quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

O VENENO ESTÁ NA MESA


O veneno está na mesa... (por Antonio Samarone)
O agronegócio está centrado na grande propriedade, e na tríade tecnológica: agrotóxico, sementes transgênicas e fertilizantes químicos. Na safra de 2015/2016, esse setor pulverizou sobre as suas lavouras no Brasil, através de máquinas costais, tratores ou aviões, um bilhão de litros de agrotóxico.
Os agrotóxicos são produtos químicos ou biológicos tóxicos usados para eliminar as “pragas” da lavoura. (ervas daninhas, insetos, fungos, nematoides, ectoparasitas, infestação de ratos, etc.).
Os agrotóxicos químicos mais usados no Brasil são os organofosforados, carbamatos, piretróides, fenoxiacéticos, dipiridilos, dinitrofenóis, glicina substituída e neonicotinóides.
No fundo, a praga é o próprio veneno.
Somente 1% do veneno pulverizado por aviões atingem o alvo; 99% vão contaminar o solo, as águas e o ar. Os venenos agrícolas são residuais. Os organoclorados foram proibidos em 2013, e ainda se encontra resíduos no meio ambiente, nos alimentos, no sangue, nas gorduras e no leite materno humano.
A intoxicação pode ocorrer no trabalho, no meio ambiente e nos alimentos. Deu para entender porque o veneno está em nossa mesa?
Cerca de 130 empresas fabricam agrotóxico no Brasil. Em 2010, essas empresas tiveram um faturamento líquido de 15 bilhões de reais. Dessas empresas, apenas seis, Monsanto, Syngenta, Dow, Dupont, Bayer e Basf, controlam 68% das vendas, constituindo-se num oligopólio.
Existem comprovações científicas que os venenos agrícolas podem causar câncer, malformações fetais, doenças neurológicas e imunológicas, disfunções hormonais e transtornos mentais. Essas doenças têm aumentado, em especial nas regiões de largo uso dos agrotóxicos.
Os Ministério da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente não possuem qualquer registro da relação agrotóxico doenças crônicas. Os médicos não costumam perguntar pela ocupação dos seus pacientes, muito menos sobre a qualidade da alimentação. Apareceu o câncer, vamos começar a quimioterapia.
O agronegócio está centrado na tríade tecnológica: agrotóxico, sementes transgênicas e fertilizantes químicos. Na safra de 2015/2016, esse setor pulverizou sobre as suas lavouras, através de máquinas costais, tratores ou aviões, um bilhão de litros de agrotóxico.
Os agrotóxicos contaminam os trabalhadores que manipulam, os solos, as águas, o ar, a chuva e os alimentos. Trata-se de um exemplo clássico de que quando existe conflito entre os interesses econômicos e saúde da população, a saúde é ignorada.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), os agrotóxicos utilizados na produção da maioria dos alimentos no Brasil causam danos ao meio ambiente e à saúde do produtor rural e do consumidor. Sempre que possível, dê preferência aos alimentos agroecológicos ou orgânicos.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico no mundo.
Antonio Samarone.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O PITO DE PANGO, E A SUA HISTÓRIA.



O pito do pango, e a sua história. (Por Antônio Samarone).

Como legalizar a maconha virou moda no mundo civilizado, e até a Marlboro já está pensando em produzir o cigarro do demônio, eu resolvi contar o que sei, por ouvi dizer, sobre a Cannabis sativa em Itabaiana. Os benefícios medicinais da maconha são incontestáveis.

Tendo como motivação, que os dois primeiros trabalhos sobre a maconha no Brasil, foram escritos por médicos sergipanos: “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício”, trabalho de Rodrigues Dória, apresentado em 27/12/1915, no II Congresso Científico Pan-americano, em Washington; e o “Aspectos do maconhismo em Sergipe”, escrito por Garcia Moreno, em 1949.

