quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

QUEM COMEU SARDINHA?

 Quem comeu Sardinha?
(por Antonio Samarone)

A história oficial revela (equivocadamente) que o único prelado submetido ao ritual antropofágico nas Américas, em junho de 1556, durante a realização do Concilio de Trento, foi o Bispo Sardinha.

A confusão aumenta quando a história imputa a façanha aos Caetés, num suposto naufrágio ocorrido nos arrecifes de Coruripe, em Alagoas.

O historiador Moacyr Soares Pereira, fundamentado nos arquivos dos Jesuítas em Madri, já desmentiu essa versão. O Bispo Sardinha foi comido na Praia Santa Isabel, entre Pirambu e Cabeço, na enseada do Vaza Barris, em Sergipe. E pelos Tupinambás!

Os historiadores das faculdades nem desmentiram Moacyr, nem concordaram, sendo mais preciso, nem prestaram a atenção. O Bispo continuou sendo comido pelos Caetés.

Relendo o velho João Ribeiro (o sergipano), encontrei outra versão, mais verossímil, sobre Dom Pero Fernandes Sardinha. Dado a importância para a história, transcrevo o texto na íntegra:

“A MENTIRA DO JUDEU – João Ribeiro.”

No ano de 1593 estando em Olinda o Licenciado Heitor de Mendonça, Visitador do Santo Ofício, foi denunciado à sua presença um velho adelo e roupavelheiro de nome Gil Gomes, acusa do de judaísmo.

Declarou Gil Gomes que era cristão velho, natural de Almeirim, observante da fé de seus pais e que muito jovem viera do Reino para a Bahia e aí servira de sacristão do bispo Dom Pêro Fernandes Sardinha a cujas abas e proteção vivera por dous ou três anos.

A este ponto, o Visitador que tomava apontamentos para o seu Tratado Sentencioso, Moral e Descritivo do Brasil, interessado pelo depoimento, perguntou se efetivamente o bispo tinha sido comido pelos caetés.

Pelo contrário, disse o velho Gil Gomes; o bispo não foi comido e até foi ele quem comeu. Mentes, miserável judeu! Como podes afirmar semelhante cousa? Morrerás a fogo se não falares verdade.

Mas, refletindo nos apontamentos do seu Tratado Sentencioso, animou o judeu a dizer tudo o que sabia.

Senhor Visitador, eu estive no naufrágio da nau Nossa Senhora da Ajuda que se quebrou nos parcéis do Cururipe.

Os náufragos fugiram e ficamos em terra, apenas dous, o bispo e eu. Haverá mais de cinquenta anos que isso foi, e é bem possível que minha memória enfraquecida cometa algum desfalecimento.

Prossegue, ordenou o Visitador. Ficamos os dous, e realmente seríamos comidos dos caetés, não fôsse uma inspiração minha que lembrei ao Bispo a conveniência, na quele transe, de dizer uma missa. E assim se fêz.

“Armamos um tôsco altar, alçamos uma cruz feita de lenho da floresta e o bispo rezou a missa que supunha ser a última do seu mister. Mas qual não foi o nosso espanto, vendo o gentio ajoelhado, mudo e contrito, diante do santo sacrifício. As próprias aves em torno entoavam louvores ao Senhor.

“Estávamos salvos!

“O cacique Tejuguaçu desde então se tornou o maior amigo de Dom Pêro, a quem fez particulares obséquios, e deu-lhe para o seu serviço a gentil e formosa Ganumbi, a flor da taba caeté.

"Ao santo cresceram-lhe as barbas que a indiazinha anediava docemente, quando num Dia de fortes calores, Dom Pêro, tentado do demônio, chamou a si a linda Ganumbi e comeu-a a dentadas..."

Mentes ainda, miserável judeu! Clamou o Visitador indignado; mas pensando nos apontamentos para o seu Tratado Sentencioso, ordenou ao judeu que prosseguisse.

Realmente (continuou o judeu) eu nada vi por meus olhos, mas vi que todos os índios gritavam: “O abaré comeu a índia! Abaré comeu Ganumbi!”

“E já aprestavam a desforra. As velhas dançavam e punham a ferver o cauim para banquetear-se nas gorduras do santo homem. Dom Pêro arrependido, consternado, em lágrimas, de sua própria mão foi buscar a tangapema, espécie de clava com que havia de ser abatido, sacrifício pequeno para o seu grande erro.

“Foi neste ponto que chegou Tejuguaçu, o cacique, que dando um pontapé nas igaçabas de cauim livrou Dom Pêro da morte.

“— O abaré é meu amigo, disse o cacique. Não faltarão por aí outros Perós para serem comidos.

“E como eu era o único Peró (assim chamam eles aos portugueses) que ali havia , dei à perna quanto pude e vim parar à Capitania de Pernambuco."

Aqui acabou o depoimento. Gil Gomes foi remetido a Lisboa, como judeu mentiroso, negativo e relapso, para os cárceres da Inquisição.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O LAVA-PÉS

 O Lava-Pés.
(por Antonio Samarone)

Como revisitar o passado, entendê-lo, desfrutá-lo? A história limita-se aos fatos e dados que deixaram registros documentados, ou seja, quase nada da vida, do cotidiano, dos valores, das crenças, dos costumes e das subjetividades.

Na falta de registros isentos, a história recorre aos jornais da época. Nunca entendi. Basta observar o que os jornais escrevem na atualidade. O que são notícias? São versões interessadas dos ocorridos. Longe da realidade!

Como recuperar essa memória? A arte e a cultura visualizam melhor o passado, em sua complexidade. A imagem mais profunda de Portugal, na segunda metade do Dezenove, encontra-se na obra de Eça de Queiroz, a profundidade da vida nordestina em Gilberto Freire e Câmara Cascudo.

Estou dizendo: é na sensibilidade dos artistas, nas tradições, na linguagem que podemos recuperar parte da memória da vida passada.

O fuxico é o motor da história.

Nunca entendi os critérios das igrejas nas escolhas dos meninos que participam da celebração do lava-pés, na Semana Santa. Uma rememoração da última ceia, quando Cristo lavou os pés dos apóstolos.

Eu era uma rato de igreja. Um catecúmeno assíduo aos atos e celebrações. Esperava ansioso o convite para o lava-pés. Nunca fui lembrado. Nunca fui anjo de procissão.

Observava os meninos escolhidos e me perguntava: como eles foram selecionados, quais os critérios? Depois de meio século, acabo de descobrir:

“A seleção dos que iriam ao lava-pés, (em Itabaiana), era prioridade de Dona Maria de Joãozinho do Vapor. Ela escolhia os doze, entre os seus mais de trezentos afilhados, e os arrumavam de modo idêntico aos apóstolos da Última Ceia.” – Dr. Luiz Carlos, citado por Vladimir.

Acabou a minha aflição. Eu não era afilhado de Dona Maria Tavares, uma grande doadora para as obras da igreja. Passei a infância com os pés sujos.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

LETRAS PROVINCIANAS

 Letras Provincianas.
(por Antonio Samarone.)

Sergipe é um fenômeno literário e poético. A proliferação de Academias é uma consequência. Esses artistas merecem o reconhecimento.

Sobre as Academias, continuo pensando como o comprovinciano Alberto Carvalho.

Muitas almas agrestes e rudes se aventuram em publicações de livros. Os antigos, diziam que sem o dom da poesia ninguém possui o senso estético. Tudo bobagem, perdemos a timidez.

Recentemente, uma vaca sagrada da intelectualidade sergipana desacreditou os articulistas de internet, pelo erros gramaticais encontrados em seus textos. “Eles não sabem usar a crase”, disse o consagrado provinciano.

Relendo o grande João Ribeiro, autor de uma gramática da língua portuguesa, encontrei esse trecho:

“Assim, pois, meus senhores, amigos e inimigos, sabei que eu sou um pecador velho, como “vos ommes... A verdade é que, quando publiquei uma gramática, parece que tive a previsão desse enfado, e publiquei-a justamente para desquitar-me desse monstro, e errar à vontade.”

Por conveniência, penso como João Ribeiro.

Gilberto Freire considerava João Ribeiro, e não Tobias, o maior intelectual de Sergipe. O laranjeirense João Ribeiro, ocupou a cadeira 31, da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 1934.

“Para o botânico a planta vale pouco, porque quase não tem inteligência; mas para planta é possível que a inteligência seja uma aptidão à desgraça, qualidade inferior e tal que aos olhos dela desmoralize o homem.” – João Ribeiro.

João Ribeiro foi aluno de medicina na Bahia, abandonou o curso por falta de vocação.

As exigências para alguém ser considerado um “homem de espírito”, um literato, um poeta, um músico, um pintor, um dançarino foram revogadas. Vivemos o relativismo cultural. Para ser considerado um artista, basta atender a demanda cultural.

As academias de letras acolhem a todos, mesmo os que não se arriscaram a escrever sobre nada. Nenhuma carta, nenhum bilhete.

