domingo, 27 de março de 2022

OS REMÉDIOS DA MODA


Os Remédios da Moda.
(por Antonio Samarone)

Em meados do século XX, a medicina popular praticada em Sergipe era de inspiração hipocratica. A teoria dos humores era bem aceita pela população. A saúde dependia do equilíbrio desses humores.

A medicina popular era fundada numa visão de mundo onde coexistiam o natural e o sobrenatural, as experiências e as crenças,

A medicina popular era uma herança do vitalismo de Paracelso, do mecanicismo de Boerhaave, do humorismo de Hipócrates e Galeno e das medicinas dos índios e negros.

A medicina popular em Sergipe, até meados do século XX, era a persistência da medicina colonial, trazida pelos portugueses.

O paradigma celular da medicina acadêmica era incompreendido pelo povo e ainda não havia sido bem assimilado pelos médicos.

Havia um acentuado gosto pela medicina evacuante: os vomitórios, purgantes e laxantes eram muito populares. Outra prática bem aceita era os suadouros. A ideia era expulsar do corpo os humores corrompidos.

O purgante preferido pelas classes populares era o “óleo de rícino”, óleo extraído a frio das sementes das mamonas.

Toda vez que mamãe cismava que eu estava com fastio, que poderia ser lombriga ou amarelão, ela mandava comprar um copo de óleo de rícino, na bodega de Zé Meu Mano. Eu bebia numa golada, sem reclamar.

Achava um copo uma dose exagerada, mas era a prescrição. Na verdade, era uma medicina dos humores e odores.

O óleo de rícino é espesso, amarelado, viscoso, de cheiro horripilante e gosto de chá de besouro do cão. Mamãe me obrigava: tampe o nariz e engula de vez, é para o seu bem... Depois eu chupava um limão com sal, para tirar o gosto ruim da boca.

Até hoje, acordo de vez em quando com o gosto de óleo de rícino na boca. Nem Freud explica. Metaforicamente, eu sei o que significa “engolir sapos”.

Em menos de três horas, eu já estava no trono para liberar os jatos de fezes alvinas, salpicados de caroços de feijão. Depois, a gente se sentia leve.

Passados os efeitos dos purgativos, era a vez do fortificante: Emulsão de Scott, óleo de fígado de bacalhau. Esse tem o gosto de caldinho de corvina, com validade vencida, remoso.

Entretanto, perto do óleo de rícino, o Emulsão de Scott era uma delícia.

Os purgativos foram abandonados pela medicina. Vivemos sob o império da “moda dos remédios”.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

 

NEURÓTICOS, UNI-VOS


Neuróticos, Uni-vos!
(por Antonio Samarone)
 
A psiquiatria de mercado tirou as neuroses da agenda clínica. Fragmentou e apequenou o sofrimento mental em uma infinidade de “transtornos” adaptados aos recursos da indústria farmacêutica. Tirou do sofrimento humano a sua transcendência filosófica, reduzindo-o a sua condição de sintoma corporal.

A neurose abarca a condição humana em sua globalidade. um problema histórico e de caráter. A sua essência é infenso à abordagem clínica. Os transtornos são sintomas sem significados, reduzidos a alterações químicas.

O neurótico é um rebelde que rompeu com a autoilusão da condição humana. O neurótico se aproxima da verdade e como com esta não se pode conviver, são necessárias as ilusões. Nessa contradição reside o sofrimento dos neuróticos.

O neurótico é um indivíduo que tem dificuldade de manter o equilíbrio entre a ilusão de sua cultura e a realidade de sua natureza. O neurótico perde a ilusão sobre si mesmo. “Tudo é vaidade”, conforme o Eclesiastes.

Conheço um erudito, amante da boa música, advogado de boa formação, crítico do poder judiciário que vive recluso. Um neurótico autoproclamado. Quando ele frequentava os amigos era um terror: não se continha em dizer as verdades inconvenientes de cada um. Fazia dos exageros um recurso para dizer coisas inaceitáveis e parecer que estava brincando.

Outro, é um teórico stalinista, amante da boa vida e das divagações filosóficas, vive à espera da inspiração final, para publicar a sua obra prima. Cada um carregando a sua cruz existencial, para esquecer a morte que se aproxima de todos nós.