As sumidades floridas do fumo d’Angola são usadas em Itabaiana desde os tempos imemoriais. A Cannabis sativa – maconha, cânhamo, pito do pango, liamba, diamba, riamba, marijuana, rafi, fininho, baseado, morão, erva maldita, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, maricas e ópio de pobre, já foi de largo uso em Sergipe.

Apressadamente, se conta que a maconha em Itabaiana foi trazida por dois jogadores de futebol, vindo do Rio de Janeiro; outros mais antigos, acham que foram os filhos de um de manda chuva do Beco Novo, quem trouxe a novidade. Eu procurei saber, e a prática vem de longe.

Eu conheci em Itabaiana um mameluco, pele bronzeada e cabelos lisos, que morava às margens leste do Açude Velho. Um senhor paneleiro, pai de santo, dono de um terreiro de “candomblé de caboclo”, onde os rituais da jurema eram realizados. Foi lá que eu soube da maconha. Na Itabaiana daquele tempo, Hosono era considerado um macumbeiro. Na verdade, era mais um pajé!

Nas festas de São Cosme e Damião, a molecada do Beco Novo descia pela estrada do Batula, passava-se por um cemitério de anjos, para se chegar ao terreiro de Hosono; andando mais um pouco, em direção ao lagamar, chegava-se ao terreiro de João de Filipinho. No pé da serra, ficava o terreiro de Cidália. Era o nosso vale do amanhecer. A reduzida “classe ´media”, os brancos bem-nascidos, iam escondidos. A casa de João de Filipinho só andava cheia. Se existiam outros terreiros em Itabaiana na década de 1960, eu não me lembro.

Hosono era uma figura espiritualmente forte, enigmática, misteriosa, que causava medo e assombração a meninada. Eu me pelava. Não tinha coragem de ir sozinho aos terreiros. Só ia em grupo, dias de festas, e eu ficava de fora, longe... A minha turma do Beco Novo era destemida: liderada por Val de Euclides Barraca.

Ouvi dizer que nos terreiros usava-se o pito de pango, ritualisticamente, em dias especiais e raros. Uma tradição deixada pelos escravos. Basicamente as inflorescências femininas. A colheita se fazia na maturidade da planta. As inflorescências femininas, com algumas folhas e a palha eram dessecadas à sombra, expostas a correntes de ar. Depois de algumas noites, de preferência com lua cheia, a liamba ficava ao relento para receber o sereno da madruga, para ficarem curtidas ou sofrerem fermentação. Ao final, estavam prontas para o uso.

A maconha era bebida (fumada), coletivamente, num grande cachimbo de fornilho de barro enegrecido, com a fumaça da jurema verde. Fumava-se e cantava-se loas. O cabo ou haste do cachimbo era um canudo de pita, caule fistuloso de uma planta chamada canudeiro (Carpotroche brasiliensis Endl); enfeitado com anéis e riscos feitos com a pirogravura. Os mais avexados, faziam o baseado com palha seca de milho. Se dizia no Beco Novo que Hosono possuía um “marica de cabaça”, todo enfeitado, mas eu nunca vi.

Na feira de Itabaiana, na banca de Dona Anita, onde se vendia de tudo, de anil a mucunã; podia-se encontrar esses canudos de cachimbo, de todos os tamanhos e acabamentos. Era tido como um comercio de gente muito pobre. João Francisco, meu tio, repetia um aforismo: “Eu prefiro vender canudo de cachimbo na feira, do que ser empregado”. Esse era o espírito empreendedor dos itabaianenses.

Antonio Samarone.   

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

VAMOS EMPURRAR COM A BARRIGA...



Vamos empurrar com a barriga... (Por Antonio Samarone)

Encontrei um velho cacique da política sergipana, na festa de lançamento da biografia de Wellington Mangueira. Sem assunto, perguntei-lhe por formalidade: o que o senhor espera do futuro governo de Belivaldo? Ele foi sucinto: o estado está falido, vamos continuar empurrando com a barriga. Fiquei com isso na cabeça...

