos exames, que a recepcionista perguntou rindo: a medicina suspeita de quê, para tanto esmiuçamento? Suspeita não, ela tem certeza, que a transformação do meu corpo em pó está acelerada.

Todos ali, na antessala dos exames, procuram um jeito de adiar a morte e o sofrimento. Existe a ilusão que os exames vão apontar precocemente os riscos e a medicina saberá afastá-los.

A medicina sabe cada vez mais sobre o corpo e cada vez menos sobre as pessoas. Sobre os seres históricos, suas vidas e suas aflições. O Eu, a alma, a psique, a consciência, o espírito, a energia vital, seja lá o que se queira chamar.

Como a alma precisa do corpo, perdendo-o, a alma vagará como um grão na poeira cósmica. Não posso ignorá-lo! Preciso cuidar do corpo, atender aos seus caprichos, tratá-lo à pão de ló.

O meu corpo já deu sinais de que está cumprindo a profecia bíblica de tornar-se pó. Há muito, o meu corpo deixou de obedecer às minhas vontades e ao meu comando.

Na incerteza de quanto tempo me resta, embarquei na ilusão de que a medicina pode retardar esse retorno ao pó. O corpo tem as suas vontades. Não sei se é falsa impressão, mas tem morrido muita gente conhecida. Antes era novidade.

Realizei 137 exames bioquímicos. Pesquisaram tudo: da ponta dos cabelos às unhas dos pés. Todas os íons (metade da tabela periódica), enzimas, hormônios, anticorpos, neurotransmissores, aminoácidos, foram todos quantificados...

Certamente, a medicina vai encontrar uma casa desarrumada. Vários sinais de anormalidades, riscos previsíveis, alertas exagerados e problemas insolúveis. Esses exames servem principalmente para a gente ficar sabendo antes das doenças e aumentar a ansiedade.

O que fazer com os resultados do pacotaço de exames? Entregar-me de corpo e alma à indústria farmacêutica e aos procedimentos médicos, na esperança de ganhar tempo e enganar a morte?

Sinceramente, não sei! Antes, a gente tinha pelo menos um anjo da guarda.

Percebo que não comando essas decisões. Não mando em minha vontade. Ela assume as decisões por conta própria, faz o que quer. A Vontade tem vontade própria. A gente apenas justifica as escolhas.

A medicina irá utilizar produtos, chamados de remédios, e tentará regular o funcionamento do meu corpo. Não sei se os remédios irão ajudar ou agravar a enorme confusão de um organismo determinado a virar pó.

É uma questão de tempo.

Não falo de remédios para disfunções localizadas, uma dorzinha aqui, outra acolá, uma amidalite ou uma insônia eventual. Não! Falo de remédios pretensiosos, que visam rearrumar o funcionamento total do corpo, sobretudo do seu sistema hormonal. Sei não...

Espero que na inevitável desagregação corpórea, pelo menos, o cérebro fique por último.

A distância entre o veneno e o remédio é a dose, dizia o pai da medicina.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CEMITERINHO DA RUA DAS FLORES

 O Cemiterinho da Rua das Flores.
(por Antonio Samarone)

“Eu amo tudo o que foi/ Tudo o que já não é/ A dor que já não me dói/ A antiga e errônea fé.” Fernando Pessoa.

Existia um cemitério no fundo da igreja matriz de Itabaiana. Quem saía do Beco Novo, confrontava o murro desse cemitério. Os vivos e os mortos coabitavam.

Os padres, freiras, membros de confrarias religiosas, autoridades e um ou outro rico, que não queriam enterrar-se no interior da igreja, podiam descansar nesse campo santo, ao ar livre.

O povo de Itabaiana aceitou a destruição desse cemitério, onde descansavam os seus antepassados, com indiferença.

O Cemiterinho foi sepultado durante a prelazia do Monsenhor José Curvelo Soares (1967 – 1975).

No mesmo período, a centenária igreja matriz foi deformada com uma reforma e as valiosas imagens dos Santos de Itabaiana, foram doadas ao Museu Sacro de São Cristóvão.

O Monsenhor Soares ignorou as tradições e a história da Paróquia de Santo Antonio (1675), a segunda mais antiga de Sergipe.

Com o fim do Cemiterinho e a troca do piso da Matriz, entre as memórias apagadas, ressalta-se a sepultura do Monsenhor Domingos Mello Resende, que conduziu a Paroquia por 50 anos, entre 1852 e 1902.

A Arquidiocese de Aracaju, bem que poderia devolver essas imagens sagradas e preciosas da Paróquia de Itabaiana. Deixar no museu sacro de São Cristóvão, as imagens dos Santos da antiga Capital.

“Não havia uma separação radical, como temos hoje, entre a vida e a morte, entre o sagrado e o profano, entre a cidade dos vivos e a dos mortos.” – João Reis.

O Cemiterinho era um ponto de encontro entre os vivos e entre os vivos e os mortos.

Temia-se a morte súbita, a morte de repente, inesperada, onde não houvesse tempo para os arrependimentos.

O muro de Cemiterinho era ponto de desocupados, seresteiros, fofoqueiros, aposentados e saltimbancos noturnos. O fundo do Cemiterinho era um palco para os boêmios e para os apaixonados.

“O objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.” – Freud.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)

NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS

 Nossa Senhora das Candeias.
(por Antonio Samarone)

Pelo lado paterno, sou filho do Matebe, engenho antigo, que fazia fronteiras com o Capunga, Cova da Onça e Candeias. Seu Elpídio de Ascendino de Genoveva, meu pai, nasceu no Matebe.