“Se o homem será tanto mais normal, saudável e feliz quanto mais ele conseguir reprimir, deslocar, negar, racionalizar, dramatizar a si mesmo e enganar os outros, chega-se à conclusão de que o sofrimento dos neuróticos provém da dolorosa verdade”. – Otto Rank.

Eu tenho meia dúzias de amigos que são neuróticos de carteirinhas. Todos inteligentes e bem formados. As neuroses poupam a burrice.

Precisamos de uma loucura do cotidiano para nos proteger da loucura de hospício.

A realidade da vida é um problema esmagador. O homem normal só absorve o que ele pode mastigar, ele parcializa, mantém a mente ocupada com os pequenos afazeres. Eles se tranquilizam com o trivial. O homem imediato é um filisteu.

A essência da normalidade é a recusa da realidade, viver na mentira e na ilusão. É preciso mentir, sobretudo para si mesmo. O neurótico volta-se à si mesmo, faz da realidade uma parte do seu Ego, o que explica o seu sofrimento.

A natureza não tem compromisso com a felicidade, o que ela nos ofereceu foi o corpo, objeto da evolução biológica, destinado a envelhecer, adoecer e morrer.

Quando o nosso Eu simbólico abandonou a esfera do sagrado, nos deixou expostos a nós mesmos, sujeitos a uma autoglorificação fantasiosa.

A neurose só se instala em quem está buscando a verdade da existência, paga-se um alto por essa busca e os caminhos são individualizados. As neuroses são históricas, cada época com as suas.

Pinel relata que o Salpêtriére, hospital psiquiátrico francês, ficou vazio durante a Revolução Francesa. Todos os neuróticos encontraram um drama pronto para a sua identificação heroica.

Os neuróticos da pós-modernidade não precisam da clínica, nem da autoajuda. Eles abominam a normalidade. Esses amigos que acompanho, buscam um sentido para a vida, que talvez não exista.

O abandono da esfera transcendental deixou o homem desprotegido, sem explicação para muita coisa. Só o sagrado oferece uma ilusão para a morte. A religião abre a dimensão do desconhecido,

O poder analítico da razão afasta os mistérios, as crenças ingênuas e as esperanças simplória. Ao homem desiludido só resta as neuroses. A única verdade que resta ao homem é a que ele cria e dramatiza.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

 

segunda-feira, 21 de março de 2022

OS LOUCOS DA MINHA RUA


 

Os Loucos da Minha Rua.
(por Antonio Samarone)

Na Vila de Santo e Almas não existiam alienistas. Os alienados mansos viviam em liberdade, sem o controle da medicina. Eram doidos de estimação. O juízo perfeito era coisa rara e não deixava de ser uma forma de anormalidade.

A loucura era atribuída as dificuldades da vida e ninguém estava livre. “Juízo de gente não é nada”, se dizia à boca miúda. Existia a loucura familiar, herdada.

Entre a razão e o delírio encontrava-se uma multidão de neuróticos.

No Beco do Ouvidor, num pequeno trecho onde eu morava, existiam três doidos varridos. O filho do eletricista e dois filhos do marceneiro João Mena: André e Teodora.

João Mena era especialista em moveis rústicos, sobretudo em tamboretes de três pés. Em qualquer boteco do agreste o “design” dos tamboretes de João Mena era reconhecido. Resistentes e confortáveis, o preferido pelos pinguços.
João Mena tratava os filhos com espancamentos e castigos. Era a sua forma de educar. As surras em André, com fio desencapado, eram frequentes.

Fui colega de André, na escola de Maria de Branquinha. Um menino calado, normalmente esquisito e inteligente. André lia muito, curioso. Lia para esquecer a violência do pai. Eu sou testemunha, André sempre foi “são psíquico”, como se dizia.

Nos critérios daquela época, doido era os que deliravam, a incoerência verbal, ou os que se calavam, o mutismo absoluto. André incorporou o mutismo, reagiu as hostilidades do mundo com o silêncio.

André surtou e saiu de casa. Virou um andarilho. Vagava pelas ruas e becos, sem mexer com ninguém. Quando tinha fome, batia na porta de Dona Maria, esposa de Durval do Açúcar. Lá todos comiam.

Havia a crença que estudar muito poderia enfraquecer o juízo, principalmente entre os pobres, sem condições de vida adequadas para os estudos. Mamãe me alertava: cuidado com essas leituras, lembre-se o que aconteceu com André.

“Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo”. – Machado de Assis.