Há pouco, as exigências eram intransponíveis.

“O Artista é aquele ser sensível possuidor do fogo sagrado, o contraditório, o mágico, o profeta, as antenas da raça, o abridor de caminhos. Também é o depoente, o crítico, o incomodo alquimista dos mais estranhos elementos do seu tempo.” – Alberto Carvalho.

Eu, valendo-me da atual permissividade cultural, continuo escrevendo essas mal traçadas linhas.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

0 ÚLTIMO CORONEL

 O Último Coronel...
(por Antonio Samarone)

O livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, um clássico de Victor Nunes Leal, foi publicado em 1949. A propriedade da terra constituía o fundamento em que se baseava o coronelismo. O Coronel era o dono das terras e dos votos.

No caso de Euclides Paes Mendonça, de Itabaiana, o poder vinha do controle da Exatoria e da Delegacia de Polícia. Cobrar impostos seletivamente e prender e soltar ao arrepio da lei são forças descomunais do mando político.

Euclides mesclava a luta política com a econômica. A disputa pelo comando dos armazéns de secos e molhados, pela acumulação de riqueza, facilitada pela política. Quando chegou ao poder, Euclides cravou os seus objetivos, com uma frase famosa: “agora quem passa contrabando sou Eu.”

Ao final de 12 anos no poder, Euclides era o mais rico dos Paes Mendonça: Mamede e Pedro.

Muito já se escreveu sobre Euclides Paes Mendonça. Teses diversificadas, interpretações variadas e versões contrastantes. Dessa vez, o Desembargador Vladimir Carvalho, foi longe: são 450 páginas de letra miúda, passagens detalhadas, a vida de Itabaiana esmiuçada. Vladimir mexeu com quase tudo da vida do Coronel.

Vladimir Carvalho é o maior historiador da vida Itabaianense. Antes, entre outros, ele publicou: “A República Velha em Itabaiana.” Vejam pelo título, não se trata de Itabaiana na República Velha, como era o esperado. Não, é o inverso, O centro da história é Itabaiana.

Agora, o título é “Euclides Paes Mendonça – um político do passado”, quando na verdade o livro trata do passado de um político. Vladimir une o rigor acadêmico da história, com o dia a dia da vida Itabaianense. Os causos, as passagens grotescas, a memória oral de quem viveu e sentiu o que está contando.

A interrupção da carreira política de Euclides e do filho, drasticamente, com os assassinatos de ambos, decorreu, sobretudo, da chegada do PSD ao Governo, com Seixas Dória. Itabaiana passou a ter duas forças policiais armadas: a guarda municipal e a polícia estadual. Não acabou bem.

A trajetória política de Euclides Paes Mendonça transformou Itabaiana, deu inicio ao desenvolvimento mercantil, a construção de uma economia pujante, a uma revolução urbana. Itabaiana se tornou o centro da vida sergipana.

A história de Itabaiana entre 1945 e 1964, está contada e bem contada, nessa biografia de Euclides Paes Mendonça.

Desde a publicação por Vladimir de "Quando as cabras dão leite" (1971), "Santas Almas de Itabaiana Grande" (1973), "A República Velha em Itabaiana" (2000) e "Vila de Santo Antonio de Itabaiana".

Agora com “Euclides Paes Mendonça, Vladimir esvaziou os arquivos.

Esses livros acima são os específicos de Vladimir Carvalho sobre a história de Itabaiana.

Os livros de Vladimir Carvalho de contos: "Mulungu Desfolhado (1994), "Água de Cabaça" (2003), "Feijão de Cego". Os de poesia: "Sinal Verde, trânsito vermelho" (1972), "Dois Instantes e uma saudade". Os de folclore: "O Caxangá na história de Itabaiana" (1976), "Apelidos em Itabaiana", "Adivinhas Sergipanas" (1999). Todos tratam da alma universal de Itabaiana.

Vladimir Carvalho também escreveu livros jurídicos, que eu nunca me interessei, por razões óbvias.

Afirmo com segurança: Itabaiana é cidade mais estudada de Sergipe. Talvez sejamos uma terra de historiadores, pequenos e grandes. Estamos a comemorar o centenário de Maria Thetis Nunes.

Ontem eu fui ao lançamento do livro de Vladimir Carvalho, em Itabaiana. A sociedade local presente, as autoridades presentes, os correligionários presentes, a UFS presente, a alma do povo presente.

Agora eu vou começar a leitura. Ler aos poucos, homeopaticamente, para demorar na leitura. Coisa boa, se come aos poucos, degustando-se lentamente. Depois eu conto os detalhes sobre o livro.

Palmas para o Desembargador!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - PADRE PADILHA.

 Gente Sergipana – Padre Padilha – 83 anos.
(Por Antonio Samarone)

O Defensor Público José Padilha de Oliveira tinha deixado a batina, porém continuava padre. Era uma vocação. O comportamento, o pensamento, as ideias, os gestos eram de padre. Padilha era “Le Curé de village”, na visão de Balzac.

Conheci o padre Padilha nas reuniões das segundas, na sede do Conselho de Economia. Existia um grupo de intelectuais, fundado por Aloisio Campos, que se reunia semanalmente, com chuva ou sol. Passávamos a realidade a limpo, reformando-a.

Nessas reuniões, o Padre Padilha era o orador oficial, nas datas festivas.

Era um Grupo plural, onde conviviam democratas e patriotas. As divergências não se transformavam em ódio.

O Grupo acabou!

E ontem, nos deixou o padre Padilha. Voou para o Reino da Glória. Se os critérios da salvação são os que conhecemos, ele se salvou.

O que a minha memória guardou de Padilha foi o sorriso. Mesmo em polêmicas, onde ele discordava profundamente do interlocutor, Padilha não levantava a voz, sempre manso e educado. Padilha era um fidalgo.

O padre Padilha valorizava as amizades.

Meu amigo Padilha, dê lembranças aos amigos aí no Céu. Diga a Amaral Cavalcante, que o mundo da cultura em Sergipe sente a sua ausência. Diga a Luiz Eduardo Magalhães que ele está fazendo muita falta, nesses tempos sombrios.

Nos espere! Vamos retomar as reuniões.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - CLÍNIO GUIMARÃES

 Gente Sergipana – Clínio Guimarães – 74 anos.
(por Antonio Samarone)

A sensibilidade musical de Clínio é hereditária.

Clínio Carvalho Guimarães é filho do maestro Barbosa (Antonio Barbosa Guimarães Filho), falecido em 1992 e de Dona Tita, Benedita Guimarães, por enquanto, com cem anos.

Quinquinho já nasceu gordo, em Simão Dias (18/08/1948). Clínio é o gordo invejado o gordo feliz e saudável. O gordo que mandou as dietas à merda.

Clínio é um brasileiro que adora samba, cerveja e futebol. Porém, tem um vício infantil: é apaixonado pelo Flamengo. Ninguém é perfeito.

Estudou o primário nos Grupos Escolares de Simão Dias e o científico no Atheneu. É da turma de economia da UFS de 1973.

Eu conheci Clínio numa situação curiosa. Eu, membro ativo do cangaço sindical, ele, um servidor público experiente, tinha chegado a presidência da FUNDESP, na época de Luiz Antonio Barreto.

Clínio foi trabalhar no Serigy. Em minha jovem visão, Clínio era mais um adversário dos Servidores Públicos.

Cruzei com o Gordo na escada do Serigy, ele subindo e eu descendo, e ele tirou uma pilhéria. Eu não conhecia o humor sarcástico de Clínio. Tive vontade de reagir. A primeira impressão foi de um Gordo reacionário.

Depois, fui conhecendo a grandeza do Gordo, a sua integridade, a sua irreverência, o seu bom caráter. Clínio, filho único, cuida da mãe como uma boa filha. Eu sei a dedicação necessária para se cuidar de uma mãe centenária.

Clínio é uma referência da música, sabe quase tudo. Para mim, um Noel Rosa de província. As suas rodas musicais, com uma turma de primeira, é um encanto na terrinha.

Clínio é o pai de uma ninhada de gente boa: Kiko, Arthur, Vinicius e Adelaide. Conhecendo Arthur, descobri que não sei nada de fotografia e ainda sair satisfeito.

Hoje, Clínio sai pouco. Fico seguindo as suas redes sociais, aguardando comentários inteligentes e bem-humorados.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - ZÉ CARLOS, O MORDOMO DO SERIGY.

 Gente Sergipana – Zé Carlos, o mordomo do Serigy.
(por Antonio Samarone)

No início da década de 1980, a Saúde Pública em Sergipe era comandada por José Machado de Souza, o maior pediatra da medicina em Sergipe. Um médico sem meias palavras. Um homem de princípios.

Eu, recém-chegado da pós-graduação em Saúde Pública, cheio de ideias, aluno das melhores escolas. Sonhando em mudar o mundo.

Precisava trabalhar, não existia concurso. Procurei o professor João Cardoso, em sua residência.