Os indicadores socioeconômicos são evidentes: Sergipe caiu no atoleiro. Perdemos o rumo nos últimos dez anos. Vivemos de improvisos. Nenhum diagnóstico consistente, nem um projeto, nenhuma ideia. Qual o nosso destino econômico, qual a nossa vocação desenvolvimentista?

Apostar que a nossa saída é produção de energia suja, poluidora, não sustentável, é apostar no atraso. Receber empreendimentos rejeitados, não é a solução. O mundo anda em outra direção.

A chegada da Petrobrás na década de 1960, e de outras estatais dos minérios, impulsionaram o desenvolvimento de Sergipe por 40 anos. Aracaju cresceu junto. Essa fase acabou, é só prestar a atenção ao que diz Paulo Guedes, futuro super ministro de Bolsonaro.

Estamos saindo de uma disputa política onde nenhum candidato apresentou propostas consistentes para o desenvolvimento de Sergipe. Existe um deserto de ideias, reina a indigência intelectual. Só generalidades, frases feitas, lugares comuns, marketing e lorotas. Só falta alguém dizer que o mercado resolve, e que o estado, o poder público perdeu o protagonismo.

Eu até concordo que o estado está falido. Sergipe é um bom exemplo, de que o estado perdeu a condição de investidor. Mas continua com o papel dirigente, de prover a infraestrutura, de cuidar do ensino, de apontar caminhos. Sem um rumo, sem a uma definição de prioridades, objetivos e metas, para onde vamos? Precisamos de estadistas, que pensem no futuro. O estado virou uma máquina voltada para a manutenção no poder dos seus ocupantes.

A sucessão de 2022 em Sergipe, já começou. O debate já é público. Mas é um debate pessoal: fulano é forte, beltrano também. Claro, as pretensões são legítimas, mas insuficientes. Sergipe precisa que os pleiteantes apresentem propostas, projetos de desenvolvimento para o estado. Informar a sociedade por que pretendem governar o estado.

O curioso é que o novo mandato de Belivaldo ainda nem começou, mas já é visto como cumprido. Nos próximos 4 anos basta que Belivaldo cumpra a tabela, deixe o tempo passar. Faça o feijão com arroz. Se conseguir pagar os vencimentos dos funcionários já está bom. A sociedade perdeu a esperança, ninguém cobra nada. A única questão que importa é, se ele será ou não candidato ao Senado, e se a vice assumindo, será ou não candidata ao governo. Os mais realistas já se conformaram: Sergipe não tem mais jeito!

Vamos continuar empurrando com a barriga?

Antonio Samarone.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris...



Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris...

Siddhartha Mukherjee, autor de “uma biografia do câncer, chamou a doença de “Imperador de todos os males”. E acertou! O câncer não é uma, são várias doenças, que tem em comum a multiplicação descontrolada das células. No fundo, é uma doença do DNA, do programa genético.

Indiferente ao brilho da medicina, o câncer avança sobre a humanidade. Segundo a OMS, o câncer é a segunda principal causa de morte no mundo e é responsável por 9,6 milhões de mortes em 2018. A nível global, uma em cada seis mortes são relacionadas à doença. Em breve será a primeira.

O câncer do discurso médico, chamado eufemisticamente de neoplasia, não é o mesmo sentido pelos pacientes, por quem sofre com a doença. Culturalmente, em nosso meio, nem o nome da doença deve ser pronunciado, no máximo sussurrado. Quando se vai dar a notícia, “fulano está com câncer”, baixa-se o tom da voz, muda-se a expressão facial, e o fato toma ares de uma condenação.

O nome da doença é usado como xingamento: fio do canso, canceroso. Da mesma forma que se usava peste, bexiga "cabrunco", gota serena no tempo das doenças pestilenciais. O câncer é visto como um anuncio de sofrimento e morte. A medicina, pelo menos, pode aliviar a dor e parte do sofrimento físico. O que não é pouca coisa.