Outros acreditavam que André herdou a loucura do pai. As taras ancestrais. A teoria da degenerescência, de Morel, era bem aceita em Itabaiana.

André nunca se reconheceu louco. O carimbo foi botado pela sociedade. Lima Barreto costumava dizer que a loucura era um mar insondável.

Certa feita, o surto de André teve um desdobramento trágico. A polícia encarcerou André no Hospício de Aracaju. Lá, André foi submetido a sessões de eletrochoque e outros maus tratos. Foi o fim do que restava da consciência, dos sonhos e da esperança na felicidade.

No pavilhão do Hospício, nu e desprotegido, o sentimento de André foi resumido por Lima Barreto, no romance Cemitério dos Vivos:

“Pela primeira vez eu senti a desgraça do desgraçado. Tinha perdido toda a proteção social, todo o direito sobre o meu pobre corpo, era assim como um cadáver de anfiteatro de anatomia.”

André escapou do Hospício, não sei como, e voltou a perambular pelas ruas da Aldeia. Não sei se ainda é vivo. Nosso último encontro foi no Asilo de Itabaiana. Aquele do Cruzeiro do Século, do Tabuleiro dos Caboclos. O mesmo André.

Essa desorientação das falas humanas é posterior a Torre de Babel. Entre os doidos da minha rua e os atuais padecentes de transtornos mentais, não sei onde o sofrimento humano é mais intenso.

Não creio que a medicina organicista ao transformar a loucura em doença mental tenha encontrado caminhos para aliviar o sofrimento. A saída química é a transferência do problema.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

quinta-feira, 17 de março de 2022

167 ANIVERSÁRIO DO ARACAJU


 

O 167º Aniversário do Aracaju.
(por Antonio Samarone)

A Capital nasceu no povoado “Santo Antonio do Riacho do Aracaju”. A grafia nos documentos antigos é “Santo Antonio do Aracaju” e não “de Aracaju”, como se escreve hoje. A Carta de Pero Gonçalves, de 1602, cita o Riacho do Aracaju.

O Rio do Aracaju é uma homenagem ao famoso morubixaba Aracaju, que a história esqueceu de guardar o nome, mas a geografia guardou. Suponho que o antigo Rio do Aracaju (Rio Marecaji, nos mapas de Barléu), seja o atual Rio do Sal.

O povoado de Santo Antonio do Riacho do Aracaju é antigo. Existem registros da capelinha de Santo Antonio (hoje Igreja), ligada a Freguesia de Nossa Senhora do Socorro, desde 1755. Foi o seu primeiro capelão o padre Luiz do Brito Soares, em 1788.

O mapa da povoação do Aracaju em 1854, elaborado pelo engenheiro Cabrita, aparece limitada ao Norte pelo Morro do Urubu, ao Sul pelo Rio Poxim, regada pelos riachos Aracaju e Olaria ao Norte, o Caborge ao centro e o Tramandaí ao Sul. Aracaju era a sultana das águas.

Inácio Barbosa não levou em conta a insalubridade do local: um vasto pântano cercado por lagoas e dunas. Uma praia deserta, paraíso dos miasmas! Ele foi a primeira vítima.

Inácio Joaquim Barbosa chegou à Sergipe em 17/11/1853 e faleceu às 5 horas da manhã do dia 06/10/1855, aos 33 anos, na cidade da Estância, vitimado pela malária (sezão, impaludismo). Foi atendido em Estância por uma junta médica composta pelos doutores: Antonio Ribeiro Lima, Joaquim José de Oliveira, Francisco Sabino Coelho Sampaio e Francisco Alberto de Bragança.

Inácio Barbosa foi sepultado na Igreja Matriz de Estância, às 10 horas, num sábado, dia 07/10/1855. Depois os seus restos mortais foi transladado para Aracaju.
A Sede do Governo foi uma casa acanhada cedida por Dona Rufina Francisco de Araújo, sendo o primeiro palacete do Aracaju.
As primeiras ruas foram a Aurora, São Salvador, Laranjeiras, São Cristóvão, a Estrada do Santo Antonio e a Praça do Mercado. Ao poente da Capital, existia um cemitério onde foram sepultados os coléricos.