Seu Elpídio era José de Santana, filho de negros e holandeses. Não pertencia nem aos “Barbosas”, nem aos “Mendonças”, as duas famílias herdeiras das sesmarias, nas Candeias.

Dona Genoveva, minha bisavó, a matriarca raiz, era descendente dos holandeses, que por aqui andaram no século dezessete.

Ascendino, meu avô, era loiro de olhos verdes. A minha avó, Georgina, era negra, descendente de escravizados.

Seu Elpídio carregou pedras para construir a Igreja de Nossa Senhora das Candeias.

Não conheço as razões, mas as Candeias é uma terra dos Elpídios, são vários. O nome Elpídio significa “o que tem esperança”. No caso de papai, ele morreu sem alcançar essas esperanças.

Não foi o povoado que deu nome à Santa, pelo contrário, foi a Santa que deu o nome ao povoado. Nossa Senhora das Candeias é comemorada em 02 de fevereiro. Também é conhecida como Nossa Senhora da Luz, da Candelária ou da Purificação.

A parte profana da festa de Nossa Senhora das Candeias, era uma réplica das feirinhas de Natal, com brinquedos para os jovens; bancas de baralho, para os viciados em jogos de azar; roletas, onde se ganhava goiabas peixe e mulheres vendendo arroz com galinha. Foi lá que eu comi a galinha de capoeira, que permanece como sabor guia até hoje.

Quando avalio se uma galinhada presta ou não, a referência é a galinha de capoeira que comi a sessenta anos, na festa de Nossa Senhora das Candeias, em 1963.

A devoção a Nossa Senhora das Candeias no Brasil, foi trazida pelos espanhóis, no tempo da União Ibérica.

Candeias, povoado do meu pai, tem origem nas primeiras ocupações do Vale do Jacarecica, por volta de 1603. As Candeias foi parte do Arraial de Santo Antonio, da Igreja Velha.

Nasci numa casa de rancho, no Beco do Ouvidor. Casa pertencente a Dona Graça do Congo, uma quase tia de papai. Morar em casa de rancho cedida, era a única alternativa para os “sem tetos” daqueles tempos.

Sessenta por cento das casas em Itabaiana eram de rancho. Ou seja, usadas pelos donos apenas em dias de feiras e festas, quando saiam de suas roças. A vida era rural, dominada pelos tabaréus.

O Beco do Ouvidor (atual Monsenhor Constantino), cruzava o Beco Novo no segundo quarteirão, numa esquina onde cada canto tinha uma história.

Nos quatros cantos: Justino Sapateiro e Dona Mãezinha, a bodega de Jânio Quadro, casado com Delina, mãe de Cabecinha; Armelindo e o seu harém e a Vila de Manezinho Clemente, onde residiam as mulheres de portas abertas.

Candeia é um pau bom de cercas, onde brotam flores brancas, cheirosas, matéria prima para um mel delicioso das uruçus. Candeia também é lamparina, de onde vem candeeiro.

Na entrada das Candeias existia uma “Corrente”, como era denominado os postos de fiscalizações da Exatoria estadual.

Hoje, as Candeias é um distrito da Moita Bonita, onde ainda mora Paulo, um irmão por parte de pai, que quase não vejo. É o irmão que mais parece fisicamente com papai.

Com a globalização, os tabaréus acabaram. Uma pena!

Antonio Samarone. (médico sanitarista).

O TESOURO DE SANTO ANTONIO

 O Tesouro de Santo Antonio.
(por Antonio Samarone)

Eu tinha uma vaga lembrança dos cálices de ouro da Matriz de Antonio, em Itabaiana. Existia um grande sacrário, castiçais, bandejas, tudo em ouro maciço. Até um par de alpargatas em ouro, número 40, o tamanho do pé do Santo.

O tesouro foi doado a Santo Antonio, pelos jesuítas da Serra da Cajaíba, quando da sua expulsão do Brasil. O tesouro não é da Paróquia, é de Santo Antonio.

Em 1857, o Papa Pio IX, mandou um cofre especial para a Diocese de Itabaiana, visando colocar o tesouro de Santo Antonio em segurança.

O cofre existe e está bem guardado (foto).

A última pessoa, fora da hierarquia eclesial, a ver esse cofre aberto, foi a beata Zalmor, nos tempos do Padre Arthur. Ela morreu guardando o segredo do que viu.

O cofre travou já faz muito tempo. Não abre! Ninguém sabe o segredo, ou se sabe não informa.

Pulga de Cós já morreu. Era o único Itabaianense que sabia abrir qualquer cofre. Conhecia todos os segredos.

Conta-se que certa feita o cofre de Mané de Zeca dos Peixes enguiçou. Ele chamou Pulga para abrir. Em menos de cinco minutos o cofre estava aberto. Pulga encostou o ouvido, rodou prá cá, rodou prá lá, pimba, o cofre abriu.

Mané perguntou: quanto foi o serviço? Pulga não titubeou: cinco mil cruzeiros. Endoidou, reagiu Mané esbaforido: cinco mil? Um serviço que o senhor não levou cinco minutos. Não pago!

Pulga de Cós não esquentou, então eu fecho o cofre, e fechou.

Mané perdeu a calma, NÂO! Eu preciso do cofre aberto. Agora é tarde, resmungou Pulga de Cós.