Ele ouviu os meus planos pacientemente, no final foi sucinto: nada disso vai dar certo. Ouvi calado. Ainda tinha um ponto: Professor, eu preciso trabalhar. Ele também sucinto: vou lhe dar um bilhete para o Dr. Machado, não abra, entregue a ele.

No outro dia, logo cedo, estava na porta do Serigy. Entreguei o bilhete ao Dr. Machado, que reagiu: eu não posso negar nada a João Cardoso. Estamos precisando de sanitarista. Amanhã traga os documentos. Foi contratado e já nomeado Diretor da Regional de Lagarto.

O Serigy fervilhava de gente e ideias. A Saúde Pública tinha o peso do Dr. Machado.

Logo cedo, aprendi que quem mandava no Serigy era Seu Zé Carlos (foto). Ele chegava antes das cinco da manhã e só saia depois das vinte e uma.

Ele era o zelador, a quem o Dr. Machado entregou os segredos, as chaves e o almoxarifado. Sem a boa vontade de Zé Carlos, voltava-se de mãos vazias.

Um homem simples, honesto, servidor público até a alma. Zé Carlos subia e descia escadas, puxando de uma perna, atendendo a um e a outro. Sempre dadivoso, atento, cônscio do seu poder.

Na Saúde Pública de Sergipe, convivi com muita gente preparada, enfermeiras responsáveis, médicos dedicados, auxiliares e técnicos em enfermagem, dentistas, psicólogos, assistentes sociais, economistas, planejadores, uma equipe zelosa, sob o comando de Machadão.

Não sei o porquê, mas em minha memória, domina a imagem de Seu Zé Carlos. O porteiro, o zelador, o mordomo, um homem já idoso, que cuidava de toda a logística.

Zé Carlos era mais eficiente que um inspetor do Tribunal de Contas. Nada acontecia de errado no Serigy, sem que Zé Carlos soubesse. O seu olhar era a certeza da lisura.

Seu Zé Carlos morava no Bugio. Alguém sabe o paradeiro desse herói do serviço público? Ainda é vivo?

Antonio Samarone (médico sanitarista)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

GENTE SERGIPANA - ABRAHÃO CRISPIM

Gente sergipana - Abrahão Crispim (1947 – 2017)
(por Antonio Samarone)

Tudo tem o seu tempo, menos a morte. Morre-se aleatoriamente. Alguns dos que já morreram continuam vivos e existem os ainda vivos que já morreram e se esqueceram de sepultar.

Existem falecidos que fazem muita falta, outros nem tanto. Como existem os vivos, com o prazo de validade vencido. A morte tem os seus protocolos.

Dos que fazem falta, acordei-me lembrando de Abrahão Crispim de Souza, isso mesmo, Abrahão de muitas coisas. Passou no vestibular de matemática e formou-se dentista.

Abrahão levou a civilização urbana para Itabaiana: os bailes, os jornais e os discos.

Abrahão é de 1947, filho de Zé Crispim e Dona Lourdes. Uma ninhada grande de irmãos (Átalo, Águeda, Ada, Altéia, Amabel, Atenágoras e Grampão). O pai, alfaiate e escritor, da boa cepa do Zanguê.

Zé Crispim foi dono de “A Sublime”, uma loja de tecidos na Praça da Feira. Um comerciante de palavra, que nunca enricou.

Abrahão fez o primário no Guilhermino Bezerra e o ginásio no Murilo Braga. Veio para o Atheneu em 1965. Para ajudar nas despesas da família, entrou para trabalhar no BANESE em 1968.

Abraão foi fundador (junto com meia dúzia de "gatos pingados") do Jornal o Serrano, que registrou as mudanças culturais de Itabaiana. Uma pena que esse jornal ainda não esteja digitalizado e disponível para os pesquisadores e curiosos.

O Jornal Serrano circulou entre 1968 e 1977. No Jornal, além de diretor, Abrahão escrevia a coluna social, com os pseudônimos de Francesca, Sissi e Nadja Sampaio. A cada fofoca, a sociedade Itabaianense fervia de curiosidade para saber quem era a ousada escriba.

Abrahão inventou a festa dos melhores do ano, em Itabaiana. Um grande baile, com os Los Guaranis ou os Nômades, para louvar a vaidade provinciana. Sem querer me gabar, Abrahão realizou até um concurso, para eleger o homem mais bonito da cidade. Quer saber quem ganhou?

Abrahão foi o eterno presidente do Sindicato dos Bancários, do Centro Acadêmico, fundador do PT e o seu primeiro Vereador. Abrahão esteve presente em todas as lutas e em todos os movimentos (anistia, diretas já, fora Color, entre outras. Foi Abrahão quem trouxe o PT para Sergipe, desde as primeiras reuniões em São Paulo.

Se não bastasse, Abrahão disputou a Prefeitura de Itabaiana pelo MDB, em 1976, enfrentando a ARENA I, com o filho de Chico de Miguel e a ARENA II, com Fernando Mendonça. Tempos bicudos, Abrahão teve 105 votos rebeldes. Uma coisa que não mudou em Itabaiana, esse eleitorado cresceu pouco de lá para cá.

Abrahão foi membro fundador da Academia Itabaianense de Letras.

Certa feita, no Etelvino Mendonça, diante a rivalidade Itabaiana X Sergipe, onde até a polícia de Barreto Mota tinha lado, Abrahão bradou quase sozinho contra a interferência da força policial. Abrahão sempre foi um homem de muita coragem.

Abrahão foi casado com a enfermeira Rossilar, deixando uma prole numerosa (Newton, Katiuchas e Abrahãozinho.

Numa sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017, Abrahão faleceu precocemente, aos 69 anos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

FELIZ ANO NOVO, ARACAJU.


 Feliz Ano Novo, Aracaju.
(por Antonio Samarone)

“O céu do Aracaju tem todos os tons de azuis, claros e escuros, meigos e violentos.” – Joel Silveira.

No dizer de Mário Cabral, Aracaju nasceu feia, pobre e impaludada. Um paraíso das febres, um baixio de mangues, lagoas, pântanos e alagados.

Aracaju engatinhou sobre um charco imenso, onde a saparia coaxava o seu canto. Aracaju é obra dos sergipanos, a disputa entre as areias das dunas e a lama dos manguezais.

Aracaju é um aterro embelezado.

Aracaju nasceu em 21 de fevereiro de 1855, na reunião da Assembleia, no Engenho Unha do Gato. Antes era o Arraial do Riacho de Santo Antonio do Aracaju.

Aracaju era vaidosa por ter sido planejada pelo engenheiro Pirro. Um tabuleiro esquartejado, com ruas de 12 metros de largura, 3 de calçada e 9 de pista, muito antes dos automóveis.

“Aracaju não é terra, nem também povoação, Só tem casinhas de palhas, forradinhas de melão.” A primeira casa de luxo, imponente, foi o palacete de Adolfo Rollemberg, em 1914.

Até a década de 1960, Aracaju permaneceu bucólica, onde o edifício mais alto era a Catedral. O nosso primeiro arranha céu é desse período.

O transporte era feito por uma linha de bondes, puxados a burros. A linha começava na Cadeia Velha e ia até o Trapiche Aurora.

Com a chegada da Petrobras, Aracaju se transformou num canteiro de obras, para o bem e para o mal. As construtoras tomaram conta da Prefeitura, e danaram-se a construir. Estreitaram ruas, avançaram as calçadas: era o vale tudo do progresso.

Os mangues foram aterrados, as várzeas ocupadas e as árvores decepadas. Aracaju deu um salto em pouco tempo. Era o progresso do cimento e do cal. A brisa fresca do Rio Sergipe foi sufocada. A cidade se transformou no inferno para os pedestres.

A Petrobras foi embora.

Atualmente, a especulação imobiliária é dona de 2/3 do restante do solo urbano do Aracaju. São latifúndios urbanos, engordando, para o bem do capital e do lucro.

A região do Mosqueiro, em conflito com São Cristóvão até pouco tempo, está sendo ocupada na lógica do mercado. O lucro derrotando a qualidade de vida.

A chamada “zona de expansão urbana do Aracaju” é propriedade do capital. Tem donos. O último refúgio das restingas, dunas e lagoas, refúgio das capivaras e dos patos silvestres, a última alternativa para Aracaju contemplar a qualidade de vida.

Não sou contra o crescimento, apenas não precisa essa política de terra arrasada.

Essas fotos, é do que resta das nossas lagoas na zona de expansão.

Há tempos, sugeri que a área do Tecarmo, desocupada pela Petrobras, fosse transformada numa reserva natural de restinga. Depois silenciei, com medo de que o Tecarmo fosse vendido ao setor privado.

Durante a Era Bolsonaro me calei, para não chamar a atenção.

Começa amanhã um novo governo, com outra orientação. Está na hora da Prefeitura do Aracaju tomar a iniciativa de incorporar o Tecarmo, como Parque Municipal. O Parque da Sementeira só existe, pela iniciativa do Prefeito Heráclito Rollemberg.