A Resolução Provincial nº 413 transferindo a Capital foi de 17 de março de 1855. Em 20 de março, três dias depois, o mapa traçado pelo engenheiro Sebastião Pirro estava pronto. Aracaju foi uma das primeiras cidades planejadas do Brasil.
O Governo Imperial aprovou a nova Capital em 08 de junho de 1855. Por conta, Aracaju realizou a sua primeira festa, com passeata e grande queima de fogos.
A disputa política em 1855, era entre os Luzias (rapinas), chefiado Por Sebastião Gaspar de Almeida Boto e os Saquaremas (camundongos), chefiado pelo Barão de Maruím.

No ano da fundação (1855), Aracaju enfrentou uma epidemia de malária que matou o fundador da cidade, e a grande Peste de Cholera Morbus, que assolava o mundo.

A primeira Postura Municipal é a Resolução Provincial nº 458, de 03 de setembro de 1856.

Aracaju não foi erguida num belo sítio geográfico, como Salvador e o Rio de Janeiro. Aracaju nasceu nos charcos. Como dizia o poeta latino: “Em cidades tornei fétidos brejos e fiz dos charcos ressurgir o Império”,

Luiz Antonio Barreto afirmava que Aracaju era o resultado do trabalho do povo sergipano, uma ação de aterros e embelezamento das áreas aterradas. Aracaju não nasceu bela, foi embelezada pela ação do homem.

Aracaju precisou se transformar num grande aterro para tornar-se habitável. Agora precisamos sanear esses aterros.

O embelezamento emporcalhou os Rios. Hoje estamos numa encruzilhada: o futuro de Aracaju está na dependência do saneamento e da limpeza dos seus rios, lagoas, manguezais, dunas e bacias hidrográficas.

O Rio Sergipe precisa voltar a ser um balneário, espaço de regatas e competições à nado. Em breve, em todo 17 de março, poderemos comemorar com uma travessia à nado entre a Rua da Frente e a Barra dos Coqueiros. Como era antes!

O Riacho Tramandaí, no fundo do Batistão, voltará a ser um local de banhos. Hoje é um riacho de merda que desemboca na Praia Formosa.

Espero alcançar este dia!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 15 de março de 2022

SAÚDE NÃO TEM PREÇO


 

Saúde não tem preço! 
 
O Mercado da Saúde anda de vento em popa no Interior sergipano. Parece que a Pandemia aumentou a demanda por saúde.
 
Levar uma vida saudável não é fácil, para que esse sacrifício? É melhor consumir produtos de saúde à venda no comércio. Esse é o pensamento dominante: saúde é consumo!
 
No próspero comércio de Itabaiana, 13% dos estabelecimentos, direta ou indiretamente, vendem produtos ou serviços de saúde (ou de doença). Da maternidade às funerárias, sem esquecer das igrejas pentecostais.
 
Em Itabaiana viceja uma vasta rede de clínicas, farmácias, gabinetes odontológicos (veja a foto da Praça da Feira), ópticas, lojas de produtos naturais, consultórios de nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, naturopatas, etc.
 
Claro, tem as exceções, os serviços que cuidam mesmo da saúde.
 
No Brasil, o Setor Saúde representa 11% do PIB, maior do que o agronegócio. Em Itabaiana deve alcançar uns 30% do PIB local.
 
O crescimento econômico do Setor Saúde é garantido pelo avanço do envelhecimento da população. Os idosos são consumidores vorazes. 
 
Mais da metade do dinheiro da aposentadoria vai para os remédios.
 
A rede de farmácias no Brasil só perde para a de botecos, bodegas e armazéns, distribuidores de bebidas alcoólicas. 
 
A saúde vendida nas prateleiras do comércio. em sua forma de mercadoria, é uma importante causa de iatrogenia. 
 
Antonio Samarone (médico sanitarista)

OS ACERTOS SERÃO CUMPRIDOS


 
Os Acertos Serão Cumpridos!
(por Antonio Samarone)
 
O Governador de Sergipe usou poderes imperiais e ungiu o seu sucessor! 
 
Antes, as escolhas dos candidatos eram prerrogativas dos Partidos Políticos. Mesmo simbolicamente. Havia as convenções, os encontros e as consultas partidárias. O último governador sergipano com essa força foi Leandro Maciel (foto).
 
O governador reuniu os áulicos, chamados eufemisticamente de “Base”, e anunciou o escolhido. Todos ouviram resignados. Em Sergipe, os caminhos políticos fora da máquina pública são estreitos.
A segunda estranheza foi o critério anunciado para a preferência: “escolhi um político que cumpre os acertos.” Quais acertos e com quem?
 