Mané de Zeca dos Peixes, na necessidade, aceitou pagar o a dinheirama cobrada. Abra, pode abrir que eu pago.

Pulga de Cós, com a calma tradicional, foi taxativo: agora é dez mil cruzeiros. Cinco da primeira abertura e mais cinco para eu abrir novamente.

Mané teve que pagar. Precisava do cofre aberto.

Se eu soubesse quem sabe abrir cofres antigos, travados, valia a pena pagar, seja lá quanto for, para abrir o cofre de Santo Antonio. Eu acredito que a lenda do carneiro de ouro encontrado na Serra de Itabaiana, por Belchior Dias Morrea, é verdadeira.

Quem sabe lá se esse carneiro de ouro não está guardado nesse cofre de Santo Antonio.

Fotografei só o cofre, despistando a sua localização. Esses gatunos modernos, do crime organizado, já usam a inteligência artificial. Se souberem onde o cofre se encontram, levam o ouro em 15 dias.

Roubaram a taça Jules Rimet, que estava guardada no cofre do Banco Central, imagine o tesouro de Santo Antonio, em Itabaiana.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

AS NOVAS DEVOÇÕES

 As Novas Devoções.
(por Antonio Samarone)

Um amigo recente, Junior Carvalho, jovem empreendedor, gênio das mídias pôs modernas, me levou para uma turnê cultural em Itabaiana.

Fomos almoçar no Restaurante do Descamisado, no Pé do Veado. Depois eu conto. Parece um restaurante medieval, no bom sentido.

Na volta, pela estrada das Candeias, Junior entrou para a Moita Formosa. Uma região onde a minha avó Gina, morava em seu sítio. Foi lá onde eu conheci as lagartas de fogo. Subindo em um velho cajueiro, abracei de peito aberto um ninho de lagartas.

A queimadura queima até hoje.

Na Moita Formosa ficava o sítio de Messias do Gringo, que plantava o aipim rosa, o chamado aipim cardeal (quase papa). Lembrei-me de Messias, montado numa besta, vendendo aipim pelo Beco Novo. Eeeeiiii o aipim rosa! Mamãe corria para comprar.

Acho que essa espécie de macaxeira já foi extinta.

Os sítios foram invadidos pela especulação imobiliária. Para mim, uma Itabaiana desconhecida. Tudo novo. Ruas largas, pavimentadas e limpas. Praças gigantescas. Não cometeram os erros do Aracaju.

De repente, no alto de um pedestal, no meio da praça, vislumbro a imagem de um Santo que eu não conhecia a imagem. Quem é? Perguntei a Junior. Ele foi preciso: é Santo Agostinho!

Uma novidade: Santo Agostinho, o Bispo de Hipona, é um dos sábios da igreja. Não foi santo por fazer milagres, nem por passar por suplícios. Tornou-se santo pelo pensamento, era professor de retórica em Milão.

O que fazia ele ali, no meio do tempo, exposto ao sol e a chuva. Certamente, ele não foi consultado. Agostinho nunca foi um santo popular e nunca atendeu as promessas.

Quem teve essa ideia? Algum leitor de “Confissões”, “Cidade de Deus”, as obras celebres de Agostinho? Um santo da longínqua Argélia, que viveu entre os anos 300 e 400, que não possui devotos no Brasil, sendo homenageado em Itabaiana.

Perguntei a Junior, ele também não sabia.

Paramos o carro, e fui perguntar ao povo do lugar. Quem botou Santo Agostinho no pedestal? O primeiro, um senhor de meia idade, respondeu na bucha. “Esse é o Conjunto Santa Mônica, a mãe de Santo Agostinho.” O que me faltava era conhecer a vida dos Santos.

Explicado: Santo Agostinho estava ali pelo prestígio da mãe.

Que eu não tome por surpresa, encontrar a imagem de São Thomaz de Aquino em outra praça.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A ROTA DA CASTANHA

 A Rota da Castanha.
(por Antonio Samarone)

Saí da burocracia e fui visitar dois dos povoados de origem quilombola em Itabaiana: Barro Preto, Tabuleiro dos Caboclos, Carrilho, Tabocas e Dendezeiro.

Curiosamente, o único povoado reconhecido oficialmente como quilombola é o Zangûe, no boqueirão do poético Rio Jacarecica (onde não se encontra evidências).

As Flechas é outra história, lá havia um colônia de Malês, negros muçulmanos e alfabetizados. É de lá o líder abolicionista Quintino de Lacerda.

Ontem fui aos povoados Tabocas e Dendezeiros. Um lindo vale ao pé de serras, cheirando a castanha assando. A castanha parece com café torrando, o odor vai longe, e enche as nossas ventas. O cheiro me lembrou a casa dos meus avós, nas Flechas.

Eu gosto do cheiro da castanha assando.

A economia das Tabocas e o do Dendezeiro gira em torno da castanha e do pequenos negócios nas feiras livres, nos finais de semana. Um terra de experientes feirantes, todos especialistas no que vendem. Da carne aos temperos.

Desde a entrada, pelo Carrilho, é visível a origem africana daquela gente. A história de Fernão Carrilho, um entradista, que no século XVII, sufocou os mocambos daquele pé de serra, está confirmada.

O dendezeiro é uma palmeira originária da África Central e o dendê é um ingrediente básico em muitas comidas de origem africana.

Taboca é bambu, e eu desconheço a origem. Na localidade existe o Riacho Tabocas, hoje assoreado. Acho que devia ser um afluente do Vaza Barris.

