Antonio Samarone de Santana.
Academia Sergipana de Medicina.
A gripe ou
influenza é uma doença infecciosa, geralmente benigna, provocada por vírus e
transmitida por contato direto. Algumas vezes, em decorrência de mutações genéticas
do vírus, pode transformar-se em doença fatal. A causa da gripe foi
inicialmente atribuída a um bacilo, isolado em 1891, pelo médico alemão Richard
Pfeiffer. Somente em 1933 o vírus da doença é identificado por cientistas
britânicos, abrindo a possibilidade de elaboração de vacinas contra a gripe.
Em 1918, uma
epidemia de gripe originada na Espanha se generalizou pela Europa, então
marcada pelos efeitos da I Guerra Mundial, e de lá se propagou para a Ásia e o
continente americano, tornando-se uma pandemia. As estimativas apontaram cerca
de vinte milhões de mortos entre os seiscentos milhões de infectados em todo o
mundo.
A gripe
espanhola chegou ao Brasil a bordo do navio S. S. Demerara, que em 21 de
setembro aportou no Recife proveniente do porto de Dacar, na África, a epidemia
se espalhou, em poucas semanas, pelas principais cidades do país.
Em Sergipe,
a gripe espanhola chegou em 20 de outubro de 1918, quando seis pessoas
contaminadas pelo referido mal desembarcam do “Vapor Itapacy”. Logo que a informação
chegou ao conhecimento do Diretor de Higiene, essas pessoas foram removidas
para o Lazareto Público, mas já era tarde. Em 04 de novembro, o mal já havia se
espalhado pelo Estado, sendo a primeira vítima fatal Georgina de Jesus, negra
de 25 anos e residente à Rua de Campos, em Aracaju[i].
O Governo
tomou todas as providências que a sua estrutura permitia: criou um “Serviço de
Combate à Gripe Espanhola” e entregou a coordenação ao Dr. Eronides de
Carvalho. Convocou, para fazer parte do serviço, todo o pessoal médico ligado
aos serviços públicos, ou seja, os Drs. Octaviano Melo, Diretor de Higiene;
Pimentel Franco, Diretor da Assistência Pública; Carlos Menezes, Diretor do
Gabinete de Identificação e Estatística e Médico legista da Policia; Álvaro
Telles de Menezes, médico da Prefeitura e Alexandre Freire, Diretor do grupo
Escolar “General Valladão”. Além do seu pessoal, comissionou os Drs. José
Francisco da Silva Melo, médico, e Durval Madureira Freire, João Alfredo de
Marsillac Motta, José Alves Tavares e Pedro Garcia Moreno, farmacêuticos, e
Francisco Accioly Sobral, cirurgião-dentista[ii].
O
Presidente recorreu à Assembléia Legislativa pedindo liberação de recursos para
enfrentar o problema. Em 08 de novembro, a lei n.º 765 abriu
créditos especiais de 10 contos de réis para o combate à epidemia e, poucos
dias após, em 16 de novembro, a gravidade e velocidade de expansão da doença
obrigou a aprovação de uma nova lei, a de n.º 766, abrindo créditos
de cem contos de réis para o mesmo fim. A previsão orçamentária do Estado para
o ano de 1918, destinava à rubrica Higiene e Saúde Pública pouco mais de 33
contos de réis[iii].
Diante das
deficiências do Poder Público para enfrentar a epidemia, a sociedade reagiu de
forma inusitada: pela primeira vez, em Sergipe, a população se mobilizou para
enfrentar um problema de saúde pública. Entidades, empresas, clero,
instituições beneficentes movimentaram recursos e pessoas para enfrentar a
epidemia. A loja Maçônica “Cotinguiba” assumiu a responsabilidade pela
assistência da área que ia da Rua Barão de Maruim até a localidade denominada
“carro quebrado”. A Maçonaria entregou a coordenação dos trabalhos ao professor
José de Alencar Cardoso, e contratou o Dr. Berílio Leite para realizar os
trabalhos clínicos. 885 doentes foram atendidos pela loja maçônica, com 19
óbitos.