Só que o câncer não é apenas sofrimento físico. Em nossa sociedade a morte é negada, escondida, vista como uma derrota, evento para o qual, poucos estão preparados. Mas sempre resta uma esperança, cada um vislumbra a possibilidade do seu adiamento. A presença da morte causa grande impacto nas crenças e valores. Uns depositam a esperança na ciência médica, outros nos poderes de Deus, em milagres, macumbas, força espiritual, fé, vontade de viver, ou em tudo junto e misturado. Morrer com dignidade é uma provação.

As terapias médicas, em alguns casos, têm eficácia; em outros prolongam a sobrevida. Se sabe até que a metade dos canceres são preveníveis, poderiam ter sido evitados; mas não é disso que estou falando. Por outro lado, quase como um contrassenso, a mortalidade por câncer avança no mundo. A minha fala é sobre o estigma da doença, e as suas consequências emocionais, religiosas, psicológicas, sociais, comportamentais, afetivas e familiares.

Quando menino, acompanhei a morte por câncer de uma parente, na Praça de Santa Cruz, em Itabaiana. Ainda se morria em casa. Lembro-me das interdições (nunca me deixaram vê-la); do sofrimento, dos gritos de dor, da comoção dos próximos. E do dia em que descansou.

Minha mãe contava uma narrativa tenebrosa da doença: o câncer é um monstro de muitas pernas, um tipo de caranguejo, que invade, penetra, e come as carnes das pessoas. Não se consegue arrancar. É necessário se colocar 3 kg de carne por semana, para aplacar a fome do bicho. Meio sem entender, eu acreditei em tudo...

O câncer tem os seus segredos. É uma doença nossa, intima, que não se pega e não se transmite. O que mais comove é que o nosso organismo resolveu trabalhar contra a gente. Muitas vezes de repente, de uma hora para outra, sem emitir sinais de descontentamento.

Se morre de todo jeito, sem chances, mas a morte por câncer é singular. Ela nos dar um tempo, permite um balanço da vida, reconciliações e arrependimentos. Tem certa semelhança com o sofrimento bíblico de Jó. A morte por câncer expõe a miséria da condição humana.

Antonio Samarone.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O PERIGO VERMELHO RONDA ITABAIANA



O perigo vermelho ronda Itabaiana. 

No dia santo, da imaculada Conceição, fui a Itabaiana. Ser querer, encontrei com Araponga, um filosofo da província, que levou a vida no anonimato. Poucos sabem, sobre a sua erudição. Foi ele que, há muitos anos, me falou detalhadamente sobre o pensamento de Descarte. Ele citava o “cogito ergo sum”, sempre em latim, e aquilo me impressionava.

Araponga anda assustado! Me revelou que um grupo direitista, clandestinamente, criou em Itabaiana o Movimento Olavo de Carvalho (MOC). O grupo pretende entrar em contato com Steve Bannon, para transformar o MOC numa “think tank”. Enquanto isso não acontece, o MOC iniciou o jogo sujo. 

O MOC começou a ameaçar os subversivos (ou supostos): deixe o Capitão assumir, que os comunistas serão varridos de Itabaiana, e você é um deles. Araponga não se conforma, não aceita ser chamado de comunista! Quando jovem, ele até tentou organizar uma centúria poética em Itabaiana, inspirado no realismo português de Eça de Queiroz. Araponga também não nega a sua admiração por Antero de Quental. Mas comunista, é demais...

Araponga nunca se meteu em política, muito menos com o comunismo. Até que em Itabaiana existiam alguns comunas, discretos, reservados, pois nunca foi fácil ser marxista no interior de Sergipe. Mas já morreram quase todos.

Segundo um intelectual itabaianense, afamado na Universidade de Pernambuco, os comunistas de Itabaiana não perdiam uma trezena de Santo Antonio, e uma meia dúzia era da Irmandade das Almas, saiam nas procissões com o secular colete verde, sob o comando de Zé Bigodinho.

Agora, me apareceu esse MOC querendo caçar comunistas em Itabaiana. Eles não descansam, enquanto não identificarem todos os inimigos. Não está fácil encontrar comunistas nem na Rússia, imagine em Itabaiana.