Que em 2023, Aracaju busque um caminho sustentável.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - CARLOS MAGALHÃES


 Gente Sergipana – Carlos Magalhães - 85 anos.
(Por Antonio Samarone)

“Pode me chamar de Magá, que eu não me incomodo”.

Carlos José Magalhães de Melo é sergipano de Propriá, filho do médico humanista Carlos Melo. Magá nasceu em 24 de março de 1938.

Chegou à Aracaju aos sete anos, veio estudar no Colégio Salvador. Fez o ginásio no Jackson de Figueiredo, passou pelo Atheneu e formou-se em odontologia em Alagoas. Depois de formado retornou a Aracaju.

Sanitarista formado no Rio de Janeiro, na escola de Oswaldo Cruz, Carlos Magalhães assumiu a Secretaria Municipal de Saúde do Aracaju, durante as gestões de Aloiso Campos e Cleovansóstenes Pereira de Aguiar.

A Saúde municipal consistia em meia dúzia de postinhos, com Magalhães, a Secretaria assumiu os programas de saúde pública.

Carlos Magalhães foi professor titular de Odontologia Preventiva e Social na Universidade Federal de Sergipe.

Magalhães foi o primeiro Secretário de Turismo em Sergipe. Em 1972, o Governador Paulo Barreto criou a EMSETUR e convidou Carlos Magalhães para presidi-la.

Carlos Magalhães começo muito cedo no Rádio. Ainda estudante em Alagoas, Magá trabalhou na Rádio Gazeta.

Em Aracaju, foi recrutado pelo grande Raimundo Luiz para trabalhar no jornalismo esportivo na Rádio Cultura. Ao lado de Wellington Elias, formou a dupla mais importante do jornalismo esportivo sergipano.

Houve um tempo que o futebol sergipano era mais emocionante no rádio do que no campo. Cansei de passar as tardes do domingo na rede, ouvindo Carlos Magalhães cantar as vitórias do Itabaiana.

A grandeza das transmissões de Carlos Magalhães, transformava qualquer Sergipe X Maruinense, numa final de Copa do Mundo.

Magalhães transmitia uma partida no acanhado estádio do Galo do Sertão, como se estivesse no Wembley Stadium, em Londres. O futebol sergipano deve muito a Magá. O grito de gol de Carlos Magalhães ecoava aos domingos à tarde, em cada canto de Sergipe.

A minha memória guarda a voz, a entonação, o talento de Waldir Amaral e Carlos Magalhães. Quem não sabe quem foi Waldir Amaral, eu não sei como explicar.

Carlos Magalhães é um conservador democrata!

Quando prestei concurso para a UFS, a banca examinadora, por razões políticas, cogitou me reprovar, mesmo eu tendo sido o candidato com a maior nota. “Como vamos aprovar um comunista para ser professor de medicina”, indagou um membro da banca. Carlos Magalhães, outro membro da banca reagiu: vamos aprovar o melhor, não aceito veto político. E assim aconteceu.

Nunca contei esse episódio. Eram tempos trevosos, mesmo assim, Carlos Magalhães não aceitou discriminações. Eu continuo dando aulas na UFS, resistindo a aposentadoria.

Magalhães é casado com a enfermeira e professora Maria Scandian, com 4 filhos: Ricardo, Roberto, Raquel e Rosana.

Longa vida para Carlos Magalhães!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O SONHO VAI E VOLTA

 O sonho vai e volta.
(por Antonio Samarone)

A solenidade de passagem da faixa ao Presidente Lula, me comoveu. Senti a grandeza do simbolismo histórico. A faixa é a coroação republicana. Aline Souza, negra, 33 anos, você, junto com os outros que subiram a rampa, representam o povo brasileiro.

Fui aos prantos!

O Presidente Lula ainda desfilou no Rolls-Royce presidencial e passou as tropas militares em revista, para que não restassem dúvidas.

Nunca levei a ameaça fascista no Brasil na brincadeira, é sério, ela continua viva. Eles querem um golpe, uma ditadura. Não é a primeira vez, os integralistas, os camisas verdes de Plínio Salgado tentaram. Foram esmagados por Getúlio Vargas.

Dessa vez os camisas amarelas de Bolsonaro foram explícitos, foram às portas dos quartéis e usaram de violência. Na hora, o líder fugiu.

Participo de grupo de pequenos burgueses no WhatsApp, onde muitos torceram o nariz para a solenidade da faixa. “Isso é pura demagogia!” Foi o discurso generalizado. Fizeram chacotas. No início eu me revoltei, pensei em ofendê-los, dizer umas verdades...

Nada, a idade me controlou.

Depois pensei: eles não aceitam aquela gente, em sua plena diversidade, como sendo a fonte do poder. Eles odeiam o povo invisível. O que eles chamam de demagogia é a rejeição deles ao povo. O povo sendo protagonista, sendo visto pelos resto do mundo.

Eles tentaram desclassificar o gesto, com a pecha de demagogia, da mesma forma que não aceitam o povo nos aeroportos, as empregadas domésticas com direitos trabalhistas e os pobres nas universidades. Dessa vez, o povo subiu a rampa!

O Lula levou até um vira-lata, disse uma moça revoltada.

Outro, tirado a intelectual, disse-me querendo ser inteligente: “esse ministério é uma arca de Noé, tem de tudo”. Tive vontade de responder: Tem mesmo, só que o Noé é Lula.

O Brasil está dividido e é até bom que assim permaneça.

Lula, com o envelhecimento e a prisão, se aproximou do estilo do grande Pepe Mujica, “El, Viejo Tupamaro”. Lula está mais sábio e mais determinado.

Dessa vez, além do centrão, do mercado financeiro, da grande imprensa, Lula enfrentará uma extrema direita fascista, militante, disposta a tudo para retornar ao poder.

Lula pregou a unidade e a reconstrução do Brasil.

Antonio Samarone. (médico sanitarista).

GENTE SERGIPANA - CHICO ROLLEMBERG


 Gente Sergipana – Chico Rollemberg (88 anos). Verbete II.
(por Antonio Samarone)

Francisco Guimarães Rollemberg nasceu em Laranjeiras, a 7 de abril de 1935. Foi aluno da famosa professora Zizinha Guimarães, fez o ginásio no Colégio Tobias Barreto e o científico no Atheneu.

Esse era o caminho dos meninos que queriam estudar naquele tempo. Morou na pensão de dona Júlia, na Rua Divina Pastora, em Aracaju.

Como estudante, Chico participou do movimento secundarista, envolvendo-se na luta pela meia entrada no Adolfo Rollemberg nos cinemas e a meia passagem na lotação.

Chico Rollemberg passou a infância querendo ser padre. A Igreja perdeu um Cardeal. Depois resolveu ser médico.

Em 1954, ingressou na centenária Faculdade de Medicina da Bahia. Tomou gosto pela cirurgia, por influência do professor Fernando Didier.

Em 1960, formado, já casado com a dra. Elcy Viana Rollemberg, retornou a Sergipe para exercer a cirurgia. O acesso da povo pobre a medicina era muito difícil. Chico Rollemberg não pensou em ganhar dinheiro, atendia a todos.

Montou um consultório na Rua São Cristóvão, foi ser médico do Serigy e operava dia e noite, feriado e final de semana nos hospitais do Aracaju. Além da disponibilidade, Chico era um bom cirurgião. Logo ganhou fama e conhecimento.

O seu primeiro paciente particular foi um cabo da Aeronáutica de passagem por Aracaju. Doente particular era uma raridade. Chico Rollemberg foi atender o povo, Era muita gente necessitada, e Chico não fazia cara feia.

Desde estudante na Bahia, ele pensava na política. Nas férias, atendia o povo pobre em Laranjeiras, no Hospital São João de Deus. Com esse grande prestígio depois de formado, foi um caminho aberto.

A vida tem surpresas, o irmão Heráclito Rollemberg, com a sua ajuda, elegeu-se deputado estadual ante de Chico Rollemberg. Ao final do segundo mandato de Heráclito, Chico Rollemberg cria coragem e entrou na política.

Chico Rollemberg já entrou como deputado Federal pela Arena, sendo o mais votado de Sergipe. Um fenômeno eleitoral. Chico Rollemberg sempre foi um conservador. Elegeu-se por quatro mandatos de Deputado Federal e um de senador.

No Parlamento, Chico Rollemberg publicou um perfil de Fausto Cardoso com mil e trezentas páginas. Chico escreveu a introdução, com 110 páginas muito bem escritas, uma referência para os estudiosos da história de Sergipe.

“Fausto Cardoso, num gesto incontido de arrebatamento, ele que tanto quis evitar a revolução, decide morrer por ela e exclama: Ninguém é obrigado, mas quem quiser morrer, siga-me. Todos tentam demovê-lo. Gumercindo Bessa, entre outros, agarra-se a ele. Não conseguem detê-lo. Soltando-se das mãos dos amigos, Fausto dirige-se a Palácio. Passa pelo General, passa pelos soldados já estabelecidos na praça, corre – voa...”