Por último, existe a certeza de que a “Base” irá cair em campo para informar aos eleitores em quem eles devem votar. Afinal, os “acertos” continuarão sendo cumpridos. 
 
Soube que na reunião um desavido perguntou: “e qual o projeto para tirar Sergipe do atoleiro?” Houve uma algazarra abafando a pergunta inconveniente, seguida por uma palavra de ordem repetida aos gritos por todos: “Sergipe somos nós! Sergipe somos nós! Sergipe somos nós”.
 
Como de praxe, só faltou um mais afoito colocar o governador sobre os ombros e carregá-lo em clima de alegria e vitória.
 
Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 11 de março de 2022

A HISTÓRIA REQUENTADA


 

A História Requentada.
(por Antonio Samarone)

A Lei 1.165, de 12 de março de 1963, criou o município de Moita Bonita, desmembrando-o de Itabaiana. A iniciativa dividiu de forma odienta a lendária família Paes Mendonça.

Em seu êxodo da Serra do Machado a família Paes Mendonça tomou caminhos diferentes: Euclides, Mamede e Aurelino foram para Itabaiana; José para o Sertão da Bahia e Pedro para Ribeirópolis. Euclides, Mamede e Aurelino montaram padarias em Itabaiana.

Euclides Paes Mendonça depois botou um armazém, entrou para a política, acumulando uma grande fortuna. Quando foi assassinado (1963), era o mais rico entre os irmãos.
Mamede Paes Mendonça foi para Salvador e fundou a bem-sucedida rede “Paes Mendonça” de supermercados. A padaria de Aurelino foi vendida a Heleno Bacalhau, o melhor pão cilindro de minha infância,

Pedro Paes Mendonça botou uma bodega e uma bomba de gasolina em Ribeirópolis. Depois Pedro cria armazéns de secos e molhados, se mete em política e migra para Recife, organizando o Grupo Bom Preço.

Onde entra a Moita Bonita na história familiar dos Paes Mendonça?
Euclides assumiu a liderança política em Itabaiana, tornando-se o Coronel mais prestigiado da UDN Sergipana. Pedro também entrou para a política, elegendo-se Deputado Estadual em 1958, com o apoio do irmão.

Pedro pensou em criar um município, nas imediações da Serra do Machado, desmembrando de Itabaiana e dividindo o território de comando político do irmão. A inimizade estava feita.
Talvez por conta da briga com o irmão, Pedro Paes Mendonça não se elegeu deputado em 1962, ficando na condição de suplente. Mesmo sem mandato, Pedro não desistiu da ideia do novo município. Já inimigo do irmão e derrotado na política, a iniciativa virou uma obsessão vingativa.

A eleição de Seixas Dória (PSD/PR) para o governo de Sergipe (1963), fragilizou os poderes de Euclides Paes Mendonça em Itabaiana.

Mesmo tendo sido eleito a Deputado Federal e o filho a Deputado Estadual, Euclides perdeu o comando da Polícia Militar e do Fisco, indispensáveis respectivamente para o exercício da violência e comando do livre jogo do contrabando.

Até aqui está tudo registrado, sem novidades. O jornalista Claudio Nunes postou em sua prestigiada coluna o depoimento consistente do senhor Humberto Costa, uma versão diferente, divergente com a historiografia Itabaianense.

Humberto é membro da prestigiosa família Costa que governa a Moita Bonita “in saecula saeculorum.”

Pedro Paes Mendonça, sem mandato, procurou os amigos na Assembleia para assinar a petição criando o município da polêmica. Na versão de Humberto Costa, quem patrocinou a iniciativa parlamentar foram os deputados Nivaldo dos Santos e Durval Militão. Na historiografia de Itabaiana a iniciativa tinha sido de Filadelfo Dória.

Humberto Costa ainda acrescentou: quando Euclides Paes Mendonça soube que Filadelfo, filho do Velho Othoniel Doria, político com raízes em Itabaiana, ia votar a favor, botou Filadelfo para correr de Itabaiana.

Humberto Costa em seu texto, apresentou um fato que confirma a contrariedade de Euclides com criação do município. Um fato novo nessa briga fratricida, que terminou em sangue: Euclides mandou um amigo, Juiz de Direito, com uma proposta indecente para que o Deputado Nivaldo dos Santos retirasse a propositura: “um cheque em branco assinado, para o deputado preencher com quanto quisesse.”