Araponga filosofou: se governa com “panem et circenses”, mas quando não se consegue, oferecer o sangue dos inimigos (reais ou imaginários) serve de consolo. Em Itabaiana, Araponga acha que ele foi o primeiro escolhido. Ele não pode negar a sua admiração por Antero de Quental, nem que segue as suas ideias, e adora os seus livros. Certa feita, foi à Portugal só para visitar o túmulo de Antero.

Araponga possui uma tela portuguesa (cópia), do famoso duelo de espada entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão, e nunca negou sua imensa simpatia pelo primeiro. 

Ele não sabe como descobriram a sua ligação com Antero de Quental. Araponga é antigo, nunca usou as redes sociais, nem sabe; não anda de conversinha nas esquinas, nem o seu nome ele divulga; não gosta de aparecer. Poucos conhecem a sua filiação à maçonaria. Ele já pensa em usar essa condição em sua defesa: não existem comunistas na maçonaria.

Estou num beco sem saída, desabafou Araponga! O MOC entende a minha simpatia por Antero de Quental como uma prova inabalável da adesão ao credo vermelho. A perseguição está sendo feroz! Achei aquela conversa sem pé nem cabeça, e retruquei: não é possível, você deve estar vendo fantasmas, delirando. 

Araponga se aborreceu com a minha descrença, e bradou: os filisteus vão tomar conta do mundo, como dizia Antero de Quental. Com medo que eu não soubesse quem eram os filisteus, ele abriu um parêntese: os filisteus eram um povo inculto, que só possuíam interesses materiais, vulgares e convencionais.

Para encurtar a conversa, mesmo eu desconfiando da existência ou não desse MOC, aconselhei que ele botasse as barbas de molho, mas que não deixasse de pregar as ideias subversivas de Antero de Quental, em Itabaiana. E enceramos a conversa.

Antonio de Samarone.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

GENTE SERGIPANA



Gente Sergipana. (por Antônio Samarone)

Antônio Santana Meneses, nasceu em Itabaiana, em 05 de agosto de 1944. Filho de Florival de Oliveira Menezes (Florival de Dario) e Dona Valdelina de Santana. O pai era comerciário, empregado do armazém de Manoel Teles (chefe político em Itabaiana). Seu Florival morreu cedo, deixando Antônio Santana com nove anos. Santana tem 4 irmãos: Zé Torneiro, João, Maria e Nivalda.

A vida ficou difícil para Antônio Santana, com a morte do pai. Como todo menino pobre daquele tempo, pegou carrego na feira, vendeu água em moringa, e aos dez anos, a mãe resolveu que estava na hora dele aprender um ofício. Empregou o menino na Alfaiataria de Zé Crispim (cortar ponta de linha, pregar botão, ascender o ferro em brasa). Sempre tinha o que fazer. Zé Crispim comprou uma loja de tecido, e o balconista foi Santana, aos 11 anos.

O trabalho educou e disciplinou o menino. Não o impediu de jogar bola na Praça da Feira, nem de frequentar e se sair bem na escola. Os tempos eram outros.

Antônio Santana nunca descuidou da escola. O primário começou na escola de Maria Branquinha e depois no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. O ginásio ele fez no grande Murilo Braga, com excelentes professores e muita organização. As escolas publicas funcionavam muito bem. Só iam para as escolas particulares os alunos que não queriam nada. Eram escolas “papai pagou, filhinho passou”.

A dificuldade apareceu para estudar o científico, em Itabaiana não tinha. E agora, como vir para Aracaju sem ter onde ficar, sem tem como se manter. Zé Crispim vendo aquilo, resolveu ajuda-lo. Fez contato com Valtênio Meneses, dono das lojas de tecidos Maracanã, e conseguiu um emprego para Santana. Em 1960, Antônio Santana se mudou para Aracaju.