A medicina foi a sua grande força política. Depois a política foi mercantilizada e os mandatos precisam ser comprados, com dinheiro vivo.

Chico Rollemberg é um homem culto, afável, de boa conversa, profundo conhecedor da vida e da cultura sergipana. Membro titular da Academia Sergipana de Letras.

Chico é dos últimos médicos com formação humanista, letrado, conhecedor das artes, dos tempos em que ser médico era uma distinção reconhecida pela sociedade. A atual medicina de mercado produz médicos com outro perfil. Especialistas em detalhes!

Em sua maioria, os médicos continuam conservadores, professam credos políticos de extrema direita, militam nas redes sociais e defendem as suas ideias. Quando observo o perfil, a cultura, a profundidade política de Chico Rollemberg, também de direita, constato que a medicina de mercado atual, não está sendo culturalmente generosa com os colegas médicos.

Vida longa ao Dr. Francisco Rollemberg.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - NAIRSON MENEZES


 Gente Sergipana – Nairson Menezes (1936 – 2012).
(por Antonio Samarone)

Nairson Menezes nasceu em Aracaju, em 02/04/1936. Aos 4 anos, foi com a família para Campos do Jordão, em São Paulo. O seu pai, Paulo dos Santos Menezes, precisava se livrar da tuberculose, que não tinha cura. A mãe era dona Nair Aquino Menezes.

Em São Paulo, Nairson ingressou no Rádio e na Televisão. Trabalhou na TV Excelsior, no Show do Meio Dia, com Luiz Vieira.

Nairson trabalhou na televisão em Salvador. Em 1961, retornou à Aracaju, indo trabalhar como locutor da Rádio Difusora.

Nairson Menezes tinha uma alma empreendedora. É dele a iniciativa de Fundar a TV Sergipe. Ele vai atrás de interessados e consegue 9 sócios. A TV se tornou realidade em Sergipe.

Nairson é o primeiro publicitário profissional em Sergipe, funda a NM Publicidades e Negócios, uma grande novidade.

O Rádio e a Publicidade em Sergipe devem muito a Nairson Menezes.

Naná, como era chamado pelo amigos, foi um homem generoso, um boêmio a moda antiga, um vivedor. Nos tempos das vacas gordas, a sua casa era lotada de amigos, nos finais de semana.

Em certa fase da vida, Nairson ganhou muito dinheiro, com o seu trabalho qualificado. Morava numa casa principesca na Atalaia. Depois construiu a primeira casa de madeira, na Atalaia Nova. A boemia pesou e ele se mudou para a Ilha.

Nairson foi casado com Sílvia Carmem, assistente social do INPS, uma mulher esclarecida, culta, uma mente arejada, que permanece até hoje.

O casal teve dois filhos: a médica Carmem Sílvia, ortopedista renomada, vítima de acidente de trânsito, e Nairson Junior.

Nairson Menezes não acumulou fortunas, morreu pobre. No final, foi visitado pelo alemão, padeceu de Alzheimer.

Nairson Menezes, faleceu em 26/05/2012, aos 76 anos. Está sepultado no Cemitério São Benedito, em Aracaju.

Nairson foi um grande das comunicações em Sergipe, o idealizador da TV Sergipe, que merece ser lembrado pela contribuição à vida cultural do Estado.

Se ainda não existe, peço ao Prefeito Edvaldo para homenageá-lo, dando o seu nome a um logradouro ou a um prédio público.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CAROÇO DE RUFINO

 O caroço de Rufino.
(por Antonio Samarone)

“A única parte útil da medicina é a higiene, e esta, mais do que ciência, é virtude. – Rousseau.

Rufino de Oliveira, 68 anos, se aposentou com os vencimentos integrais e paridade. Era um funcionário público qualificado, em final de carreira. Finalmente, disse ele, agora vou gozar a vida.

Rufino é um crente na medicina, sempre se cuidou. Comida
regrada, bebida só uma taça de vinho bom de vez em quando, caminhadas diárias, nunca fumou. Mantinha a glicemia abaixo de 100, com grande sacrifício. Não comia nada que gostava.

Quando os médicos disseram que ovo fazia mal, ele suspendeu imediatamente. Só quando a medicina percebeu o engano, Rufino voltou aos omeletes.

No último check-up, os exames apontaram um pequeno nódulo na base do pulmão. Uma coisita, menor que um caroço de feijão. Levou o exame para o seu clínico, que fez um comentário despretensioso: “isso não é nada, mas de todo jeito, não é bom arriscar”.

Rufino entrou em desespero e encucou: qual é o risco, como isso pode evoluir, existe tratamento com remédios? O clínico foi evasivo, “nunca se sabe”!

Rufino procurou na internet um bom cirurgião torácico. Descobriu que em Recife, tinha o Dr. Wescley Assunção, especializado na Alemanha, só em tumores na base do pulmão.

Rufino disse: é esse! Fez os contatos. Um detalhe, o Doutor do Recife só atendia particular. Nem o caríssimo “Salude Plus-Plus”, o plano de Rufino, cobria.

Procurou saber quanto custava. Exatamente, setenta mil reais. Rufino não tinha. Pensou, vou vender a sala no Play Center e me livro desse caroço.

Pediu um encaminhamento ao seu clínico, que hesitou: eu não faria, mas você quer, está aqui. Rufino pensou calado: filha da puta, me faz medo e agora quer tirar o dele da seringa.

Rufino estava decidido: vendeu a sala, viajou a Recife e fez a cirurgia. Depois de muito sofrimento, o resultado foi um alívio: não era maligno. Um carocinho de sebo.

No retorno procurou o seu clínico em Aracaju. “E aí Rufino, o que achou do Dr. Wescley”, perguntou o clínico. Eu não o conheci, quando ele entrou no centro cirúrgico eu já estava anestesiado e saiu antes que eu acordasse. As três visitas foram feitas por seus assistentes. Wescley mesmo, não sei quem é.

O Clínico retrucou, você não o conheceu e nem precisava. Você pagou para cuidarem do seu caroço, e eles cuidaram, não estava incluído cuidar de você. Não entendi, eu gosto dos médicos humanistas, reagiu Rufino.

Humanistas? Você estava acostumado com médicos que lhe tratava como criança, disse o clínico, que sabiam de tudo e você só obedecia. Antes do mercado, disse o clínico, a relação já era de submissão.

Veja os significados dos termos usados: enfermo, o que perdeu a firmeza; doente, o que sente dor, molesto (moléstia), o que carrega um peso e paciente, aquele que sofre a ação.

Entendeu, meu amigo Rufino? A medicina científica, de mercado, cuida de doenças (objeto) e não dos doentes (pessoas). O doente é um cliente, um consumidor, um usuário, que busca um procedimento no mercado. Acabou o mi-mi-mi.

Rufino não entendeu. Foi para casa, esperar que os agravos da grande cirurgia passem, para ele gozar a sua esperada aposentadoria.

O dinheiro da sala que vendeu foi bem empregado, teve o seu lado bom: Rufino ficou livre do caroço.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

UM HOMEM DE ESPÍRITO

 Um homem de espírito.
(por Antonio Samarone)

O Comendador Aristeu de Oliveira é um homem de muitas letras. O chamado sábio provinciano. Um gênio local da literatura. O Comendador tem muitos méritos, virtudes, talentos e criatividade.

Os seus textos são lidos e elogiados por todos. Mesmo sendo uma unanimidade, o Comendador não é afeito a vaidades, escuta pacientemente os mortais, incentiva os iniciantes, orienta os noviços, é generoso com os pseudos intelectuais, tem paciência com os menos dotados, com os néscios.

Quando o Comendador recebe uma dúvida dos seus admiradores, releva, minimiza, mesmo sendo uma ninharia, ele não se aborrece.

O Comendador é um gênio em sua Aldeia, contrariando até o evangelho, onde santo de casa não faz milagres. Entretanto, o seu brilho ultrapassa as fronteiras.

O Comendador é o sal da terra, neutro, PH 7. Não se envolve, não quer saber, não opina sobre nada contraditório. Ele está certo, a vida é um teatro e, no patamar superior em que ele se encontra, não cabe coisas pequenas.

O comendador é um homem discreto, brilha, se destaca, mesmo tratando do prosaico. O Comendador ver a vida de camarote. No andar de cima.

Ele acaba de publicar em Portugal, Editora Nova Coimbra, um compêndio de 600 páginas sobre a “crase”. O Comendador sabe tudo sobre a língua materna. Aliás, é um “virtuose” da língua portuguesa. Passa meses sem cometer um erro, nem na escrita, nem na fala.

O Comendador não perdoa a Academia Sueca, por ter premiado com o Nobel de literatura, José Saramago, um escritor pouco afeito as regras cultas do português.