Importante
também foi à participação da Associação Comercial, responsável pelas ruas
Divina Pastora, Bonfim, Socorro, Vitória, Desaperta, Topo e Ignácio de Loyola.
A entidade comercial contratou os serviços clínicos do Dr. Álvaro Teles de
Menezes e atendeu a um total de 795 doentes. O Posto de Santo Antônio atendeu
1.200 doentes e ficou sob a responsabilidade do padre Abílio Mendes, de Garcia
Rosa e Silvério Fontes e os serviços clínicos entregues à farmacêutica
Cesartina Regis. Participaram também no combate à epidemia a Cruz Vermelha (320
doentes), Hospital Santa Isabel (50 doentes), quartel do 41.º Batalhão de
Caçadores (352 doentes), fábrica Confiança (382 doentes), fábrica Sergipe
Industrial (763 doentes), Escola de Aprendizes de Marinheiros (72 doentes),
quartel de polícia (77 doentes), cadeia pública (83 doentes), Compagnie des
Chemins de Fer (123 doentes) e Lazareto Público (32 doentes).
O
atendimento consistia, basicamente, na distribuição de medicamentos entre a
população indigente, distribuição de alimentos ou dinheiro, desinfecção das
casas onde ocorriam óbitos e na remoção dos cadáveres. O tratamento usado para
enfrentar a gripe era um purgativo, óleo de rícino ou água laxativa vienense,
um antitérmico, cápsula de aspirina, pyramidon ou antipyrina, e um xarope de
alcatrão. Para desinfetar as casas usava-se creolina, alcatrão e gás sulfuroso,
como também se queimavam alcatrão nas ruas e praças.
“Em noite
de 03 de dezembro de 1918, ordenei que se queimasse alcatrão nas praças Tobias
Barreto e na do mercado, bem como nas ruas de Estância, Laranjeiras, São
Cristóvão, Tôpo, São José, Estrada Nova, Alecrim, Geru, Divina Pastora, Bonfim,
Victória e São João.”[iv]
Como
demonstração da importância do atendimento prestado pela sociedade civil em
Aracaju durante a epidemia, a Diretoria de Higiene, ou seja, o Poder Público,
atendeu 2.790 doentes, enquanto as organizações não governamentais atenderam
4.488, ou seja, quase o dobro do Estado.
Durante os
três meses que a pandemia assolou Sergipe. O número de casos registrados e o
número de óbitos da epidemia de gripe espanhola, segundo o relatório de 1919,
do Presidente Pereira Lobo, foram de 25.910 casos, com 997 óbitos em todo o
Estado; sendo que somente em Aracaju aconteceram 7.974 casos, com 229 óbitos.
Esses dados
foram contestados, inclusive pelo próprio chefe do combate, Dr. Eronides de
Carvalho, que afirmava em seu relatório que o número de casos foi bem superior,
devido a duas razões principais: os serviços de registros não eram merecedores
de fé e só eram registrados os casos que se verificavam em indigentes que
precisaram do socorro público.
O que ficou
demonstrado é que Sergipe, pelo menos até o ano de 1919, ainda não tinha como
enfrentar as epidemias. As ações eram improvisadas. Nesse caso da gripe
espanhola toda rede escolar foi fechada, como várias outras instituições
coletivas. O que ficava cada vez mais claro era a necessidade de uma ampla
reforma dos serviços de higiene e saúde pública.
[i] Mensagem
apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo
Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[ii]
Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo
Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[iii]
Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo
Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[iv]
Relatório do Chefe do Combate à Espanhola em Sergipe, Dr. Eronides de Carvalho,
publicado no jornal “O Estado de Sergipe”, edições a partir de 08 de fevereiro
de 1918.