Não se construía quilombos longe de fontes de água.

Procurei a professora Isabel, diretora da Escola Municipal. Encontrei um salão lotado de crianças assistindo a um vídeo educativo sobre assédio sexual. Um corpo docente unido, esclarecido e comprometido com a qualidade do ensino. Uma graça de Deus.

É a primeira escola municipal que visito em Itabaiana, cheguei de surpresa e muito me agradou.

Conversamos sobre a cultura negra, danças, capoeira, culinária e sobre as relações da educação com a cultura. Professores motivados e comprometidos com o ensino público.

Me contaram uma história engraçada. A Escola chama-se Maria Vieira de Mendonça, uma homenagem a ex-prefeita e ex-deputada Maria Mendonça. Nos tempos da antiga política, os adversários chamavam apenas Escola Maria Vieira e os correligionários de Escola da Filha de Chico de Miguel.

Coisas antigas da política em Itabaiana. Hoje é Escola Municipal e a merecida homenagem respeitada.

Prometi que no segundo semestres, a Cultura vai levar o cinema e a boa música para os povoados e para a Zona Rural. Começaremos pelo Carrilho.

Comprei as afamadas roscas e o bolo de leite de João de Nanam, mesmo sem poder desfrutá-los, por conta da diabetes. Comprei-os só pela beleza e pelo cheiro. Só comi uma tilasquinha. É esse o bolo raiz que estou procurando.

Liguei pedindo ajuda ao historiador Wanderlei Menezes, um profundo pesquisador da cultura Itabaianense. Ele sugeriu: vamos fazer a rota da castanha. Eu de pronto respondi: vamos!

Em Itabaiana, a cultura é um mundo ainda pouco conhecido.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CABOCLO FALADOR

 Caboclo Falador
(Antonio Samarone)

A fala é a rainha das linguagens. É pela fala que o espírito humano chega aos seus maiores voos. Não são as imagens, músicas, mímicas, escritas, poesia, nada se aproxima da fala.

Uma boa conversa com gente inteligente é um espaço sublime dos grandes talentos. No princípio foi o verbo. Creio que no Paraíso são enormes rodas de conversas.

É a fala que cria as narrativas. A fala permitiu uma revolução cognitiva. A fala é uma linguagem capaz de transmitir o que não existe. A fala criou lendas, mitos, deuses e religiões. O sapiens venceu contando histórias.

Não troco uma conversa, bem-humorada e inteligente, por nada: filmes, concertos, exposições, shows musicais, cultos, talvez o teatro se aproxime. O disse me disse é o ápice do espírito humano. A fofoca é um gênero artístico injustiçado.

Desconfio dos calados e dos sonsos. A evolução nos impôs uma boca única. Um erro grosseiro. No mínimo, quatro ou cindo bocas.

Quando os humanos se juntam, sem hierarquia, todos querem falar ao mesmo tempo. Vira um algazarra. Muitas vezes fingimos que estamos ouvindo, para conquistarmos o direito da fala.

Pagamos para falar. A ida ao psicanalista é um bom exemplo.

Quem quiser parecer simpático num primeiro encontro, ouça o outro, de preferência, ouça e finja concordar. A sua imagem será admirada.

Sem a fala não haveria a revolução cognitiva.

Seu Pedro da Matapoan teve um filho, Saulo, com um déficit cognitivo acentuado. O que antigamente era chamado de oligofrênico, idiota, retardado, apoucado. O menino passou a ser vítima de zombarias, perdeu o sossego.

Seu Pedro chamou o filho e aconselhou: Saulo, eles só sabem das suas limitações por que você fala, e todos percebem. Se você ficar calado, será normal como todo mundo. Saulo entendeu e calou!

Formou-se em medicina, e tornou-se um médico afamado e de poucas palavras.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

NA SOMBRA DA QUIXABEIRA

 Na Sombra da Quixabeira.
(por Antonio Samarone)

Os brancos chegaram a Itabaiana antes da Conquista de Sergipe, por Cristóvão de Barros (1590). Os franceses já andavam por aquelas bandas. A batalha da Cajaíba é de 1586, onde Luiz de Brito escorraçou os franceses, que por ali se encontravam buscando o valioso Pau Brasil.

Em 1594, sob a sombra da histórica quixabeira, o filho de um soldado francês e uma índia, o menino Simão Dias Frances, foi abandonado embaixo da frondosa arvore, ao lado direito da atual matriz de Santo Antonio.

Quando os primeiros sesmeiros chegaram para ocuparem as terras doadas pela Coroa portuguesa, por volta de 1603, e fundaram o Arraial de Santo Antonio, já encontraram esse menino branco vivendo entre os índios. E a quixabeira já se sobressaia na paisagem.

Os primeiros colonos que chegaram a Itabaiana para fundarem o Arraial de Santo Antonio (1603), foram: Ayres da Rocha Peixoto (1590), e os demais entre 1602 e 1603; Manoel Fonseca, Amaro Lopes (jesuíta), Gaspar Fontes, Francisco da Silveira, João Guergo, Manoel Tomé de Andrade, Francisco Borges e Gonçalo Francisco, Pero de Novaes Sampaio, Duarte Muniz Barreto, Jorge Barreto, Felipe da Costa e Melchior Velho, entre outros.

A família Peixoto, historicamente, é a fundadora de Itabaiana.