Os amigos do Comendador, onde eu me incluo, aguardam a sua obra prima. A sua marca para a eternidade.

Sei das dificuldades de ser artista em Sergipe, de produzir arte por aqui.

O Comendador é uma exceção!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

Antonio Samarone.

JANEIRO BRANCO


 Janeiro Branco.
(por Antonio Samarone)

Janeiro Branco é um movimento em defesa da Saúde Mental. O mote desse ano, “A vida pede equilíbrio” foi infeliz, remete a versão de que a explosão epidemiológica dos transtornos mentais, deve-se aos desequilíbrios individuais. É a psiquiatria de mercado.

É superficial insinuar que a gênese dos transtornos mentais são majoritariamente a resultante dos desequilíbrios pessoais. Não enxergar que a base do sofrimento mental pode ser, ao contrário, a insistência na luta pelo equilíbrio, que a vida pede e a vida nega, numa sociedade hostil e desequilibrada.

Ignorar os aspectos sociais dos transtornos mentais é uma imposição do mercado.

A psiquiatria no Brasil nasceu com a criação do Hospício Pedro II, em 1852. A gestão foi entregue aos religiosos da Santa Casa de Misericórdia. Somente com a República, 1890, o Pedro II virou o Hospital Nacional dos Alienados e a administração foi entregue aos médicos.

O conto o “Alienista”, de Machado de Assis, traça um perfil profundo do Pedro II.

Em 1881, foi criada a cadeira de Doenças Nervosas e Mentais nas Faculdades de Medicina. Somente em 1912, a psiquiatria se tornou uma especialidade autônoma.

O Hospital Nacional dos Alienados era uma casa de detenção para os loucos. Somente a partir de 1903, com a nomeação de Juliano Moreira, em substituição ao médico sergipano Antonio Dias de Barros, foi introduzida no Hospital a psiquiatria orgânica, da Escola Alemã de Emil Kraepelin.

A psiquiatria no Brasil patinou na obscuridade nos primeiros 30 anos. Em 1923 foi fundada no Rio de Janeiro, a Liga Brasileira de Higiene Mental, de inspiração eugênica. A liga publicava a revista “Archivos Brasileiros de Hygiene.

Eugenia é o estudo dos fatores socialmente controláveis para o aperfeiçoamento das raças da gerações futuras. Foi a concepção usada pelos nazistas para defenderem a pureza dos arianos.
Na psiquiatria, a concepção organicista de Kraepelin legitimava as medidas eugênicas.

Nessa psiquiatria organicista, a vida psíquica tem base biológica, acredita-se na existência de raças inferiores, que deveriam submeter-se a uma seleção, para o aperfeiçoamento e eliminação dos caráter psicossociais indesejáveis.

A limpeza eugênica aconselhava a esterilização dos doentes mentais, para evitar-se a propagação do mal. À época, a igreja católica reagiu contra as esterilizações dos doentes mentais.

Ulysses Pernambucano de Melo, da escola do Recife, também foi contra a higiene social de raça.

Em 1934, na Alemanha, foi aprovada uma lei tornando a castração obrigatória dos doentes transmissores de “taras”, dos degenerados.

O alcoolismo foi uma doença tratada na lógica eugênica. Segregar e esterilizar os alcoólatras, para evitar os descendentes degenerados, era um protocolo da Liga Brasileira de Higiene Mental.

“É um dever da classe médica chamar a atenção dos legisladores, pedir leis que abrandem essa praga social” – Franco da Rocha.

As ações preventivas da psiquiatria enfocavam a castração, controle da imigração, casamentos eugênicos, com exames pré-nupciais.

Com esses antecedentes eugênicos, convenhamos, a psiquiatria de mercado é bem mais civilizada.

Viva o janeiro branco.

A escolha da cor, teve a influência do passado eugênico da psiquiatria? Não sei!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

UM SONHO DE MENINO


 Um sonho de menino.
(por Antonio Samarone)

Mamãe, devota de Santo Antonio, tinha prometido que se o seu primeiro filho fosse homem, receberia o nome do Santo. Eu deveria me chamar Antonio Fernando, nome do Santo português e do Poeta (Fernando Pessoa).

Na hora do registro no cartório, papai esqueceu do Fernando, deu um branco. Ele só lembrou de Antonio. Acanhado, aceitou que o tabelião registrasse Antonio de Santana, sem o Fernando.

Papai, para evitar a bronca em casa, mentiu. Não mostrou o registro e disse que o nome era Antonio Fernando, conforme a promessa. Mamãe, em confiança, não pediu para conferir. Na prática, eu me criei Antonio Fernando. Até papai esqueceu que tinha esquecido.

Quando passei no exame de admissão, aos 11 anos, precisou a minha cópia da certidão de nascimento para fazer a matrícula no ginásio.

Eu já tinha 10 irmãos (mamãe paria anualmente). E agora, cadê a certidão de nascimento de Fernando? Não existia. Mamãe conferiu a certidão de todos, não tinha a de Fernando. Logo o primeiro filho!

Um curiosidade, existia uma certidão sobrando: a de Antonio de Santana. Mamãe, desconfiou, deve ser essa a de Fernando, que o meu marido registrou errado. Mamãe achava papai esquecido, desatento, cabeça fresca, a fama estava comprovada. Ele esqueceu de Fernando.

Fiquei órfão de nome. Não era o Fernando que a Vila inteira conhecia. Eu era quem, depois dos 11 anos?

Nunca cheguei a ser Antonio, Tonho, Tonhão. Por um certo tempo, fiquei sem um nome certo. Já fui ninguém, sei do que se trata.

Em 1963, eu voltava para casa, depois da matinê do Cinema de Zeca Mesquita. Encontrei uma turma na calçada do sobrado do padre, ao lado da igreja. Era a torcida do Flamengo escutando a final do carioca, pela rádio Globo, num rádio transglobe Philco, de Dr. Pedro.

Era um Fla X Flu, e eu escolhi o Fluminense, contrariando a massa rubro negra presente.

Um sonho de menino: nesse dia, eu virei tricolor e conheci pessoalmente o Dr. Pedro, um médico imponente, que fez o meu parto e eu o conhecia só por ouvir dizer.

Na infância, mamãe tinha um tinha um sonho para mim e eu tinha outro. Mamãe me queria padre e queria ser jogador de futebol. O tempo mostrou que o caminho foi a escola.

Eu tinha perdido o nome de Fernando e o Fluminense, a minha nova paixão, tinha um craque chamado Samarone. Ficou fácil: virei Samarone. O apelido pegou.

Depois, por conta da política, incorporei oficialmente o Samarone no cartório.

No meu diploma de médico o nome é Antonio de Santana. Samarone é o herdeiro do diploma.

Acredito, que pelo escasso tempo que me sobra, morrerei Samarone.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

MORTE VOLUNTÁRIA

 Morte Voluntária.
(por Antonio Samarone)

“Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio.” – Camus.

A morte voluntária já foi crime. Os suicidas não tinham direito ao sepultamento religioso (o suicídio era considerado uma ofensa a Deus, que nos deu a vida).

O suicídio não é uma morte demográfica. Antes de se tornar objeto da psiquiatria, o suicídio tinha significados filosófico, religioso, moral e cultural.

O desembargador envelhecia só. Viúvo e sem filhos. O seu medo era perder a autonomia para as coisas prosaicas. Era um homem do século XX, não se sentia bem ter as suas partes intimas higienizadas por cuidadoras. Não quero dar trabalho!

Filho de fazendeiro do Sul de Sergipe. Nasceu em 24 de dezembro, Natal de 1942. Teve paralisia infantil aos sete anos, por isso, mancava discretamente da perna esquerda. Nunca foi protagonista, mas passou em tudo. Virou Juiz de Direito.

Padre, Juiz ou Coronel, era o desejo do seu pai para o filho único. Ele cumpriu. O desembargador foi um magistrado honrado, na medida do possível.

O desembargador não era um erudito, mas dominava o português clássico, poetizava de vez em quando e tinha um vasto domínio da literatura. Moralmente, um homem de palavra.

Conservador, tinha saudades dos governos militares. Não simpatizava com Bolsonaro, mas para ele, nada era pior que o PT, gente sem princípios. Segundo o desembargador, são todos arrivistas. Quando chegam ao poder, tornam-se “novos ricos”. Cuidam logo de aprender a distinguir os vinhos e os modos de comportar-se à mesa. São burgueses do patrimônio público.

A velhice era solitária para o desembargador, tinha uma aposentadoria generosa, mas faltava-lhe afeto e sentido para a vida.

O desembargador matutava: só o homem é capaz de refletir sobre a sua própria existência e tomar a decisão de prolongá-la ou pôr fim a sua vida.

"Completo hoje 80 anos. Chega!"