Trabalhando, pode estudar o científico, à noite, no Colégio Atheneu Sergipense, onde estudava o rico e o pobre. Foi morar numa vila de quartos, na rua Japaratuba. Santana se destacou nos estudos. No 3º ano científico, Seu Valtênio Menezes, vendo o esforço do menino, fez uma concessão: - “você só precisa vir trabalhar depois do almoço, pela manhã fique em casa para estudar”. Foi o suficiente! Em 1963, Antônio Santana passou no concorrido vestibular de medicina da UFS, o único pobre da turma. Só passaram 11 alunos naquele ano.

Naquele tempo eram poucos os filhos de Itabaiana que se formavam. Em medicina tivemos o filho de Manoel Teles, Dr. Airton Mendonça Teles; e agora teríamos o filho de um balconista do armazém de Manoel Teles; Antônio Santana, o primeiro Itabaianense a forma-se em medicina pela UFS.

Durante o curso, logo cedo, Antônio Santana se interessou pela psiquiatria. Aproximou-se do Dr. Hercílio Cruz, professor e dono da única clínica particular em Sergipe, o Hospital Psiquiátrico Santa Maria. Além de Hercílio, exerciam a psiquiatria em Sergipe: Garcia Moreno, Renato Mazze Lucas, Jorge Cabral Vieira e Eduardo Vital Santos Melo. Um grupo pequeno, todos influentes na sociedade.

Antônio Santana Meneses concluiu o curso de medicina em 20 de dezembro de 1968. Em primeiro de janeiro, já estava empregado na Clínica Santa Maria. Em dezembro de 1970, casou com uma amiga de infância, uma ceboleira, Dona Carmen Santos Meneses.

Pouco tempo depois, deixou a Clínica do Dr. Hercílio para assumir a direção do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, um velho depósito de pacientes. Mesmo recém-formado, o Secretário da Saúde não tinha alternativas, os psiquiatras famosos não aceitavam.

Antônio Santana encontrou o Adauto Botelho superlotado. Uma ala feminina, assistida pelo Dr. Renato Mazze Lucas; e uma ala masculina, sem assistência médica. Aos fundos, ainda existia um puxadinho, com os pacientes remanescentes da Colônia Eronides de Carvalho. O Adauto Botelho possui ainda uma ala dos “Sem Leitos” (eu alcancei), isso mesmo, os que dormiam no chão.

Entre os tratamentos dominantes no Adauto Botelho: a insulinoterapia (o paciente era induzido ao choque hipoglicêmico); o cardiozol (método químico de provocar convulsões); e o “sulfo”, (mistura de óleo de cozinha com enxofre em pó), que aplicado na bunda do suplicante, injeção intramuscular para produzir um abscesso, reduzia a agitação do infeliz. Um velho principio hipocrático: “a dor maior, cura a dor menor”.

De moderno, o Adauto Botelho possuía o eletrochoque, aplicado em quase todo o mundo. O choque era a panaceia, servia para tudo. O Dr. Antônio Santana demorou pouco tempo nessa casa de horrores. Doentes no chão, sem assistência médica, sobrevivendo a base dos choques. Santana pediu demissão e foi embora para São Paulo.

Antônio Santana foi compor a imensa legião de médicos sergipanos migrantes para São Paulo. Da segunda metade do século XIX, até hoje. Formamos uma elite de paus-de-arara, que partiram em busca de uma vida melhor. Não ajudamos a construir São Paulo só com o trabalho braçal, com o suor; exportamos também cérebros, inteligências, pensamentos, arte e sensibilidade.

Em 1972, Antônio Santana foi morar em São Paulo. Residiu primeiro em Piracicaba. Em 1975 mudou-se para Presidente Prudente, onde foi trabalhar no Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes. Lá viveu, exerceu a medicina decentemente, e criou os seus filhos: Carla, oftalmologista; e Claudio, patologista. Antônio Santana desenvolveu um trabalho voluntário de combate ao alcoolismo, na cidade de Mirante de Paranapanema, próxima a Presidente Prudente.

Antônio Santana Meneses, o Dr. Meneses (para os paulistas), cinquenta anos de formado, reside hoje em São Paulo (capital), e ainda exerce a psiquiatria em seu consultório.

Antônio Samarone.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O PEIDO DA VACA



O peido da vaca.