Por volta de 1637, com a ocupação holandesa, Simão Dias Frances não aceitou ter o seu gado sequestrado pelas tropas invasoras. Fugiu para as Matas do Caiçá, fundando uma nova povoação que leva o seu nome.

Simão Dias francês viveu em Itabaiana até os 43 anos.

Foi para essa mesma quixabeira, que Santo Antonio fugia da Igreja Velha, no vale fértil e belo do Jacarecica, para a árida caatinga de Ayres da Rocha, onde o padre de São Cristóvão, Sebastião Pedroso de Goes tinha uma propriedade, e queria vende-la a Irmandade da almas.

A história do Santo Antonio Fujão, que segundo o padre interesseiro, não queria a Villa no Vale do Jacarecica, deu certo. Em 09 de julho de 1675, o padre vendeu o sítio, onde hoje é a cidade de Itabaiana, à Irmandade das Almas, a quem pertence até hoje. Por isso, pagamos laudêmios.

Em 1675, viramos freguesia e em 1698, Itabaiana passou de Arraial a Villa, começando o funcionamento regular da Câmara Municipal.

A imagem de Nosso Senhor da Coluna Verde, a única que sobreviveu da Igreja Velha, não se encontra há muito tempo em Itabaiana. Precisa ser resgatada. Ela é parte da nossa história. Onde essa imagem se encontra?

Lenda, mito, história, a Quixabeira existiu e só foi cortada na segunda metade do Século XIX. O intelectual Vladimir Souza Carvalho, Desembargador Federal, conta em seu clássico “Santas Almas de Itabaiana Grande”, que as raízes da centenária quixabeira ainda eram vistas em meados do século XX.

Antes da Pandemia, com a iniciativa do engenheiro e trilheiro Ancelmo Rocha, recriamos os caminhos de Santo Antonio Fujão, belíssimo, com a presença do prefeito à época, Valmir de Francisquinho.

Em 2018, plantamos a quixabeira no mesmo lugar histórico, ao lado direito da Matriz de Santo Antonio! Quando a quixabeira começou a crescer, já estava bonita, tomando forma, um jardineiro desinformado, passou a foice na história.

A trilha esse ano será no dia 11 de junho e, na chegada, replantaremos no lugar onde a quixabeira estava em 1600, uma nova quixabeira. A quixabeira será replantada, tantas vezes forem necessárias.

Fica o convite: vamos replantar a quixabeira!

Que Deus proteja a nossa cultura, a nossa memória e a nossa história. Eu ainda tenho esperança em chupar dessas quixabas.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

O SANTO.

 O Santo...
(por Antonio Samarone)

Na tradição das Trezenas de Santo Antonio, em Itabaiana, cada dia era dedicado a um agrupamento social. Havia uma disputa de quem era a Trezena mais animada. Não era a que rezasse mais, era a que soltava mais foguetes. Em minha infância, a mais animada era a Trezena dos verdureiros.

Na década de 1970, cresceu a Trezena dos motoristas. Depois se transformou na atual Trezena dos caminhoneiros. Não é a mesma coisa. Motorista é qualquer um que dirigi, até Chauffeur de Praça. Caminhoneiro é uma categoria econômica e social.

Até a década de 1960, os caminhoneiros de Itabaiana comemoravam o dia de São Cristóvão, como o seu padroeiro. Em todo 25 de julho, os caminhoneiros, liderados por João de Balbino, motorista das marinetes de Oviedo Teixeira, faziam uma procissão, trazendo São Cristóvão da sua Capela, no Tabuleiro dos Caboclos, para a Matriz de Santo Antonio.

Eu assisti a várias dessas procissões, pelo Beco Novo!

Por volta de 1975/76, a coisa mudou: A bela imagem de São Cristóvão desapareceu (veja na foto). Deram fim. Até hoje se levanta suspeitas, sem provas. Sem a imagem de São Cristóvão, um grupo de caminhoneiros, liderados por Antonio Rolopeu, resolveu fazer a procissão, antes das Trezenas, e agora com Santo Antonio.

Santo Antonio foi tomado para padrinho dos motorista de Itabaiana. Unia-as uma tradição secular de louvação a Santo Antonio, com a festa dos caminhoneiros. Santo Antonio aceitou na hora.

São Cristóvão, até onde eu sei, nunca se queixou.

Na Matriz de Santo Antonio em Itabaiana existiam dezenas de imagens de Santo Antonio. Cada uma com um significado. O monsenhor Soares presenteou o museu de São Cristóvão com duas, se não me engano. A mais bela, esculpida em Portugal (1854). Já não sai mais do seu altar, está precisando de restauração.

No lado direito da Matriz, existia um altar com a imagem de um Santo Antonio diferente, mais descuidado, a imagem malfeita. Até o Cristo que ele carregava nos braços, tinha o ventre inchado. Era esse Santo Antonio que promovia a cerimônia do pão do pobres.

Em Itabaiana só existe uma unanimidade: Santo Antonio. Até os evangélicos fecham os olhos e, no fundo, muitos são devotos. Eu conheço até um Pastor, que anda com uma medalha de Santo Antonio escondida no pescoço. Ele está certo.

O Jesuíta Antonio Vieira, um gênio da língua portuguesa, escreveu:
“Se adoece um filho, chama Santo Antonio; se aguarda uma sentença, chama Santo Antonio; se uma donzela demora a casar, chama Santo Antonio; se perdeu a menor miudeza da casa, chama Santo Antonio; e, talvez, se quiser os bens alheios, chama Santo Antonio.”