Claro, o deputado não aceitou. Propina em cheque e tendo um Juiz de Direito como testemunha, só as astúcias do povo de Itabaiana.

Pedro Paes Mendonça reuniu meia dúzias de amigos para decidir o nome e a localização da sede do novo município. Ignoraram a existência do Capunga, um povoado centenário e bem estruturado e botaram a sede no sítio Alto dos Coqueiros, com meia dúzia de casas e uma bodega.

Batizaram a nova cidade de Moita Bonita. Em Itabaiana já existia um povoado com o nome de Moita Formosa.

A Inimizade entre os Irmãos Paes Mendonça azedou com a criação da Moita Bonita.

Em 08 de agosto de 1963, Euclides Paes Mendonça e o filho foram assassinados em praça pública, pouco tempo depois, em 24 de novembro de 1963, Pedro Paes Mendonça tomou posse como o primeiro Prefeito de Moita Bonita.

Pelo sim, pelo não, pouco tempo depois Pedro Paes Mendonça migrou para Pernambuco, fundando a Rede Bom Preço.

De lá para cá, a Moita Bonita cresceu e embelezou!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 4 de março de 2022

A CONDIÇÃO HUMANA.


 

A Condição Humana.
(por Antonio Samarone)
Conheço Rafael há meio século. Ele sempre foi meio avoado. A coisa se agravou. Em tom de extrema preocupação ele me revelou uma novidade:

“Samarone, o meu corpo deixou de me obedecer. Ele nunca foi muito disciplinado, mas está exagerando. Sinto que ele apressou sua decomposição, o seu desejo de retornar ao pó foi intensificado. Começou a doer generalizadamente e perder a mobilidade.”

“O mais grave, estou me dissociando do meu corpo! Sinto-me bem, memória intacta, cheio de projetos e sonhos, mas o meu corpo rompeu a parceria. Logo agora, que o envelhecimento me trouxe prudência e juízo, o corpo está apressando a finitude.”

“O que você acha, devo procurar um psiquiatra?”

Não!

A psiquiatria de mercado tenta resolver o mal-estar pelo doping, com drogas legalizadas. A medicina cuida do corpo. É a opção necessária para transformar os cuidados médicos em mercadoria.

O que você está percebendo, meu amigo Rafael, é a essência da natureza humana. Essa duplicidade entre um corpo material, físico, símiesco, que marcha de forma inevitável para a morte e um Eu simbólico, com infinitas possibilidades, cheio de sonhos sublimados, que é regido pelo princípio do prazer e a busca da felicidade.

Esse Eu (self) é a autoconsciência que recebe várias denominações. O grande Freud elevou a compreensão dessa consciência as esferas científicas do inconsciente.

O livre arbítrio do Eu simbólico, a sua subjetividade, a pretensão a divindade é objeto da metafísica. Para cuidar das angústias, das manias e melancolias, a medicina valia-se da arte. A ciência cuida do corpo.

Os sábios da medicina aconselham que deixemos o corpo seguir o seu destino biológico, com o envelhecimento. Se o corpo ainda não estiver tomado por uma grande patologia, a pessoa escolhe o tempo da morte. É o nirvana dos monges orientais.

Rafael ainda filosofou: “a loucura da velhice é a obsessão em salvar o corpo, adiar a sua finitude e batalhar com a morte. A derrota é certa e dolorosa, um culto ao sofrimento.”

Chega um momento que o corpo perde a autonomia e precisa de cuidados alheios. Alguém para limpar as fraldas. Acho que as demências são recursos para se abandonar o corpo sem o sentimento de culpa.

Rafael, não brigue com o seu corpo! Quando for possível, atenda às suas reivindicações. Se ele quiser descansar, descanse, se quiser movimento, leve-o para passear, tomar banho de mar, fazer trilha. Se o seu corpo quiser dormir, durma, se ele quiser ficar acordado, não force a barra com remédios.

O nosso corpo foi viciado em remédios. Não o atenda, ele se acostuma.

“Samarone, eu não estou entendendo direito o que você está me dizendo, mas concordo."

"A minha loucura é um caminho para a liberdade?” Não sei se é um caminho, pois não existem saídas. Pelo menos, é uma sublimação para esperar a morte sem angustias..

Não precisa entender nada. Siga a sua vida.

Viva Rafael!

Antonio Samarone (médico sanitarista)