A assombrosa história da
medicina, o caso das lobotomias.
Antonio Samarone
Academia Sergipana de Medicina.
Os conhecimentos da medicina
sobre o cérebro humano são recentes. Somente no final do século XIX, Santiago Ramón
y Cajal, médico espanhol, Nobel em 1906, descobre que a unidade funcional do
Sistema nervoso é o neurônio. Não é por acaso, que até hoje, o coração ainda
simboliza as emoções. Em boa parte do século XX, a medicina não dispunha de
nenhum recurso para enfrentar as doenças mentais.
Havia suspeitas que as funções
nervosas superiores, linguagem, visão, emoções, etc., se localizam nos lobos do
cérebro, porém sem comprovação científica. Somente em 1865, Pierre Paul Broca
comprovou que o lobo frontal esquerdo era a sede da fala, e ficou conhecido
como a “Área de Broca”. Essa descoberta deu fôlego para o surgimento da
frenologia, tão apreciada pela medicina legal e pela criminologia no começo do
século XX.
Com as descobertas da anestesia,
assepsia e da localização das funções mentais em áreas específicas do cérebro,
final do século XIX, o caminho estava aberto para a resolução das doenças do
sistema nervoso através da cirurgia. Primeiro as neurocirurgias, retirada de
tumores, abscessos, coágulos se tornaram frequentes; e logo em seguida, a
introdução das cirurgias para as doenças mentais, as psicocirurgias. A ideia
era simples: se os doentes estão ouvindo vozes, basta extrair o centro da fala
que o problema está resolvido.
Reconhecemos que a tentativa de
resolver as doenças mentais cirurgicamente é antiga. “Rogério de Salerno,
cirurgião do século XII, recomendava que para mania e melancolia o escalpe do
topo da cabeça fosse incisado em cruz e o crânio perfurado para deixar escapar
a matéria”, (Antunes, p. 176). Porém, nada parecido com a lobotomia, método
instituído a partir de 1935, pelo médico português Antônio Caetano de Abreu
Freire Egas Munir, que consistia na retirada do lobo pré-frontal do cérebro,
como forma de tratamento de várias doenças mentais, entre elas a melancolia e a
esquizofrenia. A lobotomia era a retirada da parte doente do cérebro, uma
verdadeira cirurgia da alma.
A lobotomia como forma de
tratamento das doenças mentais se expandiu velozmente pelo mundo. Segundo
Antunes, em sua biografia sobre Egas Muniz, entre 1942 e 1954, foram operados
na Inglaterra e no País de Gales 11 mil doentes mentais e nos Estados Unidos,
teriam sido praticadas 18.600 intervenções. O uso da lobotomia reduziu em 25% a
população psiquiátrica nos hospitais. A primeira lobotomia no Brasil foi
realizada pelo Dr. Matos Pimenta, em 1936, no hospital do Junqueri em São
Paulo. A Colônia Juliano Moreira, inaugurada em 1952 no Rio de janeiro, possuía
uma ala de psicocirurgias denominada Egas Muniz.
Em 1949, o Dr. Egas Muniz é agraciado
com Nobel de medicina pela descoberta da lobotomia; premio que ele aguardou por
sua outra descoberta para a medicina, a angiografia. Egas Muniz faleceu em 1955,
coberto de glórias como grande benemérito da medicina. A lobotomia foi usada
largamente no mundo até 1954, com a descoberta da clorpromazina, o primeiro
medicamento usado com algum sucesso no tratamento das doenças mentais.
A partir desse momento, a visão
sobre o papel da lobotomia na medicina inverteu-se radicalmente. As denuncias
de que era um método de controle para prisioneiros políticos e jovens
delinquentes se espalharam, em especial, nos países totalitários, que era uma
forma de eugenia social, de transformação de seres humanos em zumbis
descerebrados, etc. A lobotomia passou a ser usada para tratar de uma série de
males, incluindo a ninfomania, o socialismo e a sede insaciável por liberdade.
Várias propostas para revogação do Nobel para Egas Muniz já foram tentadas, e famílias
já acionaram a justiça para reparar os danos a seus familiares que receberam o
polêmico procedimento.
A lobotomia caiu na clandestinidade
por vários anos, passou a ser considerada uma terapia aberrante e cruel,
praticada por médicos marginais. Atualmente as psicocirurgias ressurgiu com acentuado
vigor, subsidiada pelos conhecimentos das neurociências, com mais recursos,
mais precisão, com amplo conhecimento dos pacientes, e com retiradas de áreas
bem mais restritas do cérebro. “A profissão médica não deve desculpas pela prática
da lobotomia”, dizem os novos adeptos das psicocirurgias, deve celebrar essa
prática como um começo ousado de uma evolução que continua... A cirurgia
funcional do Sistema Nervoso está apenas começando.
A mais comovente lição deste belo
trabalho de João Lobo Antunes, “Egas Muniz – uma biografia”, publicado pela
Civilização brasileira, é que precisamos ficar alertas para a rapidez como a
medicina modifica suas visões e suas condutas nos enfretamentos dos problemas
de saúde.
A questão das doenças mentais
continua polêmica. As visões variam dos que acreditam na inexistência das mesmas,
tudo não passando de comportamentos alternativos, alguns com reconhecido
sofrimento; a uma visão inversa, onde todo comportamento fora da média é um distúrbio
mental, portanto, passível de medicalização. As visões simplificadas das
neurociências buscam nas alterações físico/química do cérebro, a base mecânica para
as perturbações mentais. As condutas terapêuticas variam das simpatias,
terapias grupais, florais, psicoterapias, intervenções medicamentosas e psicocirurgias;
ou ecleticamente, tudo junto e misturado. Quem quiser que acredite nas descobertas
“científicas” da medicina sem uma visão critica. Eu ando desconfiado com
tudo...