Em Itabaiana nos acrescemos: se os caminhoneiros precisarem de proteção, chama Santo Antonio.

Fernando Martins de Bulhões e Taveira de Azevedo, nasceu em Lisboa, em 15 de agosto de 1195, filho de nobres portugueses. Ele se tornou Antonio, quando virou franciscano. Ele conheceu pessoalmente São Francisco.

Santo Antonio faleceu em Pádua, e a sua festa é celebrada em 13 de junho, desde o primeiro aniversário da sua morte.

No processo de santificação de Santo Antonio consta 53 milagres, desde os paralíticos que começaram a andar a mortos que ressuscitaram. Ganhou fama como casamenteiro e caçador de objetos perdidos.

No Brasil, o Dia dos Namorados é 12 de junho, para os encalhados encontrem uma melhor sorte no dia seguinte. Não sei se ainda se pendura Santo Antonio de cabeça para baixo, exigindo-se um milagre improvável.

Talvez a fama de casamenteiro deva-se as festas juninas, onde se comete muitas saliências e muitas danças apimentadas varam as madrugadas, numa sala de reboco. Os casamentos aumentam nesse período. Por conta, o Santo levou a fama. Eu prefiro acreditar.

Santo Antonio chegou a Itabaiana em 1600, junto com Ayres da Rocha Peixoto. Foi encontrada uma oração a Santo Antonio, num velho baú de Ayres da Rocha, achado na lama da barragem da Jacarecica I. Talvez a mais antiga oração a Santo Antonio, encontrada no Brasil. Essa versão é a mesma divulgada por Câmara Cascudo.

“Quem milhares quer achar/ Contra os males e o demônio/ Busque logo a Santo Antonio/ Que só o há de encontrar.
“Aplaca a fúria do mar/ Tira os presos da prisão/ O doente torna são/ O perdido faz achar”
“E sem respeitar os anos/ Socorre a qualquer idade/ abonem essa verdade/ ao cidadãos paduanos.”

Em 1754, Santo Antonio tornou-se Vereador perpetuo de Igarassu, cidade pernambucana, e os seus vencimentos foram destinados a comprar o pão do pobres.

Esse ano em Itabaiana, esperamos que a fervorosa devoção de João Patola, se transforme em sacos do seu afamado bolachão de canela, para os pobres (e para os remediados). Os bolachões de João Patola, são mais saborosos que os brioches de Maria Antonieta.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A VILLA DOS MILAGRES

 A Villa dos Milagres.
(por Antonio Samarone)

O Itabaianense é antes de tudo um devoto.

“Tantas vezes eu soltei foguetes, imaginando que a fé já vinha, fiquei no meu canto calado, sem saber a força que a devoção tinha.” Uma adaptação de um verso de Betânia.

Recebi a visita dos representantes dos Movimentos de devoção à Santa Dulce dos Pobres, em Itabaiana, com o convite para a peregrinação de 06 de agosto. Aceitei de imediato. Estou nessa!

Antes, vou para à caminhada de Santo Antonio Fujão, em 11 de junho.

Fui informado do carisma de Santa Dulce em Itabaiana e da força da devoção a ela. A cada dia uma nova surpresa.

Existem em Itabaiana: uma Casa Santa Dulce dos Pobres, que abriga 103 internos com problemas mentais (não são os dependentes químicos); os Missionários e Protetores de Santa Dulce, que distribuem comidas com os famintos; o Oratório do Padre Almir, para quem precisa de rezas e o Caminho de Santa Dulce, liderado por Ancelmo Rocha, de Salvador até o pé da grande Serra.

É muita gente! Os devotos acreditam que Itabaiana é a Cidade dos Milagres. Não foi somente o primeiro. São muitos. Quem sou eu para desacreditar. Milagres, verdadeiros ou falsos, eu acredito.

Até o Rotary de Itabaiana, o clube Nova Geração, aderiu aos missionários, além dos almoços e jantas tradicionais, eles estão ajudando aos pobres. Não duvidem!

A bela Igreja de Santa Clara, projeto do arquiteto Melcíades Souza, o nosso Gaudí, agora é de Santa Clara e da Santa Dulce. Melcíades ficou feliz.

Ainda ponderei que já era devoto de Santo Antonio, e devoção é como futebol, não se muda de time. Eles entenderam. Disseram que Santa Dulce também era devota de Santo Antonio.

Conhecendo a força da fé em Santa Dulce, em Itabaiana, entendi por que a Prefeitura de São Cristóvão luta, sem sucesso, para criar um caminho de fé, entre a velha capital e a Paróquia de Santa Dulce, em Aracaju. A primeira no mundo.

O Estado é laico no Brasil. A fé não depende de decretos municipais. O turismo não inventa santuários, procissões, peregrinações, sem um forte movimento de devoção.

O turismo religioso precisa de bases reais, não é somente uma estratégia administrativa. Assim era fácil.

A Santa Dulce dos pobres escolheu Itabaiana para os seus milagres ou o povo de Itabaiana escolheu Santa Dulce para depositar a sua fé? Acho que é a mesma coisa.

Tive uma premonição, em sonho: Itabaiana caminha para se transformar em um santuário, uma Ermida importante, da Santa Dulce dos Pobres. O local é belíssimo, no pé da grande Serra, onde os devotos já construíram um mirante maravilhoso.

Tudo construído sem dinheiro público. Apenas devotos, movidos pela fé.