O velho e cansado desembargador recitou aos brados, na sacada do seu apartamento, na Rua da Frente, olhando o poluído Rio Sergipe e tomando o bafo da maresia e dos resíduos depositados pela Deso:

“Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre/ Em nosso espírito sofrer pedras e setas/ Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja/ Ou insurgir-nos contra um mar de provocações/ E em luta pôr-lhes fim? Morrer… dormir: não mais.” – Shakespeare (Hamlet)

Antes da missa do galo, o desembargador chamou Dona Rita, empregada da casa há 50 anos, e comunicou-lhe a decisão: “Hoje é a minha despedida! Não quero ser tragado pelas doenças.”

“Não tenho nem fortuna nem herdeiros. Passei o apartamento para você, está aqui a escritura. Venda-o, para completar a sua aposentadoria. O valor do condomínio é três vezes a sua renda.”

O desembargador ingeriu a cicuta fatal. Morreu rindo, dignamente, segurando a mão de Dona Rita. Escolheu o veneno, como morrem os filósofos.

Dona Rita não tinha a quem avisar. Esperou amanhecer e chamou o síndico. O velório foi ali mesmo, sem choros, nem rezas.

Descanse em paz, pacato homem!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - ABRAHÃO CRISPIM


 Gente sergipana - Abrahão Crispim (1947 – 2017)
(por Antonio Samarone)

Tudo tem o seu tempo, menos a morte. Morre-se aleatoriamente. Alguns dos que já morreram continuam vivos e existem os ainda vivos que já morreram e se esqueceram de sepultar.

Existem falecidos que fazem muita falta, outros nem tanto. Como existem os vivos, com o prazo de validade vencido. A morte tem os seus protocolos.

Dos que fazem falta, acordei-me lembrando de Abrahão Crispim de Souza, isso mesmo, Abrahão de muitas coisas. Passou no vestibular de matemática e formou-se dentista.

Abrahão levou a civilização urbana para Itabaiana: os bailes, os jornais e os discos.

Abrahão é de 1947, filho de Zé Crispim e Dona Lourdes. Uma ninhada grande de irmãos (Átalo, Águeda, Ada, Altéia, Amabel, Atenágoras e Grampão). O pai, alfaiate e escritor, da boa cepa do Zanguê.

Zé Crispim foi dono de “A Sublime”, uma loja de tecidos na Praça da Feira. Um comerciante de palavra, que nunca enricou.

Abrahão fez o primário no Guilhermino Bezerra e o ginásio no Murilo Braga. Veio para o Atheneu em 1965. Para ajudar nas despesas da família, entrou para trabalhar no BANESE em 1968.

Abraão foi fundador (junto com meia dúzia de "gatos pingados") do Jornal o Serrano, que registrou as mudanças culturais de Itabaiana. Uma pena que esse jornal ainda não esteja digitalizado e disponível para os pesquisadores e curiosos.

O Jornal Serrano circulou entre 1968 e 1977. No Jornal, além de diretor, Abrahão escrevia a coluna social, com os pseudônimos de Francesca, Sissi e Nadja Sampaio. A cada fofoca, a sociedade Itabaianense fervia de curiosidade para saber quem era a ousada escriba.

Abrahão inventou a festa dos melhores do ano, em Itabaiana. Um grande baile, com os Los Guaranis ou os Nômades, para louvar a vaidade provinciana. Sem querer me gabar, Abrahão realizou até um concurso, para eleger o homem mais bonito da cidade. Quer saber quem ganhou?

Abrahão foi o eterno presidente do Sindicato dos Bancários, do Centro Acadêmico, fundador do PT e o seu primeiro Vereador. Abrahão esteve presente em todas as lutas e em todos os movimentos (anistia, diretas já, fora Color, entre outras. Foi Abrahão quem trouxe o PT para Sergipe, desde as primeiras reuniões em São Paulo.

Se não bastasse, Abrahão disputou a Prefeitura de Itabaiana pelo MDB, em 1976, enfrentando a ARENA I, com o filho de Chico de Miguel e a ARENA II, com Fernando Mendonça. Tempos bicudos, Abrahão teve 105 votos rebeldes. Uma coisa que não mudou em Itabaiana, esse eleitorado cresceu pouco de lá para cá.

Abrahão foi membro fundador da Academia Itabaianense de Letras.

Certa feita, no Etelvino Mendonça, diante a rivalidade Itabaiana X Sergipe, onde até a polícia de Barreto Mota tinha lado, Abrahão bradou quase sozinho contra a interferência da força policial. Abrahão sempre foi um homem de muita coragem.

Abrahão foi casado com a enfermeira Rossilar, deixando uma prole numerosa (Newton, Katiuchas e Abrahãozinho.

Numa sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017, Abrahão faleceu precocemente, aos 69 anos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

FELIZ ANO NOVO, ARACAJU

 Feliz Ano Novo, Aracaju.
(por Antonio Samarone)

“O céu do Aracaju tem todos os tons de azuis, claros e escuros, meigos e violentos.” – Joel Silveira.

No dizer de Mário Cabral, Aracaju nasceu feia, pobre e impaludada. Um paraíso das febres, um baixio de mangues, lagoas, pântanos e alagados.

Aracaju engatinhou sobre um charco imenso, onde a saparia coaxava o seu canto. Aracaju é obra dos sergipanos, a disputa entre as areias das dunas e a lama dos manguezais.

Aracaju é um aterro embelezado.

Aracaju nasceu em 21 de fevereiro de 1855, na reunião da Assembleia, no Engenho Unha do Gato. Antes era o Arraial do Riacho de Santo Antonio do Aracaju.

Aracaju era vaidosa por ter sido planejada pelo engenheiro Pirro. Um tabuleiro esquartejado, com ruas de 12 metros de largura, 3 de calçada e 9 de pista, muito antes dos automóveis.

“Aracaju não é terra, nem também povoação, Só tem casinhas de palhas, forradinhas de melão.” A primeira casa de luxo, imponente, foi o palacete de Adolfo Rollemberg, em 1914.

Até a década de 1960, Aracaju permaneceu bucólica, onde o edifício mais alto era a Catedral. O nosso primeiro arranha céu é desse período.

O transporte era feito por uma linha de bondes, puxados a burros. A linha começava na Cadeia Velha e ia até o Trapiche Aurora.

Com a chegada da Petrobras, Aracaju se transformou num canteiro de obras, para o bem e para o mal. As construtoras tomaram conta da Prefeitura, e danaram-se a construir. Estreitaram ruas, avançaram as calçadas: era o vale tudo do progresso.

Os mangues foram aterrados, as várzeas ocupadas e as árvores decepadas. Aracaju deu um salto em pouco tempo. Era o progresso do cimento e do cal. A brisa fresca do Rio Sergipe foi sufocada. A cidade se transformou no inferno para os pedestres.

A Petrobras foi embora.

Atualmente, a especulação imobiliária é dona de 2/3 do restante do solo urbano do Aracaju. São latifúndios urbanos, engordando, para o bem do capital e do lucro.

A região do Mosqueiro, em conflito com São Cristóvão até pouco tempo, está sendo ocupada na lógica do mercado. O lucro derrotando a qualidade de vida.

A chamada “zona de expansão urbana do Aracaju” é propriedade do capital. Tem donos. O último refúgio das restingas, dunas e lagoas, refúgio das capivaras e dos patos silvestres, a última alternativa para Aracaju contemplar a qualidade de vida.

Não sou contra o crescimento, apenas não precisa essa política de terra arrasada.

Essas fotos, é do que resta das nossas lagoas na zona de expansão.

Há tempos, sugeri que a área do Tecarmo, desocupada pela Petrobras, fosse transformada numa reserva natural de restinga. Depois silenciei, com medo de que o Tecarmo fosse vendido ao setor privado.

Durante a Era Bolsonaro me calei, para não chamar a atenção.

Começa amanhã um novo governo, com outra orientação. Está na hora da Prefeitura do Aracaju tomar a iniciativa de incorporar o Tecarmo, como Parque Municipal. O Parque da Sementeira só existe, pela iniciativa do Prefeito Heráclito Rollemberg.

Que em 2023, Aracaju busque um caminho sustentável.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - CARLOS MAGALHÃES

 

Gente Sergipana – Carlos Magalhães - 85 anos.
(Por Antonio Samarone)

“Pode me chamar de Magá, que eu não me incomodo”.

Carlos José Magalhães de Melo é sergipano de Propriá, filho do médico humanista Carlos Melo. Magá nasceu em 24 de março de 1938.

Chegou à Aracaju aos sete anos, veio estudar no Colégio Salvador. Fez o ginásio no Jackson de Figueiredo, passou pelo Atheneu e formou-se em odontologia em Alagoas. Depois de formado retornou a Aracaju.

Sanitarista formado no Rio de Janeiro, na escola de Oswaldo Cruz, Carlos Magalhães assumiu a Secretaria Municipal de Saúde do Aracaju, durante as gestões de Aloiso Campos e Cleovansóstenes Pereira de Aguiar.

A Saúde municipal consistia em meia dúzia de postinhos, com Magalhães, a Secretaria assumiu os programas de saúde pública.