O Presidente Bolsonaro não aceitou sediar a COP25, a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas. Entende o Presidente, que essa ameaça de catástrofe climática é uma balela, e que o Acordo de Paris pretende criar "nações" indígenas dentro do Brasil, e um corredor ecológico conhecido como "Triplo A" (Andes, Amazônia, Atlântico), restringindo a nossa autonomia. Essas doidices devem ter saído da cabeça de Olavo Carvalho.

O Brasil abriu mão de um certo protagonismo mundial nas questões ambientais, e põe em risco a imagem do nosso agronegócio. O mundo quer consumir alimentos sustentáveis.

Para complicar, essa semana, o relatório “Criando um Futuro Alimentar Sustentável”, do Instituto de Recursos Mundiais (WRI), lançado durante a Conferência do Clima da ONU (COP-24), em Katowice, na Polônia, apontou que o consumo de carne no mundo precisa ser reduzido em 40%, para minimizar o aquecimento global. O Brasil é um grande produtor e consumidor de carne.

E por que peste, comer carne aumenta o aquecimento global, me perguntou Rodolfo, o marchante da feira do Mosqueiro? Tentei explicar: a digestão das vacas e de outros animais na forma de ventosidades e excrementos, juntamente com o uso da terra exigido para sua criação e alimentação, liberam mais gases que todo o setor mundial de transportes. O Marchante retrucou: quer dizer que o peido da vaca é quem causa o efeito estufa?

Eu disse, mais ou menos! Voltei para ciência - no peido da vaca são liberados metano e CO², resultante da fermentação ruminal, responsável por 22% dos gases do efeito estufa. Os ruminantes em geral, são mais perigosos que os combustíveis fosseis (petróleo e carvão). A coisa é séria!

Rodolfo, impaciente, encerrou a conversa: eu sabia, essa confusão com os matadouros em Itabaiana e Ribeirópolis deve ser o dedo desse tal Acordo de Paris. O velho churrasco está com os dias contados. O Chanceler de Bolsonaro tem razão, essa conversa de aquecimento global é uma conspiração dos comunistas.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

EU ACREDITEI EM CEGONHAS



Eu acreditei em cegonhas. (por Antônio Samarone)

Nasci antes do Concílio Vaticano II (1961 - 1965). Vivi um tempo sob a égide do Concilio de Trento, onde o sexo era pecaminoso e precisava ser escondido das crianças.

O Concilio de Trento (1545 – 1563), tornou o casamento obrigatório; permitindo o sexo vaginal somente com fins de procriação. Tornou abomináveis e passiveis de excomunhão: o sexo oral, sodomia, abortos, incestos e adultério. Essas regras valiam em Itabaiana.

A repressão sexual das crianças era absoluta. A maternidade, o nascimento de uma criança, era obra da cegonha, que num horário imprevisto, secretamente, trazia o bebê para junto da mãe. Durante o parto de um dos meus irmãos, que nasceu em casa; fiquei a madrugada acordado, de olho no telhado, esperando a chegada da cegonha.

A minha estranheza maior era que não existiam cegonhas em Itabaiana, era a minha única desconfiança da explicação.

Outra crueldade era a interdição do onanismo. A doutrinação era pesada. Naquele tempo todos tínhamos um “anjo da guarda”, um dedo duro full time, o que tornava uma simples masturbação num martírio. Na confissão, o padre sempre perguntava se a gente tinha praticado o crime solitário. Eu sempre mentia!

Não sei se nas mudanças dos costumes propostas pelo novo Governo, essas coisas voltarão. A direita tem um certo fascínio pela Idade Média. É só aguardar...

Antônio Samarone.

domingo, 2 de dezembro de 2018

DROGAS: A DUPLA MORAL.



Drogas: a dupla moral.

Fui a um aniversário e tomei um susto, com a variedade e a quantidade de bebidas alcoólicas servidas. Sem exagero, os garçons passavam a cada 3 minutos: querem o que, uísque, vinho ou cerveja? Mesmo assim, não ficava copo cheio na mesa.