A Santa pediu que a Ermida fosse ao lado do Parque dos Falcões. Os devotos atenderam e incluíram uma novidade: colocaram a causa ambiental na pauta das orações. A Ermida fica no Parque Nacional Serra de Itabaiana, e o cuidado com a proteção ao meio ambiente, faz parte da devoção.

Itabaiana é a terra dos milagres!

Antonio Samarone (um devoto de Santo Antonio)

SONHOS DE INFÂNCIA


 Sonhos de infância.
(por Antonio Samarone)

Os brinquedos que eu sonhava na infância eram a bola de futebol e o velocípede. Papai Noel ignorou.

Em Itabaiana, os meninos de hoje sonham com um caminhão de brinquedo.

Faz sentido, a cidade cresceu puxada pelos caminhoneiros. Mesmo não sendo mais uma atividade de ponta da economia, ainda é a locomotiva da cidade.

Os caminhoneiros de Itabaiana se tornaram fortes pelo poder da competitividade. Quem tinha as cargas sabia: mandando-as pelos caminhoneiros de Itabaiana a mercadoria chegava no prazo. E se a carga fosse de perecíveis, até antes.

Se pagou um preço elevado. Muitos perderam a vida. A eficiência era obra dos “arrebites”, substâncias estimulantes, com efeitos colaterais desagradáveis. Tomados a torto e a direito.

Mas foi assim.

Os caminhões puxaram a economia e a vida em Itabaiana. Formou-se uma cultura e uma ideologia.

Os meninos de Itabaiana querem ser caminhoneiros. Não querem ser padres, soldados, artistas, médicos ou políticos. Querem as estradas. Na infância, Eu queria ser jogador de futebol. No bicampeonato do Brasil (1962), eu tinha 8 anos.

Os meninos de Itabaiana inventaram uma carreata de caminhõezinhos de brinquedo.

No domingo, dia 04, teremos mais uma dessas carreatas, puxadas por meninos e meninas. São mais de 5 mil. Não sei quem teve a ideia de fazer a primeira, em 2009. Só parou nos dois anos de Pandemia. Voltou bem mais forte.

Essa carreata não é uma brincadeira, é um sonho e uma saudade. São filhos e netos homenageando os que tombaram e os que continuam vivos. São carrinhos com as fotos e os nomes dos que morreram. E foram muitos.

São crianças homenageando os pais, avós, tios, primos e amigos, que vivem ou viveram nas estradas da vida.

Quem lidera essa carreata única e original é Luzia de Pote de Lorinda, do Pé do Veado, e o seu marido, Tatu de Zé Charuto. Gente com raízes profundas entre os caminhoneiros.

Praticamente, cada família teve uma vítima nas estradas. Eu perdi um cunhado e tenho um irmão na linha de frente.

A vingança dos filhos é continuar a luta dos pais.

É muito forte a ilusão de que as estradas libertam, que é um destino natural de aventureiros. Gente corajosa, que transformou Itabaiana na capital nacional do caminhão.

Sergipe ser destaque nacional em qualquer coisa é raro. E ser destaque em um setor importante da economia, não é pouca coisa.

O caminhoneiro é um destemido! Os riscos são enormes!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O ORÁCULO DOS PROFETAS

 O Oráculo dos Profetas.
(por Antonio Samarone)

Acordei-me pensativo, sobre uma conversa com Zacarias, descendente direto do Barão de Santa Rosa. A visita à Simão Dias (francês) foi inquietante.

Segundo Zacarias:

A concepção escatológica da história triunfou: o mundo moderno não é obra do humanismo nem da reforma, mas do desenvolvimento da pesquisa científica no final do século XVI, que nos empurrou para a essa pós-modernidade, sem saídas.

O saber ganhou asas e tornou-se independente, e marcha para controlar a inteligência humana. De oráculos dos profetas, passamos a oráculos da inteligência artificial.

A ciência derrotou o iluminismo humanista.

A ciência permitiu o controle das forças da natureza. A profecia marxista foi cumprida: “até então, os filósofos interpretavam o mundo, agora se trata de transformá-lo.”

A liberdade individual foi uma ilusão inútil. Caminhamos para a batalha final, bovinamente.

A natureza vinga-se, tornando-se hostil. Está desconstruindo as condições que permitiram a vida, pelo menos aos sapiens.

Que cada um viva ao seu arbítrio e quem quiser morrer, que morra em santa Paz...

Zacarias, encerou a prédica citando N. Bobbio: “A tarefa dos homens de cultura é a de semear dúvidas, e não a de colher certezas.”

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

AS VERDADES DO MONSENHOR

 As Verdades do Monsenhor.
(por Antonio Samarone)

Na década de 1970, eu ensinava biologia no Colégio Arquidiocesano para manter os estudos de medicina na UFS. Ensinava para sobreviver.

Deparei-me com uma polêmica. Na época, os livros de biologia passaram a trazer um capítulo sobre Charles Darwin e a sua revolucionária “Teoria da Evolução”. Como ensinar, num colégio católico, que a bíblia tinha errado em sua teoria criacionista?

A visão bíblica afirma que Deus criou o homem e deu-lhe plenos poderes sobre a Terra. O homem é a imagem e semelhança de Deus. O homem tem o domínio sobre as coisas vivas e inanimadas.

Darwin, naturalista inglês, havia publicado a Origem das Espécies (1859) e a Descendência do Homem (1871), desmontando as verdades bíblicas. O baque foi grande!