Carlos Magalhães foi professor titular de Odontologia Preventiva e Social na Universidade Federal de Sergipe.

Magalhães foi o primeiro Secretário de Turismo em Sergipe. Em 1972, o Governador Paulo Barreto criou a EMSETUR e convidou Carlos Magalhães para presidi-la.

Carlos Magalhães começo muito cedo no Rádio. Ainda estudante em Alagoas, Magá trabalhou na Rádio Gazeta.

Em Aracaju, foi recrutado pelo grande Raimundo Luiz para trabalhar no jornalismo esportivo na Rádio Cultura. Ao lado de Wellington Elias, formou a dupla mais importante do jornalismo esportivo sergipano.

Houve um tempo que o futebol sergipano era mais emocionante no rádio do que no campo. Cansei de passar as tardes do domingo na rede, ouvindo Carlos Magalhães cantar as vitórias do Itabaiana.

A grandeza das transmissões de Carlos Magalhães, transformava qualquer Sergipe X Maruinense, numa final de Copa do Mundo.

Magalhães transmitia uma partida no acanhado estádio do Galo do Sertão, como se estivesse no Wembley Stadium, em Londres. O futebol sergipano deve muito a Magá. O grito de gol de Carlos Magalhães ecoava aos domingos à tarde, em cada canto de Sergipe.

A minha memória guarda a voz, a entonação, o talento de Waldir Amaral e Carlos Magalhães. Quem não sabe quem foi Waldir Amaral, eu não sei como explicar.

Carlos Magalhães é um conservador democrata!

Quando prestei concurso para a UFS, a banca examinadora, por razões políticas, cogitou me reprovar, mesmo eu tendo sido o candidato com a maior nota. “Como vamos aprovar um comunista para ser professor de medicina”, indagou um membro da banca. Carlos Magalhães, outro membro da banca reagiu: vamos aprovar o melhor, não aceito veto político. E assim aconteceu.

Nunca contei esse episódio. Eram tempos trevosos, mesmo assim, Carlos Magalhães não aceitou discriminações. Eu continuo dando aulas na UFS, resistindo a aposentadoria.

Magalhães é casado com a enfermeira e professora Maria Scandian, com 4 filhos: Ricardo, Roberto, Raquel e Rosana.

Longa vida para Carlos Magalhães!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O SONHO VAI E VOLTA

 O sonho vai e volta.
(por Antonio Samarone)

A solenidade de passagem da faixa ao Presidente Lula, me comoveu. Senti a grandeza do simbolismo histórico. A faixa é a coroação republicana. Aline Souza, negra, 33 anos, você, junto com os outros que subiram a rampa, representam o povo brasileiro.

Fui aos prantos!

O Presidente Lula ainda desfilou no Rolls-Royce presidencial e passou as tropas militares em revista, para que não restassem dúvidas.

Nunca levei a ameaça fascista no Brasil na brincadeira, é sério, ela continua viva. Eles querem um golpe, uma ditadura. Não é a primeira vez, os integralistas, os camisas verdes de Plínio Salgado tentaram. Foram esmagados por Getúlio Vargas.

Dessa vez os camisas amarelas de Bolsonaro foram explícitos, foram às portas dos quartéis e usaram de violência. Na hora, o líder fugiu.

Participo de grupo de pequenos burgueses no WhatsApp, onde muitos torceram o nariz para a solenidade da faixa. “Isso é pura demagogia!” Foi o discurso generalizado. Fizeram chacotas. No início eu me revoltei, pensei em ofendê-los, dizer umas verdades...

Nada, a idade me controlou.

Depois pensei: eles não aceitam aquela gente, em sua plena diversidade, como sendo a fonte do poder. Eles odeiam o povo invisível. O que eles chamam de demagogia é a rejeição deles ao povo. O povo sendo protagonista, sendo visto pelos resto do mundo.

Eles tentaram desclassificar o gesto, com a pecha de demagogia, da mesma forma que não aceitam o povo nos aeroportos, as empregadas domésticas com direitos trabalhistas e os pobres nas universidades. Dessa vez, o povo subiu a rampa!

O Lula levou até um vira-lata, disse uma moça revoltada.

Outro, tirado a intelectual, disse-me querendo ser inteligente: “esse ministério é uma arca de Noé, tem de tudo”. Tive vontade de responder: Tem mesmo, só que o Noé é Lula.

O Brasil está dividido e é até bom que assim permaneça.

Lula, com o envelhecimento e a prisão, se aproximou do estilo do grande Pepe Mujica, “El, Viejo Tupamaro”. Lula está mais sábio e mais determinado.

Dessa vez, além do centrão, do mercado financeiro, da grande imprensa, Lula enfrentará uma extrema direita fascista, militante, disposta a tudo para retornar ao poder.

Lula pregou a unidade e a reconstrução do Brasil.

Antonio Samarone. (médico sanitarista).

GENTE SERGIPANA - FRANCISCO ROLLEMBERG


 Gente Sergipana – Chico Rollemberg (88 anos). Verbete II.
(por Antonio Samarone)

Francisco Guimarães Rollemberg nasceu em Laranjeiras, a 7 de abril de 1935. Foi aluno da famosa professora Zizinha Guimarães, fez o ginásio no Colégio Tobias Barreto e o científico no Atheneu.

Esse era o caminho dos meninos que queriam estudar naquele tempo. Morou na pensão de dona Júlia, na Rua Divina Pastora, em Aracaju.

Como estudante, Chico participou do movimento secundarista, envolvendo-se na luta pela meia entrada no Adolfo Rollemberg nos cinemas e a meia passagem na lotação.

Chico Rollemberg passou a infância querendo ser padre. A Igreja perdeu um Cardeal. Depois resolveu ser médico.

Em 1954, ingressou na centenária Faculdade de Medicina da Bahia. Tomou gosto pela cirurgia, por influência do professor Fernando Didier.

Em 1960, formado, já casado com a dra. Elcy Viana Rollemberg, retornou a Sergipe para exercer a cirurgia. O acesso da povo pobre a medicina era muito difícil. Chico Rollemberg não pensou em ganhar dinheiro, atendia a todos.

Montou um consultório na Rua São Cristóvão, foi ser médico do Serigy e operava dia e noite, feriado e final de semana nos hospitais do Aracaju. Além da disponibilidade, Chico era um bom cirurgião. Logo ganhou fama e conhecimento.

O seu primeiro paciente particular foi um cabo da Aeronáutica de passagem por Aracaju. Doente particular era uma raridade. Chico Rollemberg foi atender o povo, Era muita gente necessitada, e Chico não fazia cara feia.

Desde estudante na Bahia, ele pensava na política. Nas férias, atendia o povo pobre em Laranjeiras, no Hospital São João de Deus. Com esse grande prestígio depois de formado, foi um caminho aberto.

A vida tem surpresas, o irmão Heráclito Rollemberg, com a sua ajuda, elegeu-se deputado estadual ante de Chico Rollemberg. Ao final do segundo mandato de Heráclito, Chico Rollemberg cria coragem e entrou na política.

Chico Rollemberg já entrou como deputado Federal pela Arena, sendo o mais votado de Sergipe. Um fenômeno eleitoral. Chico Rollemberg sempre foi um conservador. Elegeu-se por quatro mandatos de Deputado Federal e um de senador.

No Parlamento, Chico Rollemberg publicou um perfil de Fausto Cardoso com mil e trezentas páginas. Chico escreveu a introdução, com 110 páginas muito bem escritas, uma referência para os estudiosos da história de Sergipe.

“Fausto Cardoso, num gesto incontido de arrebatamento, ele que tanto quis evitar a revolução, decide morrer por ela e exclama: Ninguém é obrigado, mas quem quiser morrer, siga-me. Todos tentam demovê-lo. Gumercindo Bessa, entre outros, agarra-se a ele. Não conseguem detê-lo. Soltando-se das mãos dos amigos, Fausto dirige-se a Palácio. Passa pelo General, passa pelos soldados já estabelecidos na praça, corre – voa...”

A medicina foi a sua grande força política. Depois a política foi mercantilizada e os mandatos precisam ser comprados, com dinheiro vivo.

Chico Rollemberg é um homem culto, afável, de boa conversa, profundo conhecedor da vida e da cultura sergipana. Membro titular da Academia Sergipana de Letras.

Chico é dos últimos médicos com formação humanista, letrado, conhecedor das artes, dos tempos em que ser médico era uma distinção reconhecida pela sociedade. A atual medicina de mercado produz médicos com outro perfil. Especialistas em detalhes!

Em sua maioria, os médicos continuam conservadores, professam credos políticos de extrema direita, militam nas redes sociais e defendem as suas ideias. Quando observo o perfil, a cultura, a profundidade política de Chico Rollemberg, também de direita, constato que a medicina de mercado atual, não está sendo culturalmente generosa com os colegas médicos.

Vida longa ao Dr. Francisco Rollemberg.

Antonio Samarone (médico sanitarista)