Eu fiquei acanhado para dizer que não usava álcool, e achei de comentar baixinho: eu não uso nenhum psicotrópico, e que se precisasse usar, preferiria a maconha, pelos reduzidos agravos a saúde. Assanhei uma caixa de maribondos...

A turma reagiu: maconha, que horror! O mais exaltado, um médico, bolsonariano até a alma, esbravejou: maconha, isso é coisa de comunista! O pau quebrou. De comunista? O doutor não se conteve, e levou a discussão para a política: se não bastasse a ideologia de gênero, a partidarização das escolas; agora vem você com essa asneira de legalizar a maconha. O Capitão tá chegando, para botar ordem nesse país. Eu nem tinha falado em legalizar nada, nem tinha interesse em discutir política.

Mas aquilo me incomodou e cair na besteira de aprofundar o debate. Disse ser uma grande hipocrisia, uma dupla moral. Como o álcool, extremamente lesivo à saúde, tinha o seu uso festejado, estimulado, tornado quase obrigatório em alguns eventos; e a maconha, usada até como remédio, era amaldiçoada, considerada a “erva do demônio”, e duramente proibida.

A turma de fogo, e eu sóbrio. Vejam as minhas chances nesse debate. Falava-se três ou quatro de cada vez, todos aos gritos. A racionalidade sufocada pela paixão política. Cheguei a suspeitar que Bolsonaro, comparado com a sua base, não é tão de ultra direita assim.

Tentei sair da política e voltar para a discussão das drogas. Apelei para uma narrativa de sanitarista. Gente, deixe eu falar! Me levantei, aumentei o tom da voz, e abri fogo:

O álcool etílico, etanol ou “spiritus vini” é quimicamente o (C2 H5 OH). Uma droga que se move facilmente através das membranas celulares. O álcool é o único psicotrópico de livre uso no Brasil.

Tem mais, além do etanol, são encontrados nas bebidas alcoólicas, outros produtos de sua maturação ou fermentação, como metanol, butanol, aldeídos, esteres, histaminas, fenóis, ferro, chumbo e cobalto, que são, em grande parte, responsáveis pela diferenciação de sabor entre os tipos de bebidas.

Fui vomitando dados: segundo o Ministério da Saúde, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é crescente no Brasil. A prevalência em 2006 era de 15,7%; elevando-se para 19,1%, em 2017. Trocando em miúdos: 19% da população consome álcool abusivamente no Brasil. O álcool sozinho, faz mais estragos que todas as drogas juntas. E tome argumentos!

Vocês sabem que existe uma inconteste relação do uso do álcool com a violência doméstica, homicídios e acidentes de trânsito. Só em 2017, os acidentes de trânsito causaram 32.615 óbitos; e 181.021 internações hospitalares, no SUS. Os procedimentos custaram aproximadamente R$ 260 milhões.

O álcool é o maior problema da Saúde Pública, exagerei: estão relacionadas ao consumo de álcool: anemia, gastrite; hepatite; cirrose hepática; impotência: infertilidade; pancreatite; infarto; trombose; câncer (especialmente no fígado, na laringe, na boca, no esôfago, no pâncreas e na faringe); pelagra; polineuropatia alcoólica; demência de Korsafoff e anorexia alcoólica.

Gente, o Código Internacional de Doenças (CID – 10), relaciona vários transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool: intoxicação aguda, síndrome de dependência, síndrome de abstinência, delirium tremens, transtorno psicótico e síndrome amnésica.

O meu colega médico, bolsonariano até a alma, me rebateu com uma frase: “isso é papo de comunista”. Ele foi aplaudido de pé, e eu, recebi uma sonora vaia. Depois, eu mesmo achei o meu discurso chato, professoral e pretensioso, mas que não tinha nada a ver com o comunismo.

Nem a bandeira de legalizar a maconha; nem a da redução do consumo de álcool; encontraram acolhida naquela turma. Acho que vou deixar de ir para certos aniversários.
Antônio Samarone.