Se a retirada da Terra do centro do Universo, por Copérnico e Galileu, já fora um grande problema, agora, Darwin retira o homem do centro da criação.

A partir da década de 1970, essa polêmica chegou aos currículos escolares, aqui em Sergipe. Virou assunto de sala de aula.

O homem deixava de ser a imagem e semelhança de Deus e tornava-se mais uma espécie, que tivera a mesma origem que os demais viventes. A vida surgiu na Terra há cerca de 4 bilhões de anos, como uma bactéria, na sopa primordial.

E nós, Homo sapiens, surgimos há bem menos tempo, cerca de cem mil anos. Somos do Reino Animal, do Filo dos Cordados, da Classe dos mamíferos, da Ordem dos Hominídeos, da Família dos Primatas, do Gênero Homo e da Espécie sapiens.

Somos a única espécie viva do gênero Homo. As demais espécies de Homo foram eliminadas: habilis, erectus, australopithecus, entre outros.

O Neandertal possuía um cérebro maior que o nosso, usava ferramentas e cuidava dos doentes. A medicina é anterior ao Homo sapiens.

Esse era o meu dilema: “se a Teoria da Evolução for verdadeira, o relato da Criação no Gênesis é falso.” E eu vivia daquele emprego.

Eu precisava negar a bíblia num colégio católico.

O Colégio era da Arquidiocese de Aracaju, comandada pelo conservador Luciano Duarte. Um homem culto, doutor em Sorbonne. Um orador sacro à altura do Padre Antonio Vieira.

Procurei o competente e integro Reitor do Colégio, Monsenhor Carvalho. Expus a minha dificuldade. Ele foi magnânimo: “professor o senhor continua ensinando a Teoria da Evolução em suas aulas de biologia, que do catecismo cuido Eu.”

Hoje, isso deixou de ser problema. A Teoria da Evolução foi comprovada pela arqueologia, pela genética, pela biologia e a religião tornou-se cada vez mais crente em seu Paraíso.

A ciência e a religião convivem, cada uma com as suas verdades, e não se fala mais nisso.

Uma mesma pessoa pode professar as duas crenças, sem que enxergue nisso nenhuma contradição. O Monsenhor Carvalho já sabia disso: São verdades diferentes.

Descendemos dos primatas e somos feitos de barro (pó), depende do enfoque. A bíblia foi uma justificativa para a ambição humana em dominar a Terra.

Parece que está dando errado!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

ALZHEIMER SOCIAL

 O Alzheimer social.
(por Antonio Samarone)

Ninguém sabe onde a velhice o leva!

Após a aposentadoria, como chefe de gabinete parlamentar, solteiro, morando só, numa casa de Cohab no subúrbio do Aracaju, Rosivaldo (76 anos), optou pelo isolamento. A família e os amigos, naturalmente indiferentes, nem perceberam.

Rosivaldo optou pela absoluta indiferença social. Chegaram a comentar que ele apresentava sinais de Alzheimer, onde, era apenas uma mudança voluntária de comportamento.

O isolamento aprofunda a solidão. Sempre calado, nos poucos lugares que ainda frequentava. O silencio é um recurso eficaz, evita aborrecimentos.

Rosivaldo, que viveu na mais profunda rotina. Sem sonhos, ambições, ilusões, projetos, metas ou missões. Um personagem alheio ao narcisismo. Ele não aspirava a felicidade dos eleitos. Nada desejava: praticava um forma primária de budismo.

Rosivaldo não via mais graça na vida, estava enfadado, mas não queria morrer. Tinha medo. Como dizia Baudelaire: “medo de um grande buraco negro, levando-nos para as frias profundezas cósmicas.” Onde vaga-se ao Léu, sem ponto de chegada ou de descanso.

O inferno de “Dantes” é quase um céu.

Quando finda a gravidade e a matéria, os espíritos rodopiam em alta velocidade. A consciência nas trevas, perde a memória e a esperança. Rosivaldo temia a morte, mesmo levando uma vida virtual.

Chega-se ao ponto que não se quer mais prolongar a vida e nem morrer, o jeito é conceder-se férias e afastar-se da vida. Ao invés de morrer, se desaparece.

A morte de Rosivaldo, a semana passada, foi mera formalidade. Durante o longo internamento, as notícias sempre vinham acompanhadas do “não tem mais jeito”. Ele foi desenganado pelos amigos, bem antes do tempo.

Rosivaldo já estava morto, faltava-lhe apenas o sepultamento. E assim foi feito. Os amigos, fizeram do velório uma forma de reencontro dos que ainda permanecem vivos. Muitos, apenas olharam o caixão aberto, sem a tampa, só para confirmar se o cadáver era mesmo o dele. Sem o menor sinal de sentimento.

Em volta do morto, um senhor pregava em voz alta, passagens soltas do evangelho. Não conseguir identificar de quem se tratava, não parecia ser membro de nenhuma Congregação religiosa. Soube, que era um frequentador habitual daquele espaço, onde rezava, gratuitamente, por qualquer defunto. Sempre levando um consolo aos que ficavam: a vida não acabava ali.

Alguns fingiam que acreditavam e outros acreditavam mesmo. Aliás, não se perde nada acreditando.

Nas rodas dos conhecidos que infestaram o velório, se falava de tudo, menos do morto. Muito menos da morte. E assim, mesmo a contragosto, a minha geração vai passando dessa para uma melhor.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)